“Violador enfurecido,
com sua égua Amnon debanda.
Negros lhe dirigem flechas
desde os muros e atalaias.
E quando os quatro cascos
eram quatro ressonâncias,
Davi com suas tesouras
cortou as cordas da harpa.” García Lorca
O mestre que se intitula discípulo tanto quanto os outros crê na humildade como um sopro. Ligeiro, rastro, sem matéria definida, no entanto tocável, sensível, pela audição de projéteis bascos que rondam ao sabor do vento, ao labor das horas, latifúndio de expectativas e ânsias.
Severino Araújo assim tomou a ordem da Orquestra Tabajara aos 21 anos, como quem ordenha vacas no pasto, deixando-as livres, soltas, para simplesmente estarem, sem dificuldade, vivendo num mundo de verdes, verdades, gramas, granulados.
De Limoeiro, no interior da Pernambuco querida, também Severino Araújo tomou lições, várias, árias, árduas, desgastantes e belas. Criança, menino vadio, pegava na clarineta como quem maneja um bambu, cana de açúcar, só queria lhe tirar o suco, provar, chupar, aferir o gosto.
Foi esta grossura, ingenuidade lisa, repentinamente tirada aos esbarrões do mundo adulto, que Severino Araújo conservou, e por isso e tantas coisas outras a tua Orquestra Tabajara segue sossegando, sucesso, e tirando o sossego de muita gente nostálgica. É que no fundo todos temos vontade de sermos criança de novo, e a música, muitas vezes, é o melhor instrumento.
‘Espinha de Bacalhau’, arvorou-se dos maiores sucessos de Severino e sua Orquestra, gravada por Ney Matogrosso, Gal Costa, ganhadora de letra do cearense Fausto Nilo. Mas outros estandartes também caminharam ao lado desta história inusitada, qual o susto de uma flauta, choro, saxofone, ao anunciar entrada triunfante.
Foram estes o cantor Jamelão, em excursões famosas, e o menos reconhecido Jards Macalé, que realizou sonho de infância ao tocar com as feras o próprio ‘Choro de Archanjo’.
Sonhos, bailes, rádios, jazz, chorinho, fusão, profusão, de genes, pássaros, gaivotas, gaiolas, prisões, liberdades, não me refiro a Severino Araújo e tua Orquestra Tabajara, falo daquela, a esmo, escondida, a vida, que se confunde.
Raphael Vidigal
Lido na rádio Itatiaia por Acir Antão dia 05/08/2012.
5 Comentários
“De Limoeiro, no interior da Pernambuco querida, também Severino Araújo tomou lições, várias, árias, árduas, desgastantes e belas. Criança, menino vadio, pegava na clarineta como quem maneja um bambu, cana de açúcar, só queria lhe tirar o suco, provar, chupar, aferir o gosto.” Raphael Vidigal
http://www.youtube.com/watch?v=tKQeTqGQgBY
Lindo texto Raphael Vidigal!! Valeu demais!!!
Meu caro, deixei o texto pra você.
Parabéns pelo trabalho tão primoroso que realiza.
Grande abraço e obrigada pela oportunidade.
Que bom isso em, parabéns pelo seu artigo interessante.
Grande maestro amanha estaria completando 96 anos.