“Há uma rosa linda
No meio do meu jardim
Dessa rosa cuido eu
(quem cuidará de mim?)” Bertolt Brecht
Em época de modelo, manequim e dançarina, Cida Moreira, além de cantora, atriz e pianista, é um poema. Não é figura de linguagem. A artista paulista, nascida na capital em 12 de novembro de 1951, recebeu os versos de Marcelo Fonseca em sua ode, com que aproveitou o título para batizar o mais recente álbum, “A Dama Indigna”, lançado em 2011 em CD e DVD pela gravadora do DJ Zé Pedro, “Joia Moderna”, e pela “Lua Music”, respectivamente. “O essencial para a minha vida é que tudo tenha muita qualidade, opção feita por mim desde sempre, isso se aplica principalmente à música, onde passeio por muitos gêneros, pela minha própria formação musical, que é muito boa, graças a Deus”, reflete a entrevistada espirituosamente.
No disco ela entoa canções de Jards Macalé, Gonzaguinha, David Bowie, Tom Waits, Amy Winehouse, etc. Na opção audiovisual há ainda a participação de Thiago Petit, e diferentes músicas de Brecht e Angela Ro Ro. “Sou uma cantora que tem suas raízes no drama, no teatro. Minha personalidade é teatral, e é com ela que faço minha arte, seja qual for o autor ao qual me dedique, não tenho preferências. Tenho os artistas que afetam minha alma e são estes que canto. Em quem não tenho esta crença, não canto, por respeito a mim e ao autor”, arredonda. Ao longo de carreira fonográfica iniciada em 1981, e que conta com 10 títulos, além de coletâneas e participações, Cida gravou de Eduardo Dussek a Zé Rodrix, passando por Vicente Celestino.
CINEMA
Cida Moreira já atuou no cinema ao lado de Arrigo Barnabé e Jorge Mautner, também egressos da música. Entre os mais recentes trabalhos na tela grande estão “O Tronco”, de 1999, em companhia de Rolando Boldrin e Antônio Fagundes, entre outros, e “O Que Se Move”, de 2012. Em 2015, Cida dará sua nova contribuição para a sétima arte. Ela acaba de rodar na Paraíba um novo filme, “Desertos”. “O Guilherme Weber (diretor) já havia me convidado há três anos, e agora o filme foi feito. As gravações terminaram no último dia 9 de março, em Picotes, interior da Paraíba”. Ambientado no sertão, o longa se baseia no livro “Santa Maria do Circo”, do mexicano David Toscana, e tem no elenco Lima Duarte, Osmar Prado e Claudete Pereira Jorge.
“É a história de uma trupe de artistas no final do século XIX”, avisa Cida, sem dar mais detalhes. Com uma trajetória sempre pautada pela originalidade, a intérprete registrou em 1997 canções emblemáticas do cinema sob sua ótica muito pessoal. “Na Trilha do Cinema” contém faixas de Gilberto Gil, Glauber Rocha, Sergio Ricardo, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira e até folclore nacional. “Canto os sentimentos que as músicas me oferecem, na sua beleza infinita. Não tenho ideias pré-estabelecidas pra abordar um compositor”, destaca. Um dos nomes mais recorrentes na obra de Cida é a do dramaturgo alemão e poeta Bertolt Brecht. “Brecht me veio muito cedo, através do teatro”, assinala.
TEATRO
A razão para cantar Brecht é muito clara para a entrevistada. Formada em psicologia, Cida iniciou os estudos de piano em Paraguaçu Paulista e os continuou em Londrina, no interior do Paraná, tão importante para sua formação quanto Assis, em São Paulo, onde teatro e música se combinavam no cotidiano. “Os melhores artistas do mundo cantam algo ou muito da obra musical de Brecht com Kurt Weill, Paul Dessau, Hans Eissller, por exemplo, procure no Youtube e levará um susto de tanta beleza”, recomenda sem falsa modéstia. Entre os números do último disco constam “Uma Canção Desnaturada”, composta por Chico Buarque para a “Ópera do Malandro”, e “Sou Assim”, de Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri para a peça “Botequim”.
