“deve deixar o povo desempenhar comédias
e os historiadores registrarem os fatos
deve deixar os pobres falarem mal dos impostos.” Ezra Pound
Tutuca pertenceu a uma categoria de intérpretes que se distinguiu por imprimir uma marca às suas personagens, o que se convencionou chamar de “bordões”. Artifício que mais tarde caiu no limbo, embora outros atores tenham voltado a se destacar ao colocar sua personalidade em cena, casos de Al Pacino, Jack Nicholson e Paulo César Peréio. A criação de uma personagem acoplada ao intérprete perdeu o costume em tempos recentes, onde a capacidade de se camuflar indistintamente e de maneira variada garante os aplausos do ofício. O intérprete que dá vazão a um sem número de performances, a histórias e personagens que vão muito além dele próprio. No tempo da chanchada o astro era o ator de um papel só, e o que se revezava, o coadjuvante. Basta reparar em Zé Trindade, Oscarito, Zezé Macedo, e etc.
Embora muito criticada, a questão da marca tem seu valor. Woody Allen tem uma marca assim como Pedro Almodóvar e Martinho da Vila. O interlocutor assimila de imediato aquele universo que já conhece, e advinha de antemão os segredos, as artimanhas. Talvez pela previsibilidade o gênero tenha sido paulatinamente rejeitado. Embora haja nuances no tipo de marca de Fellini, Godard, Bergman e Truffaut, elas ainda assim são marcas, maneiras de narrar, tal e qual em Tutuca e seus congêneres. Não é só o olhar cômico, ridículo, do paspalhão, coitado e inocente. É um humor que se vale do gestual, do corpo mais do que das palavras, para exprimir um ponto de vista, uma opinião. Tanto que, no bordão de Tutuca, o som é tão ou mais importante do que seu sentido, é a onomatopeia que, segundo Nelson Rodrigues, mais humilha no tapa.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo e Divulgação.