Cinema: Zózimo Bulbul

“O sol caía quase a pino sobre a areia e o seu brilho no mar era insustentável.” Albert Camus

Da argila surgiram cabelos. Cabelos crespos, avolumados, em chumaços. Uma tira inteira com dentes de peixe foi retirada do bolso. Usou-a para penteá-los, embora desobedecesse à ordem da retina acesa, os olhos esbugalhados, as mãos cravejadas por estúpidas bolhas. Estourou-as uma a uma. Então notamos os braços: grossos e algemados.

“- Zózimo Bulbul”, emitiu o som solene e áspero. Na fronte, havia resquício de aparição antiga. Lembrava uma profecia, sombras, antepassados. “Africano”. Com única palavra compreendeu a dúvida, e nos revolveu em próprios enigmas. Não demorou a notar a espera de nossas atitudes, retirou o restante do corpo debaixo da lama, avançou rápido.

De um lado para o outro, começou a moldar o ar inerte, o que aos poucos deu-nos uma pequena esfera, no entanto tátil. Engoliu-a de uma bocada. Presenciamos os dentes: caninos afiados, os outros todos apresentavam uma marca quebrada, embora sem a memória do sangue. Esse, aos montes, aglutinava-se nas pernas exauridas, capengas, cansadas.

Mas o monte manteve-se em pé. Cuspiu a flama de fogo, antiga esfera, agora ranço. Empesteado por colorações singulares, pouco a poucos nos aproximamos, identificando conhecidos rostos, raízes, pragas. As algemas tilintaram, e ao piscar as veias da alma, transformaram-se em chocalhos. Para fora voaram flores, cestos rendados, pantomimas e opressores.

Cozinhamos uma banana em folha de mandioca e nos empanturramos.

Zózimo Bulbul – Ator, Cineasta e Roteirista (Rio de Janeiro, 1937 – 2013). Primeiro protagonista negro de novela brasileira. Atuou, além de outros, em “Vidas em Conflito”, “Memorial de Maria Moura” e “Xica da Silva” (TV); “Cinco Vezes Favela”, “Terra em Transe”, “Em Compasso De Espera”, “Quilombo” (CINEMA); Concebeu e dirigiu “Alma No Olho” e “Abolição” (PREMIADO DOCUMENTÁRIO).

Raphael Vidigal