“Persigo algumas palavras. São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema… Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas… E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as…” Pablo Neruda
O poder formigava nas mãos grandiosas, calejadas e protegidas. Para disfarçar as marcas de expressão não se abstinha em colar sobre elas brilhos, inventar costuras, remodelar aspectos frios e assim torná-los quentes. Expressava-se criativa. Ao fim do processo riscara, por cima da blusa de linho, um fósforo, e, muito próxima ao fogo, mordiscando a parte inferior do lábio, soprava a “velhinha” e se dava vivas. Comemorava, aludia, enfeitava a vida a menina.
Rogéria, uma transformista, um homem pleno, sambando com seios ao vento, bunda arrebitada, na avenida. A multidão a reconhece, reconhecida Rogéria desce, ajeita o salto: urra, grita, cacareja, brinca. Um maquiador, uma mulher pluma, requebra o funk com músculo rijo, membro mantido, na rua, no enredo, na coxia. Um bem de origem, recontado, recriado, repetido em novela, musical, cinema, dramaturgia, pinta a borda a criaturinha.
O sonho, uma fantasia. Os anos tirados de letras. O ventre criou para si. O que quis. Como quis. Do jeito que quis. Afinal de contas inverte as sinetas, a lógica, o fim. Põe onde lhe cabe. Cabe em qualquer cabide, desde que ela ou ele assine. Ao final das contas, o verso uma matemática. E a carta sem remetente. E o documento não carimba. Surpreende, arrisca, petisca, entretêm, reflete. Afinal sem medo, Artista. Rogéria. Única. Dúbia. Irrestrita. Ímpar. Exagerada. Simples.
Astolfo Barroso Pinto, a Rogéria do Brasil.
Raphael Vidigal
3 Comentários
Ah! Esse ‘Astolfo’…
Que linda…..
:))