25 anos da morte de Reinaldo Arenas: poeta, homossexual e cubano

“estava diante de um homem que fizera da literatura sua própria vida; diante de uma das pessoas mais cultas que jamais conheci, mas que não fazia da cultura um meio de ostentação, e sim, muito simplesmente, algo a que se agarrava para não morrer; algo vital que o iluminava e que, por sua vez, iluminava quem estivesse ao seu lado.” Reinaldo Arenas

Reinaldo-Arenas

Reinaldo Arenas define a própria obra, em sua autobiografia “Antes que anoiteça”, como sua “vingança contra quase todo o gênero humano”. Perseguido e preso pela ditadura de Fidel Castro, a qual apoiou no início quando esta derrubou outro regime totalitário, o de Fulgencio Batista, Arenas sempre teve, do ponto de vista material, uma vida miserável, o que não o impediu de desfrutar uma pródiga e exuberante sexualidade.

Poeta, homossexual e cubano, para o bem e para o mal essas três circunstâncias marcaram a existência de Arenas. Seus manuscritos eram enviados através de amigos para a Europa e países da América Latina, e sua escrita, apaixonada e liberal; em romances, contos e poesias, não tardou a despertar a ira do Partido Comunista e seus correligionários. Além disso, no auge e esplendor de sua juventude Arenas descreve em detalhes no crepuscular romance sua intensa atividade sexual nas praias cubanas, inclusive com homens casados.

Essa exploração do tema, aliás, revela uma visão particular no que diz respeito às interações sexuais, e como, num movimento nunca retilíneo, mas circular, estas retornaram a um patamar mais definido e com menos possibilidades de experiência. Arenas não se abstém em declarar preferência por homens que também praticam sexo com mulheres, e que estariam, em tese, mais próximos do padrão da heterossexualidade. Nesse sentido, a linguagem do autor o leva a uma objetividade que por vezes o aproxima do chulo, decorrente também da revolta expressa nas passagens em que relata os abusos de que foi vítima.

No entanto, essa escrita se desenvolve sempre na alquimia entre a violência e sensibilidade, e a agressividade que Reinaldo utiliza para desmascarar o horror é a mesma com que tinge seus quadros mais eróticos e amorosos. Outra característica não menos notável é a ironia, o senso de humor, não raro corrosivo, que destila contra todos os inimigos, afinal em posse de seu único poder e “tesouro”, como ele mesmo diz, “seu grito”.

No Brasil quem mais se aproxima da influência literária de Reinaldo Arenas é o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, que revela num dos seus contos ter visto o fantasma do cubano quando da sua estadia na França, e mais tarde compõe uma lista com os quatro tipos de homossexuais brasileiros, repetindo o que Arenas havia feito primeiro em sua terra. Soropositivos, o fim de ambos é também parecido. Após 37 anos, Reinaldo Arenas finalmente consegue fugir de Cuba e sua ditadura comunista, mas a desilusão com o modelo de capitalismo norte-americano, onde “o dinheiro assume o papel do poder político”, e a descoberta da AIDS não o permitem contemplar horizontes.

Para quem afirmava que “ou se vive conforme se deseja, ou é melhor acabar com a vida”, o progressivo avanço da AIDS, além de todas as dores acumuladas ao longo de 47 anos o levam, em 1990, ao suicídio, consumado por uma dose excessiva de álcool e outras drogas ilícitas. Dez anos depois, o escritor tem sua vida levada ao cinema e é interpretado por Javier Barden, mas a imagem que prevalece é a do código que enviava aos amigos quando pedia socorro, uma mistura do desespero e da esperança: Mandem o livro das flores.

Aquela criança de sempre

Sou esse menino desagradável,
sem dúvida inoportuno,
de cara redonda e suja,
que fica nos faróis,
onde as grandes damas tão bem iluminadas,
ou onde as meninas que parecem levitar,
projetam o insulto de suas caras redondas e sujas.

Sou uma criança solitária,
que o insulta como uma criança solitária,
e o avisa:
se por hipocrisia você tocar na minha cabeça,
aproveitarei a chance para roubar-lhe a carteira.

Sou aquela criança de sempre,
que provoca terror,
por iminente lepra,
iminentes pulgas, ofensas,
demônios e crime iminente.

Sou aquela criança repugnante,
que improvisa uma cama de papelão
E espera, na certeza,
que você me acompanhará.

(Poema de Reinaldo Arenas)

00/06/1988. REINALDO ARENAS, ECRIVAIN CUBAIN

Raphael Vidigal

Imagens: Arquivo e Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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