24 Sucessos de Chico Buarque

“Que vive nas ideias desses amantes/Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados/Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes/Que está no dia a dia das meretrizes
No plano dos bandidos, dos desvalidos/Em todos os sentidos” Chico Buarque

Chico Buarque é um dos compositores que mais acumula sucessos no Brasil

Se a história da música popular brasileira possui uma linhagem, nela não pode faltar o nome de Chico Buarque de Hollanda. Filho do historiador Sérgio Buarque – e irmão das também cantoras Miúcha, Cristina Buarque e Ana de Hollanda – o garoto prodígio da canção nacional, como era de se esperar, começou cedo. Enfileirou sucessos desde o princípio da carreira, nos anos 1960, auge da bossa nova, passando por vários ritmos, gêneros e inclusive movimentos musicais, alinhavando parcerias com nomes como o poeta Vinicius de Moraes, o maestro Tom Jobim, o dramaturgo Ruy Guerra e o tropicalista Gilberto Gil, além de outros compositores de peso, tais como Milton Nascimento, Francis Hime e Edu Lobo. Mas Chico Buarque foi e ainda é por si só um emblema, símbolo da qualidade musical tanto em texto quanto em melodia. Não se considera um poeta, nem é preciso, as músicas o confirmam.

Pedro pedreiro (samba, 1965) – Chico Buarque
O primeiro álbum de Chico Buarque chegou às lojas, logo de saída, com uma “pedrada”. “Pedro pedreiro”, samba de 1965, já mostrava o pungente lirismo do compositor que contava então com apenas 20 anos. Nem tão moças, as meninas do “Quarteto em Cy” já estavam no quarto disco apenas naquele ano de 1966, um após o lançamento de Chico, entre acompanhamentos a Vinicius de Moraes, Baden Powell, e disco com versões inglesas. O encontro da poesia de Chico Buarque com as vozes harmônicas de Cyva, Cynara, Cybele e Cylene não poderia resultar em outra senão belos aplausos e sentimentos.

Com açúcar, com afeto (MPB, 1967) – Chico Buarque
Dos vários tipos de amor que existem, um deles é o que sufoca, machuca, maltrata. O outro é o que cuida, constrói, espera, prepara o café e o doce predileto. Em comum, o fato de serem amores e passarem por cima do sofrimento, da indiferença e da loucura para sobreviverem. Em 1967, Nara Leão cantou a resignada espera de Chico Buarque, “com açúcar, com afeto”.

Sabiá (bossa-nova, 1968) – Chico Buarque e Tom Jobim
O primeiro registro fonográfico do Quarteto em Cy aconteceu em 1963, na gravação da trilha sonora do filme “Sol sobre a lama”, de Alex Viany. Em 1968, Cybele e Cynara, como dupla, venceram o III Festival Internacional da Canção com a bossa-nova “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, mas sob vaias, já que o público em massa apoiava a politizada “Caminhando”, de Geraldo Vandré. Após inúmeros sucessos, formações, discos em homenagem a gêneros e compositores, o grupo gravou “Sabiá” no ano de 1997, em parceria com o MPB4, no álbum intitulado “Bate-Boca”. E está dado o recado. Aplausos!

Apesar de você (samba, 1970) – Chico Buarque
Exilado na Itália Chico Buarque retornou ao Brasil em 1970, após mais de um ano. Incentivado pelo dono de sua gravadora, André Midani, que garantia a melhora da situação, Chico se decepcionou ao constatar o verdadeiro cenário. Para expressar sua indignação e esperança compôs o samba “Apesar de você”, no qual mandava diretos recados, como: “Você vai pagar e é dobrado/Cada lágrima rolada/Nesse meu penar…”. Incrivelmente os censores não captaram a mensagem, e caíram na ladainha de uma “briga de amantes”. Quando a canção estourou nas rádios, a população, bem mais esperta e atenta, logo a tomou nos braços e entoou em toda parte. Os militares tardiamente descobriram do que se tratava e então proibiram a execução da música e destruíram os discos, mas se esqueceram da matriz, o que permitiu a reedição original ao término do regime autoritário. A partir dessa data, o cerco da censura a Chico Buarque se fechava, mas ele ainda driblava.

