Artes Plásticas: Caravaggio

“Pois o homem se enclausurou a tal ponto que apenas consegue enxergar através das estreitas frestas de sua gruta.” William Blake

Michelangelo Merisi da Caravaggio

Uma luz de lampião. Invento cela e mirra. Incenso, vela e granizo. Esganiço o grunhido a gancho. Um rosto atávico remissivo. Enfronhado num enfadonho decompor de caules. E o dedo podre, e os olhos hirtos, e o pelo branco, e a face atônita, e o tronco cheio de indelicadezas delicadas vive.

Tudo há vida, terno habita, tenso levita, cosmos transita, Eros suscita em Caravaggio. Do homem preso, ignorado. Do beiço lepra, resignado. O selo ordenha o maltrapilho, deus maltratado. Que mistérios tem o rinoceronte? De chifres e porte não lhe servem senão aos montes celestiais.

Monges e mantos, mantas e marasmos, ilhas e panos convivendo no mesmo plano. És tu plano de deus? És tu planta do diabo? Carnívora ou transparente? Ciclo da vida ou enfeite? Cachoeira ou audaz nascente? Com a relutância do sol ao obstruir o ápice da morte ou a sensatez da lua ao se abster em corte.

Colônia pode ser perfume. Colônia pode ser escravidão. Criada pode ser emprego. Criada pode ser Luz, Iluminação, pode ser Deus. Pode ser o homem. Com fé. E sem Compaixão. O Sacrifício, a escritura da bíblia, Medusa é o amuleto do condenado, a meditação de Francisco. O amor é um desaforo. Desafogo fogo foro forro. À forra com teus bulhões! Afora teus grilhões. Lá fora semente e sabor.

Michelangelo Merisi da Caravaggio. Sereis claro: erguestes o ponche de tinta qual quem só luta a espada, ranhou sangue, arrancou luzes, vidas, cinzas, frágua duma ponta de cigarro. Por mais tempo permaneceria repulsa refratada indigesta, não fosse a barriga grávida do mundo cuspindo indiferença e cordão umbilical.

Estilhaços indolentes rastros. No asfalto. Cravos pertinentes traços. Sois paio. Trigo triturado. Solene rachadura. Bardos Bacos. Diletantes Harmonias Instauradas: Sob Um Parco Tenebrismo, Caravaggio. Costas e costelas e colunas de Adão e Eva às ruínas.

Nasce para o mundo, assim um bebê sem história, no entanto réstia hóstia. Nasce para o mundo, assim um bezerro sem teta, no entanto grita e chora. Nasce para o mundo, assim vazio do absurdo, um gênio de carne e osso, no entanto mata e reinaugura a desordem. Impregnada a técnica se repete em cravo e viola, cheiro de cupim e madeira rançosa.

Caravaggio é antes de tudo um santo. Abaixo de todos um escravo, o diabo pecador, um demônio. Ao lado do ferro o mofo, a ferrugem, a alçadura, a lavoura, a candura, o besouro, a escuridão cega e branca, o negro manto da morte, a alva branca rebelião da paineira. Acima do descontentamento, o pintor, devassadamente humano e atormentado.

O deus descalço levando sandálias debaixo do braço.

Pintor Caravaggio

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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