26 choros essenciais para a música popular brasileira

“A bênção Pixinguinha, tu que choraste na flauta todas as minhas mágoas de amor” Vinicius de Moraes

A doença da varíola, contraída na infância, aliada à origem africana da avó, renderam-lhe o apelido inusitado. As baixarias ouvidas em casa pelo choro do pai e dos amigos deram a ele uma flauta mágica. O ouvido desaforado fez com que se transformasse em maestro, inepto e aclamado: Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim, todos foram unânimes em aplaudi-lo.

As vaias vieram quando ele excursionou com os Oito Batutas para ver o mundo. E se tornou um brasileiríssimo arranjador influenciado pelo jazz americano e os ritmos africanos. As dificuldades financeiras, a bebida e o fumo, o presentearam com um saxofone. E todas essas rasteiras terrenas ajudaram a compor o gênio que transcendeu as barreiras do tempo, graças a canções como “Carinhoso”, “Lamentos”, “Um a Zero” e “Rosa”. Desde o ano 2000, o Dia Nacional do Choro é comemorado na data de aniversário do inesquecível Pixinguinha: 23 de abril.

“Corta-Jaca” (cateretê, 1897) – Chiquinha Gonzaga
O piano tocava ao fundo de uma sala branca, indistinta, recatada. Não era possível saber do que se tratava, até ela adentrar o recinto. Uma mulher, feminina e ferina, pousava os dedos laicos sobre o piano. Uma mulher, e isso era tudo, e era um absurdo, até desacato. Chiquinha Gonzaga enfrentou o piano, o pioneirismo lhe coube aos ombros, leves, bem costurados, mas que se tornaram alvo de indignação quando ela defendeu os escravos. Até o Carnaval passar e as alas se abrirem, muito choro se ouviu sob uma lua frouxa, que se desmilinguia quando as traições apareciam no caminho de Chiquinha Gonzaga. De acordo com o crítico musical Carlos Calado, o cateretê “Corta-Jaca”, escrito por Chiquinha em 1897 para uma opereta, se tornou “uma das maiores contribuições ao repertório do choro”, como ele bem definiu no artigo “Choro: Uma Música Sentimental, Sofisticada e Muito Brasileira”, publicado em 2002.

“Apanhei-te cavaquinho” (choro, 1915) – Ernesto Nazareth
Inicialmente designada como polca, “Apanhei-te cavaquinho” ganhou letra famosa de Darci de Oliveira e interpretação virtuosa da “Rainha do Choro”, Ademilde Fonseca, recebendo, a partir de então, a nova designação. Tal feito ocorreu em 1943, tendo sido antes composta no longínquo ano de 1915. A quantidade de regravações e exaltações feitas à referida música exemplificam o valor irrevogável da obra de Ernesto Nazareth, definido por Heitor Villa-Lobos como “a verdadeira encarnação da alma musical brasileira” e, segundo o escritor Mário de Andrade, “um homem que merecia a alcunha de genial”. Fã declarado de Chopin, Ernesto se notabilizou por não negar a qualidade musical que emergia de fora, mas, inserir a esse contexto, o que havia de mais buliçoso em termos de musicalidade brasileira, transitando entre o erudito e o popular.

“Lamento” (choro, 1928) – Pixinguinha e Vinicius de Moraes
“Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco. Mas se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa: Pixinguinha.” Essas foram as palavras eternizadas pelo musicólogo Ary Vasconcelos. Vinicius de Moraes concordava, e declamou emocionado: “A bênção Pixinguinha, tu que choraste na flauta todas as minhas mágoas de amor”. A admiração pelo instrumentista fez com que o “Poetinha” pusesse versos milimétricos na refinada composição, de 1928, de Pixinguinha: “Lamento”. A bênção definitiva de Vinicius ocorreu em 1963, quando os dois trabalharam juntos na trilha sonora do filme “Sol Sobre a Lama” de Alex Viany. Elizeth Cardoso interpretou com Jacob do Bandolim e o conjunto Época de Ouro as “coisinhas simples” de Pixinguinha, como ele próprio dizia.

