6 músicas brasileiras para a Semana das Crianças

“A infância
É a camada
Fértil da vida” Nicolas Behr

Signac_-_Portrait_de_Félix_Fénéon

Mais do que uma simples questão de idade, o lugar da infância é o da ilusão, da fantasia, da “curiosidade”, como bem repetia Rubem Alves. É na infância que as portas para a brincadeira estão abertas, que os sonhos florescem e a diversão impera. Na música brasileira não é diferente. O tema foi tratado por Chico Buarque, Sidney Miller, Fernando Brant, Milton Nascimento, Cazuza, Aldir Blanc e muitos outros, com todo o frescor da primavera, a estação onde a infância floresce e onde “deve rezar todo adulto que se preze”, como nos alerta Fernando, autor de versos cantados por Milton, “Bola de meia, bola de gude…”.

O Circo (MPB, 1967) – Sidney Miller
Nara Leão, em 1967, deu voz a uma das mais singelas músicas já feitas para o universo infantil. “O Circo”, de Sidney Miller, capta em forma e conteúdo o ambiente propício para que a fantasia, o lúdico e a magia conquistem o coração de adultos e crianças. As imagens do palhaço, do domador e da bailarina servem como a tríade que representa a vida em seu romance, sua comédia e o próprio drama. Sidney embala os versos com a sutil delicadeza de quem compreende a vida em suas nuances simples e contraditórias. Ao final, a nostalgia acende no homem o instinto da infância, o sentido. “Foi-se embora e eu ainda era criança…”, sugere o autor, como quem joga confetes para o vento. A música foi lançada por Sidney, em registro de voz igualmente delicado.

Sou uma criança, não entendo nada (Jovem Guarda, 1974) – Erasmo Carlos e Roberto Carlos
A dupla Erasmo Carlos e Roberto Carlos compôs, em 1974, mais um dentre os inúmeros sucessos da “Jovem Guarda”. “Sou uma criança, não entendo nada”, lançada por Erasmo e depois regravada em parceria com Arnaldo Antunes, e mais tarde por Lulu Santos, se vale de um perspicaz jogo de palavras e situações para pôr em cheque a condição do adulto e da criança. Na composição, Erasmo e Roberto fazem ver a ânsia da criança em se tornar adulto, e depois, a nostalgia desse mesmo adulto em relação à sua infância, quando “por dentro com a alma atarantada, sou uma criança, não entendo nada”, reafirmam nos versos finais da canção, também gravada pela banda Cachorro Grande e por Oswaldo Montenegro, dentre outros.

Doze anos (Samba, 1979) – Chico Buarque
Chico Buarque captura o momento de transição da infância para a adolescência, quando a ingenuidade dá, paulatinamente, espaço para a malícia, ainda insipiente, na música “Doze anos”, composta para o musical “A Ópera do Malandro”, de 1979, e gravada em parceria com o nome maior do samba de breque brasileiro, Moreira da Silva. Mais uma vez o enfoque é o da nostalgia, como bem deflagram os primeiros versos: “Ai que saudades que eu tenho dos meus doze anos, que saudade ingrata…”. Daí por diante, percorremos, com o protagonista, os caminhos dessa criança que fora, “fazendo grandes planos, chutando lata, trocando figurinha (…), jogando muito botão (…) olhando fechadura, vendo mulher nua…”, entre peripécias mais.

Bola de meia, bola de gude (Clube da Esquina, 1988) – Fernando Brant e Milton Nascimento
Dois dos principais nomes do “Clube da Esquina”, e parceiros de toda vida, Fernando Brant e Milton Nascimento compuseram juntos, em 1988, “Bola de meia, bola de gude”. Fernando, o autor dos versos, como sempre, Milton o responsável por dar voz e pela melodia. A música entrou para a trilha da novela “Coração de Estudante”, também música de Milton Nascimento, em parceria com Wagner Tiso; no ano de 2002 e na gravação do grupo 14 Bis, e referendou, ainda mais, o sucesso já consagrado. Os versos chamam a atenção para que jamais se esqueça o valor da infância, a importância de manter a chama da criança acesa no coração, as esperanças e os sonhos. “Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração, toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão…”.

Malandragem (Rock, 1994) – Cazuza e Roberto Frejat
A música “Malandragem” foi finalizada por Roberto Frejat e Cazuza em 1989, composta especialmente para Angela Ro Ro, um desejo íntimo do poeta exagerado, fã da cantora. Angela, porém, declinou do convite, ao não se identificar com os versos “quem sabe eu ainda sou uma garotinha”, nas portas de completar 40 anos e em meio à crise de envelhecimento. Em 1994, quatro anos após a morte de Cazuza, esse rock veio à luz na voz marcante de Cássia Eller, outra discípula do próprio autor e da cantora Ro Ro. A melodia de Frejat emoldura versos de rebeldia e transgressão, que refletem, nada mais, do que um grito de liberdade e desprendimento tão comuns à infância, e como a manutenção desta ingenuidade pode estar ligada a estas qualidades. “Eu só peço a Deus, um pouco de malandragem, pois sou criança, e não conheço a verdade…”. É, por fim, uma ode à irresponsabilidade e à delícia da brincadeira.

Resposta ao Tempo (Bossa Nova, 1998) – Aldir Blanc e Cristóvão Bastos
A música “Resposta ao Tempo” concentra uma poesia altamente existencial e reflexiva de Aldir Blanc, aliada à melodia sofisticada de Cristóvão Bastos e à voz de mormaço e profunda de Nana Caymmi. Esse conjunto, por si só, a justifica como obra-prima. Não bastasse isso, essa típica peça de bossa nova, tema de abertura da minissérie “Hilda Furacão em 1998, tem como tema o “tempo”, um dos mais caros ao ser humano, senão o principal responsável por suas dúvidas, esperanças e medos. Por isso, ele adquire a condição de protagonista, numa conversa franca e honesta com o eu lírico, que determina: “no fundo é uma eterna criança, que não soube amadurecer, eu posso, ele não vai poder, me esquecer…”. E sintetiza, uma vez mais, o espírito desta parte da vida da qual sentimos saudade.

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Raphael Vidigal

Pinturas: “Retrato de Félix Fénéon”, de Paul Signac; e “O Circo”, de Georges Seurat, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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