“Aliás, cada passo na arte é sobre o fio da navalha, entre o ridículo e o brilhante.” Tom Zé
Não é raro em manifestações políticas e carnavalescas que o artifício usado seja o de ridicularizar o oponente ou a si, para conquistar território e coração. No Brasil a caricatura ocupa-se principalmente do primeiro caso, embora também seja usada para homenagear personalidades do esporte, da cultura, e outros segmentos da sociedade. Porém, essa depende sempre do senso de humor de quem está do outro lado. Afinal se vale de um recurso nada cortês. Feita de uma observação que muitas vezes pode se considerar óbvia, exagera no traço mais marcante e já nada escondido de sua vítima.
Fellini, no cinema, mas que começou neste campo artístico, talvez seja a principal referência. Se já não bastasse a expressividade dos atores, ainda cria para eles um cenário e clima apropriados à extravagância. Há algo de lúdico na caricatura. Por sua característica hiperbólica pode soar impossível, fantasiosa. O que ao mesmo tempo atrai é esse universo distante da realidade pálida e a percepção de que a vida carrega nas tintas tanto quanto os ilustradores. O recente assassinato dos caricaturistas da revista francesa “Charlie Hebdo” é uma prova do poder de alcance e efeito da prática.
Wolinski, o nome mais conhecido dos assassinados, influenciou, no Brasil, figuras como Ziraldo, Jaguar, os irmãos Caruso, Ique, fosse na forma ou no conteúdo. Essa arte, que quando acompanhada de texto recebe outros batizados: tirinha, charge, quadrinho, etc., segue sendo um polo de resistência ao conservadorismo. Por sua independência fanática não se curvou nem mesmo a assassinatos, processos e ameaças. É um espaço reservado ao humor e à possibilidade da crítica sem meias palavras, contumaz, aguda. Talvez por se fazer, justamente, de pequenas palavras ou nenhuma.
Mesmo ágrafa, a caricatura é a representação de uma sensação e um sentimento que na contenção acolhe o amplo. Daí a similaridade com a poesia. Quino (o criador de Mafalda), Laerte, Renato Aroeira, Angeli, Juarez Machado, Nássara, J. Carlos, Millôr Fernandes, Henfil e tantos outros, não nos deixam mentir. A caricatura é poderosa. Uma dama sem modos. Mas muito prosa. Henri de Toulouse-Lautrec ao capturar as personagens emblemáticas do cabaré “Moulin Rouge” e da noite parisiense também pode ser enquadrado nesta categoria, embora enquadramento combine e ao mesmo tempo retalie esse dom, feito de aproximação e distância.
Raphael Vidigal
Imagem: obras de Toulouse-Lautrec, Angeli, Wolinski, Ziraldo, Fellini, Juarez Machado e Renato Aroeira.
1 Comentário
Pena que num país como o Brasil este tipo de arte seja tão desvalorizada.