“Tico-Tico no Fubá” (choro, 1931) – Zequinha de Abreu
“Tico – Tico no Fubá”, um dos choros mais regravados de todos os tempos, tanto no Brasil quanto no exterior, é uma obra prima de Zequinha de Abreu composta em 1931. Em ritmo que faz lembrar o alvoroço dos pássaros em meio aos farelos do fubá, a música ganhou, mais tarde, duas letras diferentes: uma de Eurico Barreiros, lançada por Ademilde Fonseca, e a outra feita por Aloísio de Oliveira e lançada por Carmen Miranda. Apesar disso, ambas conversam sobre o mesmo tema. Em tom de diálogo, as cantoras pedem ajuda para salvar o seu precioso fubá dos bicos dos famintos passarinhos. É um tico-tico no fubá que dá vontade de comer e dançar ao mesmo tempo.

“Naquele Tempo” (choro, 1934) – Pixinguinha
A excursão de Pixinguinha com os Oito Batutas pela França era para ter durado um mês, mas acabou se estendendo por seis. Na volta, eles foram acusados de terem se rendido aos cânones da música americana, especialmente o jazz. Foi nesse tempo que a gravadora Victor contratou Pixinguinha para ser seu maestro e arranjador. O já considerado instrumentista demonstrou toda sua gama de influências ao incrementar os matizes do arranjo brasileiro e dar a ele uma roupagem nova, com elementos do jazz, da música africana, europeia e, ainda, com generosas doses de percussão que garantiam o tempero nacional. “Naquele Tempo”, choro de 1934, gravado na época ao bandolim por Luperce Miranda, rememora tempos áureos, sem perder de vista a continuidade da existência. É a nostalgia de olho no futuro. O estrangeiro que auxilia no interior.

“Espinha de Bacalhau” (choro, 1936) – Severino Araújo
Nascido em Limoeiro, no interior de Pernambuco, Severino Araújo mudou-se para João Pessoa, na Paraíba, ainda na década de 30. Filho de um mestre de banda, ele logo adotou a clarineta como instrumento predileto. Em 1936, o futuro maestro da Orquestra Tabajara, que dirigiu por décadas, compôs o maior de todos os sucessos: “Espinha de Bacalhau”, um choro ligeiro como os melhores do gênero. Em 1981, a composição ganhou letra de Fausto Nilo e interpretação de Ney Matogrosso e Gal Costa. Também foi regravada por Dominguinhos e Altamiro Carrilho. Morando no Rio de Janeiro a partir dos anos 40, Severino comandou sua Orquestra em discos antológicos ao lado de Jamelão, em homenagem a Lupicínio Rodrigues. Outro admirador da obra de Severino é o irreverente músico Jards Macalé, que compôs “Choro de Archanjo”.

“Quem É?” (choro, 1937) – Custódio Mesquita e Joraci Camargo
Choro de Joraci Camargo e Custódio Mesquita lançado por Carmen Miranda e Barbosa Júnior em 1937, a divertida “Quem É?” recebeu outras interpretações memórias. Em 1977, ela recebeu a voz e os gestos da dupla de intérpretes formada pelo humorista Grande Otelo e a cantora carioca Sônia Santos, em um especial para a Rede Globo que destaca a veia cômica da canção. Antes disso, porém, ela já havia sido redescoberta por Nara Leão, que a gravou no disco “Nara”, de 1968, ao lado de outras preciosidades como “Odeon”, de Ernesto Nazareth e Vinicius de Moraes, e “Infelizmente”, de Lamartine Babo e Ary Pavão.

“Carinhoso” (samba-choro, 1937) – Pixinguinha e João de Barro
Pixinguinha foi regente de várias orquestras, entre elas a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, Oito Batutas e a Diabos do Céu. Suas inovações melódicas provocaram certa celeuma nos meios de imprensa, que não compreendiam tamanha sofisticação. Ao escrever um choro em duas partes, e não em três, como era costume, o próprio compositor sabia que seria alvo de reclamações. Por isso mesmo, “Carinhoso” demorou 20 anos para tomar forma definitiva e alcançar sucesso irrevogável. O que só aconteceu quando João de Barro, o Braguinha, adentrou a ourivesaria de Pixinguinha e lapidou com versos a refinada harmonia de “Carinhoso”. Desde a gravação de Orlando Silva em 1937, por recusa de Francisco Alves e quebra de compromisso de Carlos Galhardo, a música se tornou um dos maiores emblemas do cancioneiro brasileiro, com mais de 200 regravações, quebrando o preconceito com a delicadeza de Pixinguinha.

