5 músicas do Brasil contra a corrupção

“Tira tudo do estofo da casaca,
Faz milagres com a caixa de surpresa;
Se um garfo lá se foi ou falta a faca,
E achas que te enganaste ao pôr a mesa –
O talher que ainda há pouco evaporou-se
Surge num fosso como se osso fosse!” T. S. Eliot

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Dizem que a profissão mais antiga do mundo é a da prostituta. Há controvérsias. Mas o crime, certamente, é o de corrupção. Desde que o homem se entende por gente o espécime se apropria do dinheiro alheio para interesses particulares. Ou, quando não havia moeda, da galinha mesmo. E a vida da população e do próximo escorre pelo ralo. Não sendo um problema só do Brasil, mas bem difundido por essas terras desde que portugueses “trocavam” ouro por espelho. Claro, pode-se alegar que constam nos autos crimes mais antigos, como a matança, a miséria, a contravenção. Mas talvez todos esses tenham por base a corrupção. Afinal outra categoria bem antiga é a dos banqueiros, como a burguesia, a Igreja, a monarquia, os senhores feudais e de engenho, enfim, as instituições de poder. Por fim, não deixa de ser interessante notar a associação de corruptos com aquela profissão mais antiga. Quando chamados de “filhos da puta” indubitavelmente comete-se uma injustiça com as profissionais do sexo, que só enganam para dar prazer. É o orgasmo solidário, não egoísta.

Reunião de bacana [Se gritar pega ladrão] (samba, 1980) – Ary do Cavaco e Bebeto di São João
Quando um povo se identifica com uma música se torna dono dela de tal forma que tem garantia para alterar seu nome. Esse é o caso de “Reunião de bacana”, assim titulada por seus autores Ary do Cavaco e Bebeto di São João, mas consagrada pelo povo por seu refrão “Se gritar pega ladrão”, que acabou entrando entre parênteses como subtítulo da canção. Composta em 1980 foi lançada pelo grupo “Exporta Samba” no “Festival MPB” daquele ano. Gravada também pelos “Originais do Samba”, grupo do comediante Mussum, esse samba animado e sincopado manda um recado direto aos políticos brasileiros. “Se gritar pega ladrão/Não fica um meu irmão/Se gritar pega ladrão…”. Olha que era o início da década de 80, período da ditadura, e eles estão aí até hoje. Falta grito ou sobra vergonha?!

Podres Poderes (tropicália, 1984) – Caetano Veloso
Embora aposte no rock que invadia a cena nacional desde o estouro da Blitz em 1982, Caetano Veloso conserva em suas composições uma assinatura muito peculiar, sendo pouco efetivo o rótulo do ritmo, e mais abrangente o do movimento do qual foi um dos líderes musicais, a tropicália. Com dialética e poesia que buscam emoldurar os acontecimentos políticos do país, Caetano adota um discurso incisivo, sem abrir mão dos jogos de palavras e da maleabilidade de sentidos que sempre o encantaram. “Podres Poderes” abre fogo contra o cenário atual de 1984, sem deixar de se reportar ao passado que interfere neste futuro, para se ter a consciência de que o mesmo acontecerá ao presente. “Será que nunca faremos senão confirmar/A incompetência da América católica/Que sempre precisará de ridículos tiranos?”. E avalia uma saída nas artes de Hermeto Pascoal e Tom Jobim.

Luís Inácio [300 picaretas] (rap, 1995) – Herbert Vianna
No ano de 1993, durante o governo de Itamar Franco, que assumia o posto de Fernando Collor após esse sofrer um processo de Impeachment, Lula, líder do “Partido dos Trabalhadores” com história no operariado paulista e no sindicalismo, representava, ainda, a esperança de um país justo, com melhor distribuição de renda e cuja bandeira principal era a da honestidade. Por isso quando bradou contra escândalos de corrupção já comuns naquela época, além da apropriação indevida de concessões de rádio e televisão por parte de políticos citados na letra, foi homenageado por Herbert Vianna, líder do grupo “Paralamas do Sucesso”. A expressão “são 300 picaretas com anel de doutor” se tornou célebre. A composição aposta numa característica do rap, a da letra falada e incisiva. Anos depois, como afirma o ex-presidente e histórico adversário político Fernando Henrique Cardoso: “Lula convive mais com a elite que tanto ataca do que com o povo que tanto defende”.

É ladrão que não acaba mais (samba, 1998) – Ary do Cavaco e Otacílio da Mangueira
Bezerra da Silva sempre levantou a bandeira do povo marginalizado, pobre, das favelas do Rio de Janeiro mas que representa um Brasil mais amplo, inclusive com fortes raízes no nordeste onde nasceu e em vastas periferias do país. Por isso alguns temas frequentes, como o abuso e a violência repressora da polícia, atividades ligadas à contravenção, como drogas ilícitas e jogatinas, e, sobretudo, o tema da resistência, da não conformidade, da luta árdua e cotidiana. Não é de se espantar que um dos órgãos mais hostis a essa numerosa camada da população seja representado pelas instituições de poder, em especial aqueles que ocupam cargos públicos que deveriam servir ao povo, e não se tornar “donos” dele. É contra esse cenário da histórica desigualdade social no Brasil que Bezerra brada, em 1998, no samba de Ary do Cavaco e Otacílio da Mangueira: “É ladrão que não acaba mais/Você vê ladrão quando olha pra frente/Você vê ladrão quando olha pra trás”. Sintético do nosso lastro de corrupção.

Vossa Excelência (rock, 2005) – Paulo Miklos, Charles Gavin e Toni Belotto
No terceiro ano do primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil, explodiu o escândalo do “Mensalão”, processo que levou para a cadeia líderes do “Partido dos Trabalhadores” como José Genoíno e José Dirceu, e de outros partidos, como Roberto Jefferson, do PTB, que denunciou o esquema em retaliação após ter o nome divulgado como um dos membros de outra manobra, conhecida como “corrupção dos Correios”. A compra de votos na Câmara para aprovar projetos explicitou uma prática comum, antiga e condenável dos políticos nacionais. Para representar essa indignação, Paulo Miklos, Charles Gavin e Toni Belotto, do grupo de rock “Titãs”, se dirigiram respeitosamente à classe, no ano de 2005, entre a ironia e o desabafo cru, virulento, febril, com toda a pompa que a circunstância merecia. “Estão nas mangas/Dos Senhores Ministros/Nas capas/Dos Senhores Magistrados/Nas golas/Dos Senhores Deputados/Nos fundilhos/Dos Senhores Vereadores/Nas perucas/Dos Senhores Senadores/Senhores! Senhores! Senhores!/ Filha da Puta! Bandido! Corrupto! Ladrão!”.

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Raphael Vidigal

Imagens: obras do artista plástico, Wesley Duke Lee, de 1972.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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