“Solidariedade, amigos, não se agradece, comemora-se!” Betinho
O hino de Herbert de Sousa, o Betinho, que percorreu todo o Brasil, ficou famoso por seu poder de síntese e força do discurso. “Quem tem fome, tem pressa”, foi apenas um dos lemas que o sociólogo perpetrou na luta contra a miséria e as injustiças do país. Hemofílico, Betinho faleceu em 1997, vítima da AIDS. O “irmão do Henfil” e do músico Chico Mário, além de reverenciado na música de João Bosco e Aldir Blanc cantada por Elis Regina, impôs, com a delicadeza da solidariedade, uma visão de mundo mais humana e acolhedora diante do sofrimento do próximo. Quatro músicas do Brasil são aqui oferecidas para Betinho, num gesto de amor e compreensão a seus ideais de igualdade.
Gente (Tropicália, 1977) – Caetano Veloso
Ainda sob o ritmo e a respiração da Tropicália, Caetano Veloso compôs, em 1977, para seu álbum “Bicho”, uma canção mais próxima ao modelo clássico brasileiro. “Gente”, com seu estilo charmoso e dançante, conclama à solidariedade, faz uma ode à beleza humana, e presta homenagem a pessoas admiradas pelo autor, citadas nominalmente: “Marina, Bethânia, Dolores, Renata, Leilinha (…); Rodrigo, Roberto, Moreno, Francisco, Gilberto, João”. “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”, determina Caetano, em discurso que não poderia estar mais próximo ao de Betinho. Em outros versos, ele volta ao tema: “Gente quer comer, gente quer ser feliz, gente quer respirar ar pelo nariz”. “Gente, espelho da vida, doce mistério”, finaliza Veloso com sabedoria.
Amanhã (Balada, 1977) – Guilherme Arantes
No mesmo ano de 1977, Guilherme Arantes compôs uma balada de espírito hippie, mas, sobretudo, um hino de esperança. O próprio título já entregava a proposta. “Amanhã”, retrata a incansável luta, a busca eterna, por um destino melhor e mais confortável do que o oferecido pelo momento presente, tudo por uma lente otimista, leve e confiante. “Amanhã, será um lindo dia, da mais louca alegria, que se possa imaginar”, relata Guilherme nos versos da canção lançada por ele mesmo no álbum “Ronda Noturna”. A música foi regravada por Caetano Veloso, em registro impecável, acompanhado apenas por um violão. Betinho era acima de tudo um brasileiro cheio de esperança e amor. “Amanhã, a luminosidade, alheia a qualquer vontade, há de imperar! Há de imperar!”.
O bêbado e a equilibrista (MPB, 1979) – João Bosco e Aldir Blanc
1979 é o ano que ficou marcado pelo lançamento de “O bêbado e a equilibrista”, uma canção marcante por três motivos. A interpretação de Elis Regina, sempre visceral e perfeita, a melodia de João Bosco e a letra de Aldir Blanc que retratavam um momento de dificuldade e superação pelo qual passava o país, em plena ditadura militar, mas, sobretudo, os personagens retratados nesta parábola do real. Dentre eles, Betinho, simbolizado pela “volta do irmão do Henfil”, após o exílio, um dos nomes mais reverenciados naquela anistia política. A ele se juntavam personagens famosos como Carlitos, interpretado por Charlie Chaplin nos cinemas, e outros facilmente identificáveis, anônimos, mas conhecidos, como os bêbados e equilibristas deste Brasil.
Comida (Rock, 1987) – Arnaldo Antunes, Sérgio Britto e Marcelo Fromer
Betinho sempre se referiu à extinção da miséria e da fome como o primeiro passo para a volta da dignidade de milhões de pessoas no Brasil. Da mesma forma, Arnaldo Antunes, Sérgio Britto e Marcelo Fromer partem deste ponto de partida para exigir melhorias na qualidade de vida do brasileiro. Lançada em 1987 pelo grupo “Titãs”, a música “Comida”, um rock bem característico do grupo paulistano, integrou o álbum “Jesus não tem dentes no país dos banguelas” como um de seus maiores sucessos, senão o maior deles. O viés político fica claro deste a primeira linha e o refrão pungente. “Bebida é água! Comida é pasto! Você tem fome de quê? Você tem sede de quê? A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. E está dado o recado.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo e Divulgação.