“Cachorro Vira-Lata” (samba-choro, 1937) – Alberto Ribeiro
Ao popularizar a expressão “complexo de vira-lata” para se referir ao deslumbramento com o exterior e a falta de confiança em si do brasileiro, após a derrota sofrida na final da Copa do Mundo disputada em território nacional em 1950, contra o Uruguai, o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues cometeu um erro histórico. O vira-lata, na verdade, é a expressão maior da força do povo brasileiro, mestiço, mulato, que se adapta às dificuldades e sabe tirar delas o maior proveito possível. Aquele que faz do osso uma escultura. É o que se vê no samba, no cinema de Glauber Rocha e Rogério Sganzerla, no teatro de Augusto Boal e José Celso Martinez Corrêa, nas artes plásticas de Lygia Clark e Hélio Oiticica e na literatura de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, e tantos outros. Por isso Carmen Miranda canta o samba-choro de Alberto Ribeiro, lançado em 1937, com orgulho indistinto. A música seria ainda gravada por Maria Alcina e Baby do Brasil. Além de tudo, é um hino à libertação. “Eu gosto muito de cachorro vagabundo que anda sozinho no mundo sem coleira e sem patrão…”.

“Camisa Listrada” (samba-choro, 1938) – Assis Valente
A camisa presente nas passarelas de rua do carnaval de 1938 foi a listrada de Assis Valente. Nela, é possível perceber o desespero da mulher que vê o seu homem desfilar na avenida vestindo suas roupas, sua saia e sua combinação. A música é uma combinação entre alegria e tristeza, e mostra de forma debochada e simples o contraste entre a fantasia do homem que sai para se divertir e a preocupação da mulher que assiste àquilo com ares de repreensão. A música retrata o descompasso do amor entre a mulher que sofre em vão e o homem que vai à folia do carnaval. É um apelo que a mulher faz para que seu homem não se fantasie. Lançada por Carmen Miranda, foi regravada por Caetano Veloso.

“…E o Mundo Não Se Acabou” (samba-choro, 1938) – Assis Valente
Depois do estouro de “Camisa listrada”, Carmen Miranda gravou outra joia do repertório de Assis Valente, no mesmo ano de 1938. “E o Mundo Não Se Acabou” é um samba-choro que brinca com a possibilidade milenar do fim do planeta onde vivemos. Alardeado por boatos de nova guerra mundial e coalizão de cometas contra a Terra, o caso virou gostosa música que premeditava o arrependimento daqueles que acreditavam no fim, caso a confirmação não viesse: “beijei a boca de quem não devia, peguei na mão de quem não conhecia, e o tal do mundo não se acabou”, lamentava o compositor nesse samba-choro.

“Botões de Laranjeira” (samba-choro, 1942) – Pedro Caetano
Maria Madalena dos anzóis Pereira só não existiu porque o seu nome era na verdade Maria Madalena de Assunção Pereira, mas a censura obrigou o compositor Pedro Caetano, por sugestão do radialista César Ladeira, a trocar o nome da menina que o pediu que fizesse a música. Para preservar a privacidade das pessoas, nomes próprios por extenso eram proibidos. E assim nasceu a canção, lançada por Ciro Monteiro no ano de 1942, em ritmo de samba-choro.

