*por Raphael Vidigal
“Procuremos somente a Beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida.
Um som d’água ou de bronze e uma sombra que passa…” Eugénio de Castro
Por ser carioca, Carmélia Alves, uma menina criada em Petrópolis, no interior do Estado, apareceu para os holofotes da Rádio Nacional, a mais famosa da década de 1940, onde conseguira contrato, cantando sambas e imitando Carmen Miranda. Sinceramente, o sucesso foi escasso. Não que o repertório fosse fraco, nem que Carmélia Alves não possuísse traquejo, talento, faro. Bem, talvez deste último pudéssemos considerá-lo, em parte.
No início, Carmélia Alves engajou-se a reproduzir o que se ouvia na maravilhosa cidade, o que se pedia, o que era tátil. No entanto, como Luiz Gonzaga, um pernambucano de Exu cismado em tocar no acordeom foxes e trotes e valsas e samba-canção, foi ao olhar para o próprio umbigo que Carmélia desvendou a questão.
Carmélia era carioca, sim. Mas filha de pais nordestinos. Pai cearense, mãe baiana. O que lhe corria no sangue era algo recém inventado, ousado, novo. Rei do baião, inventor, ninguém melhor do que ele, que simbolicamente trocara o acordeom pela sanfona, para coroar a rainha. E a escolhida por Luiz Gonzaga foi Carmélia Alves.
Com o epíteto colado ao nome, Rainha do Baião, a cantora morena, de voz cintilante, alternando agudos e graves, desfilou pelas passarelas do sul músicas compostas por Hervé Cordovil (Sabiá lá na gaiola, Cabeça inchada), Roberto Martins (Coração magoado), Ary Kerner (Trepa no coqueiro), e, claro, Gonzagão (Juazeiro, Asa Branca, Paraíba), além de dedicar álbum às canções dos ritmistas Jackson do Pandeiro e Gordurinha, este último um satírico compositor de verve regionalista – autor de “Chiclete com banana” e “Súplica cearense”.
Não há como negar que, nos últimos anos, Carmélia Alves, descobridora do instrumentista Sivuca (morto em 2006, aos 76 anos), não era mais ouvida, mesmo antes da derradeira despedida dos palcos, em último voo de andorinha, no qual se arvorou a interpretar êxitos de outrora, com o legítimo grupo “As Eternas Cantoras do Rádio”, acompanhada de Ademilde Fonseca, a Rainha do Choro, que também se foi neste ano, em 27 de março; Ellen de Lima e Violeta Cavalcante.
A subtração de mais um nome do clã das rainhas da música brasileira fulmina de dor, saudade e tristeza essa melodia, e porquê não dela nascer a beleza? Lembrar a menina a cantar com malícia e sotaque as entonações da terra? Se é do choro que nasceu o samba e da necessidade cresceu o baião, temos a oportunidade de reverenciar, na morte, uma voz intocável de vigor e vida.
“Pau de Arara” (baião, 1952) – Zé Menezes e Luiz Bittencourt
Zé Menezes foi um prodígio do seu ofício, e, ao longo da extensa carreira, tocou com a virtuose que lhe era própria violão de sete cordas, violão tenor, bandolim, banjo, cavaquinho, viola de dez cordas, contrabaixo, guitarra portuguesa e guitarra amplificada. Resumindo, Zé Menezes dominava as cordas. Não por acaso, acompanhou Garoto, outro ás do gênero, na histórica Rádio Nacional, onde Zé Menezes foi contratado por nada menos que 25 anos. A trajetória no Rio de Janeiro começou a convite do radialista César Ladeira, que o ouviu tocar em Fortaleza. Como compositor, a sua primeira música gravada foi “Nova Ilusão” (parceria com Luís Bittencourt), pelo conjunto Os Cariocas. “Tudo Azul”, também de sua autoria, fez sucesso com Zezé Gonzaga, enquanto o baião “Pau de Arara” alcançou êxito com Carmélia Alves.
4 Comentários
anos atras eu a vi no Retiro dos Artistas aonde ela estava vivendo.Simpática
Parabéns!
Carmélia,tenho certeza que Deus te escolheu tb.
Obrigado aos que comentaram! Viva a memória de Carmélia Alves e todo seu legado para a música brasileira! Beijos