5 músicas brasileiras para o Ano Novo

“Não temos proteção para o que foi vivido,
insônias, esperas de trem, de notícias,
pessoas que se atrasaram sem aviso,
desgosto pela comida esfriando na mesa posta.
Contra todo artifício, nosso olhar nos revela.
Não perturbe inocentes, pois não há perdas
e, tal qual o novo,
o velho também é mistério.” Adélia Prado

Tarsila do Amaral pintou com modernidade as tradições do Brasil

Muda o ritmo, muda o gênero, o autor, o intérprete, e até o ano muda. De velho, passa a ser novo, mas a mensagem é sempre a mesma. Adoniran Barbosa em parceria com o maestro Hervé Cordovil conclama para que o desesperado João não perca a esperança, “que amanhã tu levanta um barracão muito melhor…”, Chico Buarque declara logo nos versos inicias que “amanhã vai ser outro dia”, e Gonzaguinha reafirma que “começaria tudo outra vez, se preciso fosse…”. Já Caetano Veloso vaticina, numa das homenagens ao sociólogo e ativista Betinho: “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. Por fim, Guilherme Arantes, em sua belíssima balada aposta: “amanhã, será um lindo dia, da mais louca alegria que se possa imaginar…”. Que assim seja…

Aguenta a mão, João (Samba, 1965) – Adoniran Barbosa e Hervé Cordovil
Novamente o pano de fundo social estabelece o enredo para que Adoniran Barbosa e Hervé Cordovil componham a história de “Aguenta a mão, João”, samba de 1965. A música conta os percalços porque passa o protagonista depois de uma enchente, ao que os compositores advertem: “não reclama, pois a chuva só levou a tua cama/não reclama, guenta a mão, João/que amanhã tu levanta um barracão muito melhor”. Além do uso de gírias paulistanas, características do modo de compor de Adoniran, ao final a canção é coroada com uma das mais repetidas expressões nacionais, um dos ditados que melhor exemplifica o cotidiano da grande maioria dos brasileiros: “Com uma mão atrás e outra na frente”. Foi lançada por Adoniran e regravada, depois, com Djavan.

Apesar de você (Samba, 1970) – Chico Buarque
Exilado na Itália Chico Buarque retornou ao Brasil em 1970, após mais de um ano. Incentivado pelo dono de sua gravadora, André Midani, que garantia a melhora da situação, Chico se decepcionou ao constatar o verdadeiro cenário. Para expressar sua indignação e esperança compôs o samba “Apesar de você”, no qual mandava diretos recados, como: “Você vai pagar e é dobrado/Cada lágrima rolada/Nesse meu penar…”. Incrivelmente os censores não captaram a mensagem, e caíram na ladainha de uma “briga de amantes”. Quando a canção estourou nas rádios, a população, bem mais esperta e atenta, logo a tomou nos braços e entoou em toda parte. Os militares tardiamente descobriram do que se tratava e então proibiram a execução da música e destruíram os discos, mas se esqueceram da matriz, o que permitiu a reedição original ao término do regime autoritário. A partir dessa data, o cerco da censura a Chico Buarque se fechava, mas ele ainda driblava.

Começaria tudo outra vez (Bolero, 1976) – Gonzaguinha
Ao som de bolero, samba, baião ou toada. Assim Gonzaguinha escreveu seu nome na canção brasileira. Um nome que já tinha peso antes mesmo dele nascer, e que foi aos poucos penetrando nos ouvidos das pessoas com aquele diminutivo. O menino esguio que falava de dramas, amores e problemas sociais, cresceu e continuou menino. Continuou falando, cantando, observando aquilo que lhe tocava com o cuidado de quem enxerga uma fruta madura no pé da árvore. Gonzaguinha no palco era solto, espontâneo, como se estivesse em casa, mas quando escrevia era incisivo, agudo, enfático, dando a medida que lhe cabia da força dos relacionamentos humanos em sua vida. Não imaginava ele que em 1976, só estava no começo, mas ainda assim decidia: “Começaria tudo outra vez, se preciso fosse, meu amor…”.

Gente (Tropicália, 1977) – Caetano Veloso
Ainda sob o ritmo e a respiração da Tropicália, Caetano Veloso compôs, em 1977, para seu álbum “Bicho”, uma canção mais próxima ao modelo clássico brasileiro. “Gente”, com seu estilo charmoso e dançante, conclama à solidariedade, faz uma ode à beleza humana, e presta homenagem a pessoas admiradas pelo autor, citadas nominalmente: “Marina, Bethânia, Dolores, Renata, Leilinha (…); Rodrigo, Roberto, Moreno, Francisco, Gilberto, João”. “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”, determina Caetano, em discurso que não poderia estar mais próximo ao de Betinho. Em outros versos, ele volta ao tema: “Gente quer comer, gente quer ser feliz, gente quer respirar ar pelo nariz”. “Gente, espelho da vida, doce mistério”, finaliza Veloso com sabedoria.

Amanhã (Balada, 1977) – Guilherme Arantes
No mesmo ano de 1977, Guilherme Arantes compôs uma balada de espírito hippie, mas, sobretudo, um hino de esperança. O próprio título já entregava a proposta. “Amanhã”, retrata a incansável luta, a busca eterna, por um destino melhor e mais confortável do que o oferecido pelo momento presente, tudo por uma lente otimista, leve e confiante. “Amanhã, será um lindo dia, da mais louca alegria, que se possa imaginar”, relata Guilherme nos versos da canção lançada por ele mesmo no álbum “Ronda Noturna”. A música foi regravada por Caetano Veloso, em registro impecável, acompanhado apenas por um violão. Betinho era acima de tudo um brasileiro cheio de esperança e amor. “Amanhã, a luminosidade, alheia a qualquer vontade, há de imperar! Há de imperar!”.

Artistas brasileiros criaram músicas de esperança e fé no amanhã

Raphael Vidigal

Imagens: Pintura de Tarsila do Amaral; e montagem com fotos de Guilherme Arantes, Gonzaguinha, “Os Doces Bárbaros” (na sequência Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Caetano Veloso), Chico Buarque e Adoniran Barbosa, da esquerda para a direita e de cima para baixo, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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