Bom conselho (MPB, 1972) – Chico Buarque
Chico Buarque subverte o conceito dos mais famosos ditados populares em sua música “Bom conselho”, lançada em 1972 no álbum que reproduz peças apresentadas pela primeira vez no programa que tinha em parceria com Caetano Veloso na TV Globo. Em pleno período de ditadura militar, cada vez mais perseguido pelo regime, essa artimanha tinha como princípio desmistificar convenções e a crescente onda da mordaça, praticada com censura e também tortura e assassinatos. Chico demonstra, com maestria, que dependendo do uso e da interpretação que se deseja, o decantado recurso retórico e do sofisma pode transformar uma expressão de sabedoria popular em arma para sublinhar senso comum, clichê e estereótipos, a favor de um conservadorismo.

Bárbara (MPB, 1972) – Chico Buarque e Ruy Guerra
Em 1972, Chico Buarque compôs a primeira música que se tem registro que fala do amor homossexual entre duas mulheres. “Bárbara” foi composta por ele e por Ruy Guerra para a peça de teatro “Calabar – o elogio da traição”, censurada à época da ditadura. A música trata o tema de forma lírica e intensa, sem julgamentos ou preconceitos. Foi gravada por Ângela Ro Ro (homossexual assumida), Maria Bethânia, Gal Costa, Simone, entre outras.

Ana de Amsterdã (MPB, 1973) – Chico Buarque e Ruy Guerra
“Ana de Amsterdã” é uma parceria de Chico Buarque com Ruy Guerra, dramaturgo, compositor e cineasta natural de Moçambique, então colônia portuguesa, e que vive no Brasil desde a década de 1950. Na verdade a música é parte de um projeto maior, a peça “Calabar: o Elogio da Traição”, escrita pelos dois autores. O espetáculo, censurado pela ditadura militar e liberado apenas seis anos depois, remonta ao episódio histórico que envolveu o senhor de engenho Domingos Fernandes Calabar, que teria preferido se aliar aos holandeses na invasão ao nordeste do país, contra a coroa portuguesa. Além de relativizar o episódio as metáforas serviam também para atacar o regime ditatorial da época. Já a protagonista da canção seria uma imigrante holandesa que aqui viveu como prostituta. Mas este nome, como é comum no meio em função dos preconceitos sociais, seria inventado. “Até amanhã sou Ana”, revela um dos trechos.

Jorge Maravilha (samba, 1973) – Chico Buarque
Perseguido pela censura Chico Buarque recorreu, em 1973, a um de seus truques. Ao criar o pseudônimo Julinho da Adelaide ele conseguiu incluir canções de sua autoria no álbum “Sinal fechado”, idealizado para ser composto apenas com músicas alheias. O show “O Banquete dos Mendigos” foi uma estratégia do irreverente Jards Macalé para “arrecadar doações” para si e homenagear os 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma farpa no âmago da ditadura, em total dissonância com os propósitos do documento da ONU. Participaram, entre outros, artistas como Jorge Mautner, Raul Seixas, Paulinho da Viola, Luiz Melodia e, claro, Chico Buarque. Transformada depois em álbum, Chico registrou na histórica apresentação o samba “Jorge Maravilha”, numa das mais irônicas cutucadas no regime, que atingia diretamente o seu ditador. Os versos “você não gosta de mim, mas a sua filha gosta”, eram o melhor do desprezo que Chico poderia oferecer a Ernesto Geisel, cuja filha era fã do compositor de olhos claros.

Vai Trabalhar, Vagabundo! (samba, 1973) – Chico Buarque
“Vai Trabalhar, Vagabundo!” foi composta por Chico Buarque a pedido de Hugo Carvana para o primeiro filme do ator como diretor, de título homônimo. A música trata o tema de forma irônica, em consonância com a película, que exalta o malandro, mote sempre repetido por Carvana, que inclusive produziu em 1991 a continuação do longa-metragem. Com versos sempre perspicazes e burilados o autor da letra chega a comparar a labuta a “uma loucura”, e faz referência à gravata, símbolo da dedicação e da seriedade, a um nó prestes a enforcar o protagonista. Lançada em 1973 a música só foi gravada em disco por Chico Buarque três anos mais tarde, pois, perseguido pela ditadura militar, através da censura, via-se impossibilitado de registrar as próprias canções.

Passaredo (MPB, 1976) – Chico Buarque e Francis Hime 
Chico Buarque e Francis Hime compuseram, em 1976, uma ode aos pássaros brasileiros e, em última instância, à rica fauna do país. Interessante notar a influência indígena em muitas dessas nomenclaturas, como se observa, por exemplo, em uirapuru, saíra, inhambu, patativa, macuco, juriti, e muitos outros. Nesta letra repleta de lirismo, os autores não deixam de denunciar a presença destruidora do ser humano no contexto de preservação da natureza. “Toma cuidado/Que o homem vem aí”, alertam. A melodia segue, até esse instante, o ritmo do voo gracioso desses animais. Foi regravada por Adriana Calcanhotto.