Sobre esta última, a artista faz questão de ressaltar o tom com que interpreta o tango. “Existe uma ironia, muito diferente de deboche. Afinal estamos no meio de um verdadeiro deboche musical”, analisa. O cenário atual da produção cultural brasileira é visto contraditoriamente por Cida. “Admiro todos os compositores que fazem poesia e constroem o patrimônio poético do Brasil, que é infinitamente maior do que qualquer pessoa com menos de quarenta anos pode supor”, deduz, e faz a ressalva. “Tem uma geração jovem com muita qualidade, meus encontros com artistas com os quais cantei, e foram muitos, renderam lindos shows, amizades fortes, admiração mútua e nenhuma fofoca”. Recentemente a artista dividiu palco com Hélio Flanders e Filipe Catto.
MÚSICA
A primeira canção que Cida cantou no rádio foi aos seis anos de idade. “Serra da Boa Esperança”, um samba-canção do carnavalesco Lamartine Babo, na rádio Marconi, do interior de São Paulo, já prenunciava o espírito inquieto da talentosa artista. Na adolescência, em Londrina, travou amizade com o compositor Arrigo Barnabé, e foi no lendário “Lira Paulistana”, objeto de documentário sobre a “Vanguarda Paulista” dirigido por Riba de Castro e lançado em 2013, que Cida gravou o primeiro disco. Na capa, uma óbvia referência à Janis Joplin, além de contar no título um dos maiores sucessos da cantora norte-americana, “Summertime”, de George Gershwin e Du Bose Heyward. No repertório, vários clássicos de jazz, blues, Chico, Ro Ro, e outros.
Apesar de não “se achar em nenhum movimento da música brasileira”, Cida faz questão de assinar presença na “Vanguarda Paulista”. “Desde o começo eu estava lá”, sublinha. “Vim do teatro, e isso explica tudo”, arremata. Com discos em 2008, “Angenor”, em que cantou somente a obra do compositor Cartola, e “Cida Moreira canta Chico Buarque”, de 1993, mesmo modelo, a cantora e atriz rejeita a palavra “homenagem”. “São projetos musicais, temas escolhidos por mim para serem trabalhados. Não homenageio ninguém, homenageio todos que amo, cuja música me ensina, me constrói, acrescenta”, afiança. Os temas escolhidas priorizaram a lavra menos conhecida do grande público, como “Feriado na roça”, de Cartola e “Estação Derradeira”, de Chico Buarque.
ARTE
A dedicação à arte feita por Cida Moreira ao longo de décadas pode ser conferida de perto e em detalhes no livro de Thiago Sogayar Bechara lançado em 2013 pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo na Coleção Aplauso, intitulado “A Dona das Canções”. Sobre a questão é soberana em diluir a fumaça. “A arte constrói um povo, a arte é a tarefa dos verdadeiros artistas. Há vida inteligente na música do Brasil, é só procurar e se deleitar”. Intragável? Cida Moreira acende o charuto.
DISCOGRAFIA
1981 – Summertime
1983 – Abolerado blues
1986 – Cida Moreira
1988 – Cida Moreira interpreta Brecht
1993 – Cida Moreira canta Chico Buarque
1996 – Balada do Louco
1997 – Na Trilha do Cinema
2003 – Uma Canção Pelo Ar…
2008 – Angenor
2011 – A Dama Indigna
Raphael Vidigal
Fotos: divulgação.
7 Comentários
Maravilha! AMO CIDA MOREIRA! Suas interpretações, voz.. já estou publicando!
é um prazer compartilhar suas entrevistas e, sobretudo, esta com Cida!
Show de entrevista com Cida Moreira. Sempre inteligente e certeira nas palavras.
palavras sinceras……obrigada Raphael…gostei demais……boa tarde….
“Indigna e Indignada”!!!…Como toda poética herdeira de Brecht!Brava!
Pra quem gosta de boa música e boas histórias:
Adorei!
OPAAAAAAAAAA
essa faço questão de divulgar na minha linha do tempo, no meu grupo e na página do meu site
tá no meu top dez, abraços e grato pela lembrança
Grandeza e sensibilidade numa só pessoa! Intérprete ímpar!