“E é o meu canto o fruto dessa espera.
Canto como quem risca a pedra. Te celebro
Na mais alta metamorfose da minha época.
Não cantarei em vão.” Hilda Hilst
Claudya agora assina o nome com “Y” e apesar do detalhe e da mudança no lugar do “I”, muitos ainda a reconhecem ao menor assobio. Dona de uma das belas e singulares vozes da música popular brasileira, a cantora contabiliza 19 títulos na discografia, sendo que o mais recente álbum foi lançado em 2011, “Senhor do Tempo – Canções Raras de Caetano Veloso”, parceria da gravadora Joia Moderna com a Tratore. “É sempre relevante gravar Caetano, pelo que representa como autor, e para a música popular”. A entrevistada afiança que a ideia partiu do produtor Thiago Marques Luiz e do DJ Zé Pedro. Por hora os que quiserem conferir mais novidades de Claudya terão que ir a seus shows. “Não pretendo gravar por enquanto. Tenho inúmeras músicas autorais, inéditas, mas estou esperando o momento certo”, adianta.
E o momento, para tristeza dos fãs da cantora, não parece estar próximo. Claudya esclarece seus pontos. “Infelizmente a música brasileira está nivelada por baixo. Não temos mais as grandes referências que tínhamos no passado. Vivemos outros tempos”, lamenta e endossa discurso proferido, há poucas semanas, pela também cantora Mônica Salmaso, rebatida pelo mais recente homenageado de Claudya, Caetano Veloso, que diz celebrar “a invasão do litoral pelo sertanejo, baile funk e axé music”, sendo o último seu “favorito”. Mas Claudya apresenta os seus argumentos. “Tempos esses em que se valoriza o descartável, o abominável, o banal, bem diferente dos nossos tempos de ouro em que o artista e a música eram sagrados, em que era preciso ter talento e conteúdo”, sublinha. Para ela, as épocas são diferentes e antagonizam.
MUDANÇAS
“Vivíamos uma época de decisão, mudanças. Infelizmente a mídia não abre suas portas para os grandes talentos brasileiros. Estamos sem memória e sem os grandes artistas que valorizavam a nossa história musical. Muito triste para o país que teve a melhor música do mundo, e que foi considerado um dos mais importantes junto com a música americana”, completa. Apesar de se ressentir do espaço dedicado a ela e vários colegas na mídia de grande massa, Claudya não para. Recentemente apresentou-se em Belo Horizonte através do projeto “Salve, Rainhas!”, idealizado por Pedrinho Madeira, e conta com uma agenda regular de shows onde mora, em São Paulo. Natural do Rio de Janeiro, a intérprete teve passagem importante por Minas Gerais. Estudou em Juiz de Fora, no colégio São José, e foi descoberta num programa de calouros da Rádio Sociedade local, aos 9 anos de idade.
Pouco mais tarde, aos 13, foi crooner do conjunto “Meia-Noite” e animou festas e bailes da cidade. “Decidi que seria cantora quando em uma reunião na casa de um tio no Rio de Janeiro, cantei “Maringá”, de Joubert de Carvalho, e fui muito aplaudida. O aplauso me impulsionou a ingressar na carreira artística”, orgulha-se. Aplausos que se avolumaram quando Claudya migrou para a cidade que a abriga até hoje, e consolidou-se, na década de 1960, junto à cena local da bossa nova e da MPB que surgia. Um dos primeiros sucessos em escala nacional foi “Razão de Paz para não Cantar”, de Eduardo Lages e Alésio de Barros, música com a qual venceu, em 1969, o I Festival Fluminense da Canção. Daí expandiu sua voz poderosa para o mundo, excursionando por festivais no Japão, Grécia, México, Venezuela, e alguns outros.
ENCONTROS
Maria das Graças de Oliveira Rallo foi uma das primeiras a dar voz às composições de um uruguaio de sobrenome Chalar da Silva. Dito desta maneira fica difícil identificar que Claudya descobriu Taiguara. “Conheci o poeta Taiguara nos anos 1960 quando iniciava a minha carreira em São Paulo, na casa de outro grande compositor, Adylson Godoy, que nos apresentou. Fiquei encantada com a obra desse brilhante músico, arranjador, poeta e compositor”, afirma sem poupar elogios. Apesar do encantamento imediato Claudya só conseguiu registrar uma composição de Taiguara “na década de 1970, na gravadora Odeon, quando compôs a belíssima ‘Memória Livre de Leila Diniz’”, em homenagem à atriz falecida num acidente de avião em 1972. Os dois chegaram a cantar a composição juntos, em 1989, na TV Manchete.