“Amoroso” (choro, 1942) – Garoto
O pai de Garoto tocava guitarra portuguesa e violão. Do irmão Batista, também músico, o menino que já ensaiava num instrumento improvisado de pau e corda, ganhou o primeiro banjo. Desde cedo, Garoto integrou o “Regional dos Irmãos Armani”, com 11 anos, e, em seguida, partiu para o “Conjunto dos Sócios”, “Chorões Sertanejos”, “Conjunto Regional”, em substituição a Zé Carioca, “Rádio Educadora Paulista”, entre outros. Convites nunca lhe faltaram. Ao se apresentar com o violonista D. Montezano, conhecido como Serelepe, diante do diretor artístico da Parlophon, Garoto foi imediatamente convidado a gravar um disco, contendo os maxixes “Bichinho de Queijo” e “Driblando”, ambos de sua autoria, envergando o singular banjo. Mais tarde, ele iria unir suas cordas às de Zezinho, conhecido pela alcunha de Aimoré, em infindáveis serenatas no bairro da Luz, e, depois, num conjunto de choro. E mais tarde ainda, iria compor “Amoroso”, em 1942, com a completude que lhe era específica.

“Um a Zero” (choro, 1946) – Pixinguinha e Benedito Lacerda
Gravado pela primeira vez em 1946, o choro “Um a zero”, de Benedito Lacerda e Pixinguinha, foi composto em 1919, com o intuito de celebrar a conquista da Seleção Brasileira sobre o Uruguai no campeonato sul-americano de futebol. Quatro anos depois viria o primeiro capítulo marcante da história brasileira em Copas do Mundo e a vingança dos uruguaios, ao conquistarem o Bicampeonato Mundial sobre os brasileiros no Maracanã lotado, e de virada. Mas o que ficaria para a música, além da primorosa execução instrumental de Pixinguinha e da letra colocada por Nelson Ângelo, violonista do Clube da Esquina, e registrada por diversos intérpretes, sendo a mais famosa delas feita pelo grupo “Arranco de Varsóvia”, seria o poder de encantamento destes sons e da poesia. Um gol de placa de Pixinguinha. “Vai começar o futebol, pois é/ Com muita garra e emoção…”.

“Ingênuo” (choro, 1946) – Pixinguinha e Benedito Lacerda
O radialista, cantor e compositor Almirante foi quem convidou Pixinguinha e Benedito Lacerda a participarem de seu programa “O Pessoal da Velha Guarda”, que seria a base para a criação da orquestra de mesmo nome. Contando posteriormente com Donga e João da Bahiana como convidados, entre outros, a iniciativa foi levada para a Rádio Clube em 1953, e mais tarde resultou no Festival da Velha Guarda, com transmissão para a rádio e a TV Record, em 1954. “Ingênuo”, choro de 1946, composto um ano antes do convite para a atração, tem ritmo dolente e sereno que comprova a versatilidade de um dos mestres da canção brasileira. Mais tarde, ganhou letra de Paulo César Pinheiro.

“Vou Vivendo” (choro, 1946) – Pixinguinha e Benedito Lacerda
No ano de 1955, Pixinguinha chegou ao LP através dos discos “A Velha Guarda” e “Carnaval da Velha Guarda”, com a participação de seus músicos e Almirante. Era a estreia do renomado compositor, instrumentista, maestro e arranjador no novo formato. Dois anos depois, seria convidado pelo então presidente Juscelino Kubitschek a almoçar com o trompetista norte-americano Louis Armstrong no Palácio do Catete. Em 1946, ele havia composto com Benedito Lacerda um inspirado choro nomeado “Vou Vivendo”. De forma simples e prodigiosa, a canção expunha as belezas e cicatrizes de uma vida plena, em que Pixinguinha gozou de fama e enfrentou espinhos, mantendo inalterada a humilde sabedoria.

“Brasileirinho” (choro, 1949) – Waldir Azevedo e Pereira da Costa
Um estribilho é o suficiente para que as pessoas reconheçam “Brasileirinho”. A composição ocupa o primeiro lugar no ranking dos choros mais conhecidos do mundo. Escrito em 1949, cuja primeira parte mantém-se, praticamente, em uma corda, é tido como o primeiro choro de Waldir Azevedo. A música nasceu por sugestão de um sobrinho seu, de dez anos. Brincando com um cavaquinho que só tinha uma corda, o garoto pediu-lhe que fizesse uma música que pudesse tocar, nascendo daí, em 1947, a primeira parte do choro. Contratado pela Continental, Azevedo estreou com “Brasileirinho”, que rapidamente alcançou um grande sucesso, sendo escolhida para fundo musical da propaganda de diversos candidatos em campanha eleitoral na ocasião. Na esteira do sucesso, Ademilde Fonseca gravou-o em 1950, com letra de Pereira Costa, acompanhada pelo próprio Azevedo. Daí em diante, “Brasileirinho” seria regravado por dezenas de artistas, no Brasil e no exterior, podendo-se dizer que um espetáculo de choro não estará completo sem esta composição, de preferência no final.

