Criolo – Rap Na Orelha

“O pássaro é livre na prisão do ar.
O espírito é livre na prisão do corpo.
Mas livre, bem livre,
é mesmo estar morto.” Carlos Drummond de Andrade

Nó Na Orelha

Tartamudeando a música estava ali abandonada, rejeito, até que o sujeito chegou para pegá-la. Guardou-a como uma tartaruga fora da casca, por descuido da mãe ou dos entes próximos. A música, pequenininha, singular, desprotegida, indefesa, precisa de guarda-chuva.

Não pode ficar ao relento, aguardando pingos grossos, finos, violentos. Enxurradas vorazes deixaram a música com aquela cara de cachorro pidão, pinto no lixo, molhado gato. Sem os pelos aparados, bem penteados, alisados, a música tem aparência amedrontada.

O sujeito chegou. Despretensiosamente. Avistou a felina, cadela, ave – primeiro tomou cuidado com as asas, depois tento com o focinho, gripado: a música espirrava. O som emitido era duma doença comum, pouco aflitiva, perigosa se degringola pra pneumonia, mas até o presente: tratável, estabilizada.

Deu-se medicamento para a enferma. Em conta-gotas, nos parafusos do rap – que martelam os círculos lumes organismos das presas. Enrolou-a em papelão: bege, ranho, acrobata: dos capazes de num relance parecerem lisos como cartolina, noutros porosos como o próprio medo.

Tossia, grania, fazia cara feia para a colher indo em direção à boca: a boca, música, é essencial para a confraria: de pão, manteiga, vinho. A faca, escura, a lâmina, retorcida, a ferida, desprevenida dum mesmo ventre: Nó na Orelha dos fios, Criolo doido neles, meus filhos.

É preciso um pouco de preconceito para dar à música o que ela merece. Se considerarmos tudo o que grunhe (música) arde (música) late (música) cora (música) musgo (música) a tartaruguinha mais enrugada se esconderá dos nossos dedos. Onde haja liberdade para tanto freio.

Insisto em tocar o casco, o fusco, o asco, o tosco, o fino do Criolo, músico, em cabelos enrolados, agrários, agradecidos de origem Africana, circuncisando o mundo em cólera, colírio, coragem e fúria.

Salve Criolo, dos ancestrais é o primeiro fôlego.

Nó na orelha Criolo

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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