“Brasil, mostra a tua cara!” Cazuza
Análise
Muita gente é cativada a participar dos protestos em várias extremidades do Brasil, e até fora dele; casos de Inglaterra, Irlanda e França; ao acessar no Facebook, Twitter, e outros, um tipo de informação ali amplamente difundida, em contraposição inicial ao silêncio da imprensa massiva, depois reprimida a modificar a cartilha.
É contumaz o equívoco quando se avalia a importância da rede social. Costuma-se apontá-la como fator determinante para a série de acontecimentos. Essa teoria não se sustenta por um único argumento: ela é suporte, não conteúdo.
Vídeos, fotos e textos têm a capacidade de circular com mais alcance e velocidade do que, por exemplo, no tempo da caixa de correios. Mas não se pode perder de vista o seguinte: o essencial é o motorista, não o veículo automotivo.
A indignação dos manifestantes com o abandono de saúde, educação, transporte, corrupção, etc., neste exato momento, tem origem na forma como os governantes manejaram a pauta (esse é o conteúdo espalhado na rede), não obstante serem problemas mais do que caducos, e todos muito bem resfriados.
Faltou a Geraldo Alckmin, Antônio Anastasia, Fernando Haddad, Sérgio Cabral, Eduardo Paes, e os demais da trupe, obedientes à altivez e à FIFA, “as boas maneiras”. Ou seja, explicitou-se no mecanismo de interação virtual a arrogância dos eleitos ao afirmaram que: 1- não se voltaria atrás no aumento das tarifas de trânsito “e pronto”, 2- amassariam a Constituição proibindo, inclusive, a passeata ao povo, e 3- rechaçariam os rebeldes com a máxima violência “garantida ao Estado de direito”, entre peripécias outras.
Trocando em miúdos: a ofensa foi ao orgulho. A inépcia dos detentores de cargo os levou a esfregar na cara; bem nutrida de alguns, desnutrida de vários; o que há muito se escondia debaixo do tapete: não se consulta o povo brasileiro para nada, nem sobre a própria vida; resolvem-se eles mesmos, os poderosos supremos, quais os problemas do país e como dirimi-los, e o “resto”, literalmente (com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha), exploda-se.
A materialidade dos gestos, reproduzidos na internet pela ação da desqualificada polícia nacional, e palpável no dia a dia pelos estádios de futebol a insurgirem magníficos no horizonte acinzentado dos civis foi o estopim para o revide.
Desliza o azeite.
Quem escorregar primeiro plantará roupa no cabide, ou bananeira nos centros, ainda uma esfrangalhada bandeira verde e amarela nas janelas do medo. Medo da roubalheira. Da falta de atendimento. Do abandono. Da negligência e, principalmente, em plena Copa do Mundo, ser colocado para escanteio. Acuado, ataca o bichano, das unhas mal pagas e dentes maciços.
Prosa
Plácido e refulgente este país prospera. Para alguns, míseros. Enquanto milhares, mirrados e miseráveis aglutinam-se em postos de saúde e pontos de ônibus; tantos, lotados; e todos muito pouco notados. Considerados nada. É bom vê-lo ofegante, aturdido, resfolegante, atordoado.
Mas com direção. Em marcha contrária à dos soldados. Obedientes, obstinados, cumprindo ordens de mandatários irresponsáveis. Segue-se a lei da indignação; o povo, nós, à margem. Tomar conta de avenidas, pontes, públicos espaços: vendidos, vendados. Descai a manta, olhares miram o óbvio.
Estádios de futebol a preço de banana para os exploradores, em desfile com cachos de uva e penachos, enquanto o bobo alegre da corte arria o bolso, procura, caça; determinado; mas afugenta o troco. Qual é a lógica da matemática? Problema insolúvel, prioridade torta, doença crônica irremediável.
Sujeitos a bordoadas nos olhos, nos cornos, nas vértebras, no crânio, nos músculos, na pele, nos ossos. No coração. Atônito e impávido o poderio gélido esmorece ante o martírio inflamado da multidão. As mãos para os lados, como um cordão; não para o alto, ou à frente, chega de preces e esmolar em vão.
Exige-se. Esse país de milhões para os quais não presta. Nem há esquerda ou direita ou liderança destacada capaz de empenhar incontáveis demandas. Expelidos e impelidos sois a uma época diversa. Sem parâmetros no passado e espelhando, em presente e futuro, um alto grau de formas e conteúdos.
Gritos, urros: estridentes, surdos. De tiros, cacos de vidro, quebradas gargantas. Assustam os donos. Os proprietários. Os amos. Os que tomaram a mãos de trapo filhos a não os reconhecerem em tais panos. Humildes rasgos. Esquartejamento de corpos: diários, não de agora; há anos, bilhares.
Desrespeitam, humilham, escarnecem intrépidos e exoneráveis, pouco caso criando de básicas necessidades, premissas as mais ordinárias: saúde, educação, transporte, honestidade. Ignorantes. Sim, os ignorantes, das castas privilegiadas, postulantes a cargos, longínquos, distantes…
Afinal ignorados tomam a pés de cisne o lago em rebuliço onde legaram a ti o papel do patinho feio. Alçam voo. Asas negras, encrespadas, enraivecidas e revoltas embranquecem a face dos desavergonhados. A palidez a anteceder o amarelo. Maculado ouro. Desta bandeira do Brasil.
Esse País Dos Aflitos.
Raphael Vidigal
5 Comentários
O pais saiu do anonimata e foi buscar o que lhe é cobrado. A mercadoria ( saude, educação, moradia,lazer, etc) que o povo recebe não é nem 1/5 do que o povo paga e precisa. Pois bem, pagamos muito caro por esses serviços e pra isso não existe um PROCON pra reclamar, mais existe a voz da juventude, do povo brasileiro que não engole isso. a unica coisa que fica feia e deixa o movimento torto, são os vandalos e desequilibrados que se aproveitam de um momento impar, para saquear e destroir nosso patrimônio que já nos custou tão caro. FORA OS VANDALOS e ABRAM ALAS PRA OS CIDADÃO POLITICAMENTE CORRETOS. ABRAÇOS E VAMOS CONTINUAR COM INTELIGENCIA E ATITUDE.ISSO É QUE É DEMOCRACIA.
ACORDA POVO E VAMOS IMPEDIR QUE OS VERIADORES, DEPUTADOS LOTEIEM O PAIS NA DISTRIBUIÇÃO DE CARGOS. OS CARGOS DEVEM SER TECNICOS E NÃO POLITICOS. OS POLÍTICOS JA ESTÃO EM SEUS DEVIDOS LUGARES.
“trocando em miúdos: a ofensa foi ao orgulho” isso mesmo
concordei!!!
muito bom
acho que é isso mesmo
Bacana demais!!! Adorei a prosa.. Acho q o sentimento do povo nessas manifestações está bem descrito ali.
gostei muito
o texto é lindo, mesmo
Eu não havia lido até agora uma descrição do que está acontecendo tão poética e rebuscada, com floreios, metáforas, romântica (sim, muito romântica! gostei!).
Muito romântica e viva, me deu até arrepios no final.