“Delicado” (choro-baião, 1951) – Waldir Azevedo
Durante uma cena de bar, emerge num filme sobre máfia protagonizado por Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, um chorinho com influência de baião, batizado de “Delicado”. Composta, em 1951, por Waldir Azevedo, a música compõe a trilha sonora de “O Irlandês” (2019), filme dirigido por Martin Scorsese. Na versão, a canção recebeu um arranjo para orquestra e reafirmou a tradição musical brasileira de estar presente em produções internacionais. “Delicado” fez enorme sucesso logo que foi lançada. Xará de Waldir Azevedo, o também cavaquinhista mineiro Waldir Silva compôs “Uma Saudade (Ao Meu Xará)” para saudar o ídolo. Em 2015, a música ganhou letra de Raphael Vidigal e André Figueiredo.

“Pedacinhos do Céu” (choro, 1951) – Waldir Azevedo
Nascido na Piedade e criado no bairro do Engenho Novo, no Rio de Janeiro, Waldir Azevedo é, até hoje, o maior nome do cavaquinho brasileiro. Apesar disso, ele demorou a se encontrar com o instrumento. Começou tocando flauta e, em seguida, passou para o bandolim, só então assumindo o cavaquinho que o consagraria. Nesse meio tempo, também tocou violão. Mas foi com o inconfundível cavaquinho que ele criou “Pedacinhos do Céu”, uma das músicas mais bonitas do repertório de choro e que batiza um bar em Belo Horizonte.

“Doce de Coco” (choro, 1951) – Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho
Para manter viva a memória da música de Jacob, o produtor e pesquisador musical Hermínio Bello de Carvalho decidiu colocar letra em choros emblemáticos do compositor, anos após o seu falecimento. Foi assim que, em 1980, nasceu a letra de “Doce de Coco”, lançada por Elizeth Cardoso, uma das cantoras mais próximas do mestre do bandolim, que dividiu disco, show e uma amizade com ele. Assim, o “Doce de Coco” do choro de Jacob é o nome carinhoso pelo qual o personagem da história chama sua amada. Nos versos líricos ele implora, pede, se humilha para que ela repense o amor dos dois. A música ganhou regravações de Ney Matogrosso, Zélia Duncan e Dominguinhos.

“A Ginga do Mané” (choro, 1952) – Jacob do Bandolim
Jacob do Bandolim era vascaíno dos mais fanáticos, e compôs para o clube do coração um choro com esse mesmo nome, no qual imitava o som de uma guitarra portuguesa. Dada a conhecida personalidade controversa do instrumentista, não chegou a impressionar quando ele compôs, com igual maestria, uma música para um ídolo do time rival: Mané Garrincha, o “Anjo das Pernas Tortas” que chamava os marcadores de João. “A Ginga do Mané”, lançado em 1952, é um dos mais conhecidos choros de Jacob, que começou tocando violino na infância e, de maneira autodidata, acabou instaurando toda uma nova história para o bandolim no Brasil. A música foi regravada pelos mineiros Lucas Telles e Marcos Frederico.

“Noites Cariocas” (choro, 1957) – Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho
“Noites Cariocas” foi gravado por Jacob do Bandolim em maio de 1957, com o regional de Canhoto, que o acompanhava na época. Apesar da excelência com que desenvolvia suas composições, o bandolinista ainda não vivia sua época de ouro, e acabou criando um certo rancor por Waldir Azevedo, que ocupou seu posto na gravadora Continental e obteve grande sucesso de público e crítica. Três anos depois, Jacob regravaria o choro com o acréscimo do trombone do Maestro Nelsinho. Com seu estilo levado que remete bem ao samba, a música ganhou letra de Hermínio Bello de Carvalho em 1979, com regravações de Ademilde Fonseca, Gal Costa, Áurea Martins, entre outras. E se tornou o maior sucesso da carreira de Jacob.