O Cio da Terra (clube da esquina, 1977) – Chico Buarque e Milton Nascimento 
“O Cio da Terra” é uma canção de Chico Buarque e Milton Nascimento, em que se acentuam as características do “Clube da Esquina”, fortemente marcada pelo barroquismo da música mineira e atenta às transformações harmônicas vindas do exterior, em especial os “Beatles”. Lançada em 1977 para integrar o compacto “Primeiro de Maio”, que celebrava o dia do trabalhador e fazia coro ao movimento sindical do ABC paulista liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, futuro presidente do Brasil, a música consegue ir além da abordagem ao ofício agrário, por mais que inspirada no canto das mulheres camponesas que colhiam algodão e eram observadas por Milton. O que “O Cio da Terra” conta é o eterno ciclo de renascimento e transformação, do trigo em pão, da cana em mel, e da terra em chão, como na vida do homem, feita de perdas e ganhos. A música foi regravada por Mercedes Sosa, Pena Branca & Xavantinho, e outros.

Cálice (MPB, 1978) – Chico Buarque e Gilberto Gil 
O tema religioso perpassa toda a estrutura da música “Cálice”. Composta numa “Sexta-Feira da Paixão”, a lembrança do martírio de Cristo inspirou Gilberto Gil a identificá-lo com a situação vivida pelos brasileiros no auge da ditadura militar no país. A melodia, também de memória sacra, acompanha os versos que falam da “bebida amarga”, a “força bruta”, o “monstro da lagoa” e “o grito desumano”, entre outros. Todas essas imagens fortes seriam ainda coroadas com o refrão que mistura o sentido das palavras “cálice” e “cale-se” através do som. A figura imponente de “um pai que destrói as individualidades” fez com que Gilberto Gil jamais regravasse a canção após a tentativa, censurada pelo regime, de apresentá-la em show ao lado de Chico Buarque, no ano de 1978.

Folhetim (MPB, 1978) – Chico Buarque 
Composta para a “Ópera do Malandro”, “Folhetim” é uma das muitas músicas que sobreviveram ao espetáculo de Chico Buarque. Interpretada por Gal Costa no ano de 1978, na companhia de Wagner Tiso ao piano, Perinho Albuquerque, autor do arranjo, Jorginho Ferreira da Silva no saxofone, e outros músicos de peso, a canção narra a trajetória simples e peculiar de uma prostituta, com uma melodia ao mesmo tempo suave e incisiva, como requer a letra. “Se acaso me quiseres/Sou dessas mulheres/Que só dizem sim”; “Mas na manhã seguinte/Não conta até vinte/Te afastas de mim”, dizem alguns trechos. A música também foi gravada pelo próprio Chico Buarque e por Nara Leão, em outra sublime interpretação que valoriza cada palavra dita pela personagem.

Geni e o Zepelim (MPB, 1978) – Chico Buarque
Não é por injustiça que “Geni e o Zepelim” é uma das mais célebres canções brasileiras de todos os tempos, não limitada ao tema da prostituição e muito menos à peça em que está inscrita, a também lendária “Ópera do Malandro”. Mas é pelo que ela tem em si, a força dos versos, a inventividade da melodia, a métrica perfeita usada por Chico Buarque para abordar um tema religioso que toca na esfera pagã do homem. O episódio descrito na Bíblia das pedras jogadas em Madalena aparece em nova leitura. O desprezo da personagem ao representante máximo da burguesia, da destruição, e sobretudo a hipocrisia social carregam essa canção de uma aura revolucionária e poética pouco comparável em qualquer música já escrita em território brasileiro, europeu ou americano, em especial na chamada canção popular. Foi interpretada no espetáculo por Elba Ramalho, regravada pelo autor, Cida Moreira, e vários outros.

Feijoada completa (samba, 1978) – Chico Buarque
É com muita fome e a elegância habitual de suas canções que Chico Buarque, acompanhado de seu batalhão, pede para que a mulher bote água no feijão, jogue o paio, a carne seca e o toucinho, além de fritar os torremos, separar a laranja e a farofa e preparar a indispensável couve mineira. “Feijoada Completa”, samba de 1978, remonta às tradicionais e festivas feijoadas de domingo onde não falta boa comida e bebida, além da presença dos amigos. Aquela feijoada gostosa que cheira à distância é o prato principal da música de Chico e não há nada melhor do que saboreá-la ouvindo seus versos.