Claudya ainda homenagearia Taiguara em 1996, ano do falecimento do compositor, vítima de um câncer na bexiga aos 50 anos. “Nos anos 1990 tive a ideia de gravar um CD só com obras dele, pela antiga RGE, hoje Som livre. É um dos mais belos trabalhos da minha carreira”, afirma ao referir-se ao álbum intitulado simplesmente como “Claudia canta Taiguara”. E não precisa mais. Outro encontro importante na trajetória de Claudya se deu com os irmãos Paulo Sérgio e Marcos Valle, autores daquele que talvez seja o maior sucesso da cantora, “Com Mais De 30”. “Os irmãos Valle têm uma participação fundamental na minha carreira, porque me deram uma música inédita pra gravar, que fez um grande sucesso e é lembrada até hoje pelo pessoal da mais nova geração, sendo muito moderna e conseguindo atravessar o tempo”, diz.
TEMPO
Outras músicas atravessaram o tempo pela voz de Claudya, sempre através de encontros importantes. O Rei Roberto Carlos também tem o nome lembrado como participação decisiva na carreira da entrevistada. “Quando gravei ‘Jesus Cristo’, Roberto já estava fazendo sucesso com a música. Na verdade eu a regravei e obtive muito sucesso também, mas não se trata de uma criação minha”, pontua. Mas foi uma criação de Marcelo D2 que trouxe a voz de Claudya de volta para os holofotes em 2008, ao ‘samplear’ trecho da canção “Deixa eu Dizer”, composição de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza que deu nome ao álbum lançado pela cantora em 1973, na gravação da música “Desabafo”. Com evidente teor de protesto a junção das duas músicas provou que algumas posturas resistem ao tempo muito bem. Claudya não desiste fácil.
Ela abre o leque de influências na música e apresenta “Dalva de Oliveira e Ângela Maria no início de carreira, depois Maysa e as divas do jazz, como Dolores Duran, Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald. A cantora Barbra Streisand me ensinou tudo sobre cantar bem”, garante. Estende-se para as artes plásticas com “Picasso, no cinema Fellini, na literatura Thomas Man e no teatro Millôr Fernandes”. Por muito pouco essa rica carreira artística não foi interrompida por um episódio sinistro na vida da cantora. Ela esclarece uma das maiores polêmicas da carreira, com a emblemática e lendária Elis Regina, em quem, dizem, chegou a causar insegurança pela força de sua voz. “Essa é uma grande polêmica e que foi fomentada por Ronaldo Bôscoli, marido de Elis, em um momento muito delicado da minha carreira, um momento, diria, crucial”.
POLÊMICA
Além de marido de Elis Regina, Ronaldo Bôscoli, que namorou outras divas da música brasileira como Nara Leão e Maysa, era também produtor, jornalista, autor de letras, e agitador cultural do meio artístico brasileiro. Não foram poucas nem pequenas as histórias de confusões e desentendimentos envolvendo a sua figura enquanto esteve vivo e ativo. Por outro lado, Bôscoli, que morreu em 1994, vítima de câncer de próstata aos 66 anos, é coautor de grandes sucessos da bossa nova, como “O Barquinho”, com Roberto Menescal, “Lobo Bobo”, com Carlos Lyra, e ainda o sambalanço “Tributo a Martin Luther King”, com Wilson Simonal, entre outros. “Estava apenas iniciando a minha trajetória quando fui envolvida em uma trama em que me colocaram como vilã de uma história da qual eu fui vítima”, desabafa Claudya.