“Fala Baixinho” (choro, 1964) – Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho
Sobre suas músicas, Pixinguinha dizia: “Elas vêm, só isso”. Assim ele veio e soprou a vida, e se foi no mesmo sopro de flauta e saxofone, menos de um ano depois de sua amada companheira Betty, numa cerimônia de batizado. Ainda viva, Betty não sabia que Pixinguinha estava internado no mesmo hospital que ela e lhe visitava de terno e buquê de flores na mão como se viesse de casa. Antes de morrer, o músico ainda teve tempo de receber homenagens no Teatro Jovem, Museu da Imagem e do Som, Teatro Municipal e na Assembleia Legislativa, com as presenças de Clementina de Jesus, João da Bahiana e outros bambas. A última música foi feita para Eduardo, segundo neto, filho de seu único descendente, Alfredinho, que ele chamou de “Eduardinho no Choro”. Em 1964, Hermínio Bello de Carvalho letrou um bonito choro do compositor, gravado belamente por Maria Bethânia em 1999, com uma determinação implícita: quando lembrar de Pixinguinha, “Fala Baixinho”, que o coração ouve.

“Vibrações” (choro, 1967) – Jacob do Bandolim
Em 1964, Jacob criou o Época de Ouro, conjunto de choro que se tornou um marco na história da música brasileira. O grupo era formado ainda por César Faria (pai de Paulinho da Viola) no violão de 6 cordas; Carlinhos Leite em outro violão; Dino no violão de sete cordas; Jonas no cavaquinho; e Gilberto D’Ávila no pandeiro. Trupe unida, Jacob realizou seus dois trabalhos de maior impacto: primeiro gravou “Suíte Retratos”, homenagem aos precursores da música brasileira, como Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth. Em seguida, lançou o álbum mais aclamado de sua discografia e dono de rara hegemonia entre críticos e público: “Vibrações”, de 1967, que trazia, entre outras, a faixa-título.

“Choro Negro” (choro, 1973) – Paulinho da Viola e Fernando Costa
O perfeccionismo de Paulinho da Viola é sublinhado por Ausier Vinícius, músico e instrumentista mineiro, proprietário do “Pedacinhos do Céu”, point do choro e da comida mineira, localizado no bairro Caiçara, que viveu um episódio inusitado com o artista: “Quando gravamos ‘Choro Negro’, ele me corrigiu uma nota, por ser um choro para cavaquinho muito bem elaborado”. A respeito do nome da canção, Ausier esclarece com história aprendida pela vivência com o parceiro de Paulinho: “O Fernando Costa, que é o outro autor, me contou que estava com a Maria Bethânia na Alemanha em uma turnê, e, por ser cego, perguntou a ela como estava o dia. A resposta foi ‘negro’. Daí veio a inspiração”, conta.

“Minas ao Luar” (choro-valsa, 2012) – Waldir Silva, Raphael Vidigal e André Figueiredo
Choro lento, ao ritmo de uma valsa, “Minas ao Luar” foi composta pelo cavaquinhista mineiro Waldir Silva na década de 1970 para servir de prefixo musical ao evento que levava apresentações pelo interior de Minas. Waldir não só participou da primeira edição do projeto de serenatas como dividiu o palco com ninguém menos do que Juscelino Kubistchek, figura ilustre da política brasileira, que ocupou o cargo de presidente do país. Muitos anos depois, o instrumentista apresentou suas composições autorais para que o jornalista Raphael Vidigal colocasse letras, fato que aconteceu em 2012. Um ano depois, o músico faleceria, mas a iniciativa que começou ali culminaria com o lançamento do disco “Waldir Silva em Letra & Música”, em 2016. Na canção, composta com André Figueiredo, cidades mineiras são citadas nominalmente.

Raphael Vidigal

Pintura: Obra “Chorinho”, de 1942, de Cândido Portinari.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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