Joe Orton: o autor que usou a morte para causar o riso

“(…) se recusava a alimentar os corvos. (…) Recurso mofado e bolorento! Me chama de vadia para baixo. Me levanto com dignidade, subo na pia, faço um escândalo, entupo o ralo com fatias de goiabada.” Ana Cristina Cesar

Joe-Orton

Um autor de teatro que talvez seja mais lembrado por sua morte completaria 80 anos de vida em 2013. Nascido em Leicester, no interior da Inglaterra, Joe Orton viveu somente 34 anos. Assassinado com nove marteladas na cabeça pelo amante Kenneth Halliwell, com quem se encontrou pela primeira vez na RADA (Royal Academy of Dramatic Art), uma das mais respeitadas escolas do gênero no mundo, ele ainda é pouco conhecido e encenado no Brasil, mas não é por falta de méritos.

Basta dizer que durante o ápice da breve trajetória, de 1964 a 1967, Orton trabalhava no roteiro para um filme sobre os Beatles, que naturalmente acabou recusado, devido ao gosto do autor por situações absurdas e subversivas. Sugerir um romance homossexual entre os rapazes da banda e o uso de substâncias alucinógenas não foi bem aceito pelos empresários preocupados com a imagem dos “bons moços”. Por motivo semelhante, Orton foi preso.

Ao lado de Halliwell, que se tornaria seu assassino e com quem morava na época, Joe roubou e desfigurou vários livros de bibliotecas públicas, antes de alcançar o sucesso, a fim de mostrar a indignação com “todo o lixo que era publicado” e a recusa de seus trabalhos. Além de utilizar algumas fotos para compor um estranho e bizarro painel em seu quarto, ele executou montagens nos próprios livros, como colar o rosto de um macaco sobre uma rosa.

Como se não bastasse, recheava as publicações com comentários que, segundo ele, eram “levemente obscenos”. Até ser descoberto, continuou vagando pelas ruas obscuras da cidade, mas descobriria na prisão a real liberdade. Foi ali que, mais uma vez segundo o próprio, ele encontrou sua “voz autêntica, a partir de um distanciamento”. Os temas que normalmente versam sobre morte e desespero eram sempre combinados com humor negro.

Essa marca do dramaturgo pode ser sentida em todas as obras, entre as quais “O Saque”, “O Servo Fiel”, “Brincando com a Morte”, “Comédia de Horrores”, “O Rufião na Escada”, “Pelo Buraco da Fechadura”, deixada incompleta, e outras. Livros com os textos de Joe Orton também foram lançados no Brasil e podem ser encontrados no Mercado Livre ao preço médio de R$12,00, a exemplo de “Da cabeça aos pés” e a coletânea com “O nosso hóspede” e “O Saque”.

O filme “O Amor Não Tem Sexo”, dirigido por Stephen Frears e com Gary Oldman no papel principal, além de Alfred Molina, de 1987, conta a trajetória errante e sombria desse artista preocupado em incomodar para causar o riso, afundar o dedo na ferida para alcançar o grito, e através do teatro mostrar seu desprezo por toda uma forma de vida, como ele dizia: “A puta velha da sociedade levantou as saias, e o fedor foi nauseabundo”.

Joe-Orton-morte

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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