“Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça.” Eduardo Couture
No princípio era o verbo. Até que o lustraram e encadernaram. E o verbo já não era verbo. O verbo tornara-se grave, respeitável, de terno, paletó e gravata. Encontrava-se em estantes sob uma lustrosa capa. Ah, o verbo. Agora cobrado em vestibulares o teu sentido, perdeu o bom senso, ganhou imponência. Pouco me importa se Fernando Pessoa sabe conjugar uma frase, se Clarice Lispector segue as normas gramáticas, se Antônio Prata atentou-se à ortografia nova. Pouco me importa se há argumentos jurídicos capazes de tirarem a Portuguesa da enrascada em que por conta própria envolveu-se. O senso de justiça dos homens é anterior ao de legalidade. Assim como o de Poesia.
Repito nada mais do que aprendi com Rubem Alves, um ser muito além da alcunha de escritor, pedagogo e teólogo, que me ensina a perceber o humano, e do humano o erro, e deste erro a mágica. A burocracia trancafiou a essência dos homens. Permito-me o preconceito de discriminar duas profissões e afirmo: há muito as pessoas que optam por serem médicos ou advogados não tem como princípio ajudar ao próximo e promover a justiça, mas construir um plano de carreira. Há muito quem comanda planos de saúde pensa primeiro no lucro e em seguida no câncer. Há muito concursos públicos contratam profissionais capazes de papaguear a respeito do certo, do exato, do inexorável.
Não há lugar para a análise, a opinião, a ironia, o inesperado. Avisa Mario Quintana que “o fato é um aspecto secundário da realidade”. Mas não é isso o que pensam nossos burocratas. Eles afirmam que a “matéria é técnica, não existe subjetividade”, com a expressão solene, rígida, plácida. Os legalistas que em nome da lei provavelmente não tiveram tempo de assistir ao filme “O Julgamento de Nuremberg”, a película que aborda as atrocidades “em nome da lei” cometidas na Alemanha durante o regime nazista. Como no Brasil, na Espanha, no Chile, na Itália, na China, na Rússia, em Cuba leis foram e são cumpridas e utilizadas para promover injustiça e indignidades.
Exemplos não faltam. E o homem esquece-se que a lei é para proteger os homens. É para defender o justo. E se você considera justo que um clube perca os pontos conquistados em campo por falha administrativa e técnica, ok. Prendam-se os ladrões de pão. Aos adeptos do concretismo, clareza e objetividade da lei sobre a qual não consideram haver interpretação, questiono: a lei é para os homens ou para as máquinas? Qual a necessidade de advogados? Quem olhar para a questão com o mínimo de humanidade absolverá a Portuguesa do erro crasso. O erro humano, que torna mais bonitos os homens. Nem sempre o acerto, o gol, a consagração, a vitória trazem o prêmio em campo.
Nem sempre o condenado recebe a vaia. Nesse momento o time vencedor do júri tem uma única punição, justa: a antipatia popular, o constrangimento, a vergonha. Se a disputa, em qualquer esfera humana é um mero pretexto para conquistar aquele sentimento raro, a Portuguesa, neste momento, pela incoerência do destino humano, perdeu, mas é mais amada. E o outro time, que venceu a batalha dos tribunais, mais odiado. Haja champanhe. Porque não há poesia lusa no país dos empedernidos tecnocratas. E os que ignoram Camões não sabem que a canção não se esgota. E o bravo e pequeno entoa: “Vamos à luta! (…), Que é a luz da tua jornada!”.
Raphael Vidigal
7 Comentários
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A Portuguesa deu mole de colocar o cara pra jogar.
Em outros casos iguais a pena aplicada era a mesma desse caso, salve engano
eu ainda não li muito sobre o caso
só sei que o Fluminense vai carregar essa imagem ruim por algum tempo
Acho que o campeonato brasileiro acabou com o futebol brasileiro. Na moral, antes desse campeonato brasileiro surgir, o Brasil tinha muito mais equipes fortes. Pra mim, tinham que ter mantido a Taça Brasil até hoje.
Ou colocar um nome mais bonito tipo Taça Brasileira de Futebol. Ia ser bem mais competitivo uma espécie de Libertadores entre estaduais.
O título da matéria já resume a história toda. Por mais legal que seja, “decidir” um jogo numa audiência é totalmente anti-esportivo. sou a favor apenas nos casos de doping. E ainda por mais legal e “justa”que seja a decisão do STJD, se não tivessem feito essa burrada poderiam até limpar um pouco da mancha da virada de mesa.
Bonito texto. Não entendo de futebol, nem de justiça desportiva. Por alto sei somente que o fluminense costuma ser beneficiado e que a Portuguesa realmente cometeu um erro escalando um jogador q n deveria. O problema é justificar um erro com outro e abrir espaço para mais um precedente injusto… :/
Muito bom o texto Vidigal!! Parabéns!!
Adorei !!
E vc falou mesmo do concurso público hehe