Literatura: Rubem Alves

Se mil vezes me perguntarem quem sou, direi: Adélia Prado
Se mil e uma, direi: Rubem Alves

Literatura

Trôpego em seus passinhos diminutos dos quais debochará mais tarde, vem com mansidão. Desmancha a fragilidade a impressionante voz que encerra quaisquer perspectivas de “últimas apresentações”. Lúdico, lúcido do porte de seus 77 anos ele alquimera (misto de alquimia e quimera) as imagens de velho triste e velho criança, que conclui caixa de ferramentas e brinquedos e com Deus explica as erotizações da fruta pudica maçã e a fruta obscena caqui.

Choro dos corações entrecortados em Hiroshima, onde foram plantados os caquizeiros a vida triunfa sobre a morte, e vítimas fatais se chocaram com a capacidade destrutiva humana: “O mundo é maravilhoso, mas os homens são terríveis. Os homens e as mulheres.” Não discrimina. A vida triunfa sobre a morte. Vaticina.

“Aforismo é um raio que cai na Terra e destrói uma rocha. Nietzsche é o homem transbordante. Os marxistas são uns chatos. Marx é maravilhoso de ler sob culinária. O dono da panela. Os risos da platéia. Movimentos coordenados pela fala; alegria sem objeto, sem prazer. O prazer precisa do objeto. A alegria da lembrança.” É uma graça prestar jornalismo com tantas aspas; nesse caso.

A ironia é tão doce e fere com o riso aberto. Fará pior a seu inimigo tratando-o com cordialidade, sintetiza certo Oscar Wilde pouco ensinado em escolas de ensino básico. E o basicismo que ataca as escolas é ironicamente exposto pelo conhecimento de passo trôpego: “Academia de Letras é uma bobagem. Meu amigo Moacyr Scliar, do qual muito sinto saudade, fez a maior bobagem em aceitá-la. Mas suas histórias são uma delícia. Tanto quanto as de outro escritor genioso do qual o autor dessas linhas não se lembra o nome e que se sentiu honradíssimo em ter sua obra servida de argumento para o vestibular. Acontece que ao tentar responder as questões feitas pelos acadêmicos sobre seu texto e publicadas num jornal, errou todas!!!”

Como é possível destruir uma poesia seguindo os rigores técnicos exigidos pelos avaliadores. Discursa todas as linhas de Cecília Meireles sem nada saber sobre elas. Recusa a musicalidade e se perde todo o contato com a camada espessa da veleidade. Velas de Cecília Meireles. Para entendê-las, é preciso cantar. O canto que está entre as linhas, “nos interstícios”. Ele brinca as palavras. Falta ensinar sobre os livros o prazer de ler um livro. Um livro não serve para nada. Uma música não serve para nada. Uma poesia não serve para nada. Falta ensinar a brincar com elas. Prazerosamente.

“Não se pode ler Mario Quintana de cara amarrada. Um brincalhão. A poesia de Mario Quintana é toda infantil.”

Bandeiras e lutas erguidas com o braço operado e fremes inquebrantáveis de sagacidade: propõe o fim do vestibular; fim do academicismo pernóstico; e expõe idéias em pouco mais de uma hora diante de absortos admiradores que o engrandecem ainda mais com perguntas pouco inspiradas das quais ele é capaz de tirar mel de abelha sem raiva: a resposta para um texto não é uma análise, é outro texto.

Diante de Rubem Alves, Palácio das Artes.

Rubem Alves

Raphael Vidigal

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

9 Comentários

  • acertou em cheio…adoro Ruben Alves…Tenis x frescobol, um excelente exemplo sobre o casamento

    Resposta
  • Amo Rubem Alves…e tudo o que ele escreve.
    Belo texto, Raphael! Meu sonho é um dia conhecer a “Escola da Ponte”, em Portugal. Quem sabe iremos juntos? Grande beijo…

    Resposta
  • Faz tempo que.
    para pensar sobre Deus
    não leio os teólogos,
    leio os poetas.

    (Rubem Alves)

    Resposta
  • EDUCADOR ADMIRADO POR TODOS OS EDUCADORES BRASILEIROS E DO MUNDO.

    Resposta
  • Sem dúvidas, Rute, sem dúvidas! Um exemplo que infelizmente o ensino brasileiro, em geral, não segue.

    Resposta
  • Meu amigo, li um texto seu sobre o mestre Rubens Alves… Que obra incrível… Como você é talentoso, Raphael… Parece uma sabedoria atávica, de mil, dois, três mil anos… Quanto lirismo em um jovem… Coisa rara, raríssima e admirável… Porque, em minha modesta visão, além de uma grande talento, a Poesia que você escreve também é fruto de um grande esforço de sensibilidade… Creio que a Sensibilidade é natural, mas para preservá-la, em qualquer período onde o Homem tenha pisado, não é algo simples, é quase monumental. Grande abraço, parabéns pelo Esquina Musical.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]