Na época, Bôscoli propôs para Claudya um espetáculo intitulado “Quem Tem Medo de Elis Regina?”, justamente para fomentar a rivalidade. À negativa da intérprete em participar da ação, já era tarde, pois a intriga chegara aos ouvidos da “Pimentinha” que, com seu conhecido temperamento passional, não perdoou o mal entendido. “Fui muito prejudicada com tudo isso e praticamente banida do meio artístico. Só consegui permanecer pelo grande talento que tenho e por ser muito teimosa”, ratifica Claudya com palavras que apenas servem de endossamento a carreira coroada por notas musicais e versos ditos em poesia. A propósito de polêmicas, Claudya não tem medo de expor suas opiniões, e dá o pitaco no “episódio das biografias”. “Acho que as biografias podem sim ser escritas sem a aprovação dos artistas”, vaticina.
DEMOCRACIA
Claudya amarra bem os motivos que a levam à declaração anterior. “Somos patrimônio da humanidade e estamos no exercício da democracia. Claro que permitiria uma biografia a meu respeito. É o que deve acontecer num futuro próximo”, celebra a cantora e os fãs. Inclusive ela já interpretou um desses “patrimônios da humanidade”, no caso a atriz e líder política argentina Eva Perón, amada pelos argentinos e chamada por Evita. Em 1983 Claudya estrelou nos palcos um dos mais grandiosos momentos de carreira recheada de conquista e êxitos. “Fui convidada pelo diretor Maurício Sherman pra fazer a ópera rock ‘Evita’, mediante um teste que aconteceu sob o olhar do famoso produtor de musicais, Victor Berbara, que havia comprado os direitos do espetáculo”, relembra. A escolha não foi difícil.
“Segundo Victor, depois de me ouvir ele não teve dúvidas quanto à protagonista de Evita no Brasil”, diz envaidecida Claudya, que ainda guarda ótimas lembranças do espetáculo. “Evita é um espetáculo emocionante, denso, em preto e branco. A música de Tim Rice e Loyd Weber é simplesmente maravilhosa e muito difícil de ser cantada, daí a grande dificuldade que tiveram na época para escolherem a cantora que faria o espetáculo. Alguns nomes do teatro e da música fizeram o teste, mas não foram aprovados. Coube a mim fazê-lo e ser apontada como a melhor Evita do mundo pelos produtores ingleses Robert Stigwood e David Land”, avisa Claudya, sem esconder-se atrás de modéstias que não combinam com seu temperamento, talento e voz.
DISCOGRAFIA
1967 – Claudia
1971 – Claudia
1971 – Jesus Cristo
1971 – Você, Claudia, Você
1973 – Deixa Eu Dizer
1977 – Reza, Tambor e Raça
1979 – Pássaro Imigrante
1980 – Claudia
1983 – Evita
1985 – Luz da Vida
1986 – Sentimentos
1989 – Claudia
1992 – A Estranha Dama
1994 – Leão de Judá
1994 – Entre Amigos (com Zimbo Trio)
1996 – Claudia Canta Taiguara
1997 – Brasil Real
2005 – Horizons: A Lua Luará
2011 – Senhor do Tempo: Canções Raras de Caetano Veloso
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação.
15 Comentários
Delicioso texto e entrevista. Claudya é grande!
Raphael Vidigal, entrevista uma das maiores cantoras brasileiras: Claudya.
ficou bem bom!
Se ela não cantou Como 2 e 2 não valeu rsrsrs
Bravo ! BRAVISSIMO !
Parabéns, Raphael Vidigal, por trazer à tona essa grande cantora, patrimônio musical em plena vitalidade!
Legal !!!!!
Claudya é estupenda, e a matéria está uma delícia.
Bacana!
sem igual compositora de primeira.
Maravilhosa reportagem. Amei. Parabéns Raphael. Ficou linda
Concordo plenamente com o que o Raphael Vidigal expressou! realmente ela é um talento.
Boa tarde amiga Claudya.
Tudo bem com você,sua filha? E seus irmãos?
Lembro-me dos tempos que fomos vizinhas… sinto muita saudades.
Principalmente dos seus pais, que para mim , eu os considerava como meus.
Muitas saudades…
Se você quiser fazer parte de minha amizade no face, será bem vinda. É mais voltado a minha fé, com “Reflexçoes” casos verídicos da vida real etc.
Felicidade querida, sucesso, tudo que você canta ;me encanta.bjs.
Bela reportagem , merecida, Claudya Ícone da MPB.
Cantora Claudya, reconhecidamente a melhor intérprete de que se tem noticia. É maravilhosa e é brasileira. Que orgulho ter uma cantora assim…