Doze anos (Samba, 1979) – Chico Buarque
Chico Buarque captura o momento de transição da infância para a adolescência, quando a ingenuidade dá, paulatinamente, espaço para a malícia, ainda insipiente, na música “Doze anos”, composta para o musical “A Ópera do Malandro”, de 1979, e gravada em parceria com o nome maior do samba de breque brasileiro, Moreira da Silva. Mais uma vez o enfoque é o da nostalgia, como bem deflagram os primeiros versos: “Ai que saudades que eu tenho dos meus doze anos, que saudade ingrata…”. Daí por diante, percorremos, com o protagonista, os caminhos dessa criança que fora, “fazendo grandes planos, chutando lata, trocando figurinha (…), jogando muito botão (…) olhando fechadura, vendo mulher nua…”, entre peripécias mais.

Uma canção desnaturada (MPB, 1979) – Chico Buarque
O lado trágico e sombrio da relação entre mãe e filha é abordado por Chico Buarque nesta música composta em 1979 para a “Ópera do Malandro”, em que o próprio autor a interpreta em parceria com a cantora Marlene. Essa faceta menos simpática e idealizada da maternidade aparece com menos frequência nas obras de arte, mas pode ser conferida, por exemplo, no filme “Sonata de Outono”, do cineasta sueco Ingmar Bergman, e no clássico da mitologia grega Édipo, que eternizou a figura de Jocasta, a mãe que dorme com o próprio filho. Embora pouca agradável a conflituosa convivência entre mães e filhos aparece na realidade em grau maior do que sugere a ficção. Chico Buarque, com sua habitual competência poética, traça o panorama de crueldades de que também é capaz uma mãe. “Porque cresceste, Curuminha, assim depressa, estabanada”.

Bastidores (samba-canção, 1980) – Chico Buarque
Chico Buarque escreveu “Bastidores”, inicialmente, para sua irmã Cristina gravar. Interpretada por Cauby Peixoto tornou-se uma das pérolas mais elegantes de seu repertório. “Bastidores” visualiza o veludo da voz de Cauby quando ele retornava à mídia depois de um tempo afastado, em que seu estilo foi considerado ultrapassado. Em 1980 não apenas Chico, mas vários compositores da música brasileira que surgia como Caetano Veloso, Eduardo Dussek e Joanna dedicaram canções ao ídolo de gerações. “Bastidores” é o carro-chefe que transporta a espetacular voz de Cauby Peixoto com todas as suas joias.

Eu te amo (MPB, 1980) – Chico Buarque e Tom Jobim 
Também ao lado de Tom Jobim, em outra parceria consagrada, Chico Buarque escreveu, em 1980, os versos para a música “Eu te amo”, incluída no rol dos maiores sucessos da MPB. A música serviu como trilha sonora para o filme de mesmo nome dirigido por Arnaldo Jabor um ano depois, protagonizado por Sônia Braga e Paulo César Peréio. Com sua habitual habilidade poética Chico conduz o ouvinte pelos meandros da relação a dois, em suas desavenças e reencontros, que tem no corpo o espaço em que se infiltra e explode, e combinou imagens de pura sensualidade a lamentos típicos da dor de cotovelo. “Se na bagunça do teu coração (…)/Teus seios inda estão nas minhas mãos…”.

Angélica (toada, 1982) – Chico Buarque e Miltinho
Zuzu Angel era uma renomada estilista de moda no Brasil e no exterior quando, em 1971, agentes do regime militar sequestraram, torturaram, lançaram ao mar e desapareceram com o corpo de seu único filho homem, Stuart Angel Jones, de apenas 26 anos, à época envolvido em movimento contra a ditadura. A revolta da mãe levou-a a desafiar e apontar o dedo na cara de generais em todos os tribunais aos quais teve acesso, denunciado a falácia, desumanidade, podridão e espírito macabro do regime autoritário onde o assassinato é prática comum. A resposta grotesca e à altura da estupidez dos militares foi assassinar Zuzu, num armado e proposital acidente de carro, em 1976, quando ela tinha 54 anos. Em 1982, Chico Buarque apresentou “Angélica”, uma toada em homenagem à trajetória da mulher que procurou o filho, levado por forças do mal, mas que ela conservou para sempre em seu coração. A vida de Zuzu Angel e o assassinato de Stuart foram transformados em filme no ano de 2006, com direção de Sérgio Rezende, Patrícia Pillar no papel da protagonista e Elke Maravilha, que foi amiga pessoal da estilista, em participação especial. O triste relato dos horrores da ditadura militar no Brasil pode ser conferido de perto, e em detalhe, nessa e em outras películas. Felizmente o abominável regime pereceu, e o que sobreviveu ao tempo foi a canção de Chico, Gil, João, Vandré, Gonzaguinha.

Pelas tabelas (samba, 1984) – Chico Buarque
Chico Buarque talvez tenha sido o primeiro a falar sobre bater panelas na canção brasileira. Certamente o de maior sucesso. No samba “Pelas tabelas”, de 1984, o alvo era certo, a ditadura e o crescente movimento pelas “Diretas Já”. Além disso a letra brincava com a troca e o engano das palavras entre si, como num jogo de esconde-esconde, um quebra-cabeça. Se naqueles anos o cenário político definia-se claramente entre direita e esquerda, pode-se dizer que houve o acréscimo de uma palheta de cores nos anos 2000. É inegável, no entanto, que quem deseja articular a queda de uma presidente eleita democraticamente por descontentamento individual compactua com a ideia de golpe. O que ao Brasil trouxe, no passado, consequências trágicas e irreparáveis. Sigamos com Chico Buarque, ao menos na música, onde é craque. “Quando vi um bocado de gente descendo as favelas/Eu achei que era o povo que vinha pedir/(…)Minha cabeça de noite batendo panelas…”.

Tango de Nancy (tango, 1985) – Chico Buarque e Edu Lobo
“Tango de Nancy” é outra música de Chico Buarque feita sob encomenda, desta vez para o espetáculo teatral “O Corsário do Rei”, de Augusto Boal. Escrita em parceria com Edu Lobo, como toda a trilha da peça, “Tango de Nancy” se destaca pelo caráter visceral e extremo. A atividade da prostituição é descrita em seus aspectos mais dramáticos, passionais e simbólicos. É das poucas canções brasileiras a aludirem ao sexo de forma tão direta, livre e poética. O clima, no entanto, assume uma esfera triste, pois pesa sobre a protagonista a escolha feita por necessidades e não prazer. Essa realidade, substituída ao longo dos anos em alguma medida, é recorrente artisticamente, o que entrega a sua ocorrência na vida. O tango foi lançado em 1985 por Lucinha Lins, no espetáculo, e regravado por Célia e pelo próprio Chico Buarque.

O futebol (MPB, 1989) – Chico Buarque
Não é segredo para ninguém a paixão do compositor Chico Buarque por futebol, torcedor assumido do tricolor carioca, o Fluminense. Tanto que se permitiu, até, rimar a palavra com rock’n’roll, numa clara sonoridade de inversão. Outro momento sagrado para o compositor são as peladas de final de semana, e para isso ele possui o próprio campo, time, uniforme, tudo como manda o figurino. Para expressar esse amor através de letras e da poesia não foi difícil para Chico, que resolveu fazê-lo em música de 1989, lançada no disco com o seu nome. Além de referências ao universo particular do esporte Chico não deixar de homenagear seus ídolos, e os cita nominalmente: Didi, Mané, Pelé e Canhoteiro, numa tabela que certamente teria um único desfecho. Gol, alegria e gritos. Salve o futebol. Salve Chico. “Para estufar esse filó como eu sonhei/Só se eu fosse um Rei…”.

Paratodos (MPB, 1993) – Chico Buarque
Não há exemplo maior de riqueza e diversidade cultural do Brasil do que a música “Paratodos”, lançada no disco homônimo de Chico Buarque em 1993. E não é por acaso. Chico carrega a herança desde o pai, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, que cunhou o controverso termo “homem cordial” para o brasileiro, mas é, sobretudo, por sua arte que o compositor se destaca nessa seara. Chico é capaz de reforçar a tradição sem perder o olhar para o contemporâneo, é o famoso “um olho no gato, o outro no peixe” que contempla os clássicos.  Se há no Brasil muitas culturas diferentes, é essa sua maior riqueza. A diversidade, a gama de cores, a explosão de sotaques e expressões, cada Brasil é um Brasil, e todos são musicais. “O meu pai era paulista, meu avô pernambucano, o meu bisavô mineiro, meu tataravô baiano, meu maestro soberano, foi Antônio Brasileiro…”.

Chico Buarque cercado por Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes e Tom Jobim

Raphael Vidigal

Fotos: Divulgação; e Arquivo, respectivamente. Na segunda imagem: Manuel Bandeira, Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, da esquerda para a direita.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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