15 músicas de Péricles Cavalcanti para levar nosso Brasil de volta ao futuro

*por Raphael Vidigal

“– Sou o Poeta digo o que não morre.
Morto
Enterrai-me no meu corpo.” Augusto de Campos

Péricles Cavalcanti nasceu no Rio de Janeiro, no dia 21 de janeiro de 1947, e, desde o primeiro momento, criou uma obra de caráter único na música brasileira. Ligado às vanguardas musicais e literárias, influenciado pelo impressionismo de Debussy, Erik Satie, o blues e o jazz de Thelonious Monk e Ella Fitzgerald, e a poesia concreta de Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, ele começou a carreira sendo gravada por Gal Costa e se enturmou com os tropicalistas, especialmente Caetano Veloso, mas ainda assim se manteve à parte, como um compositor peculiar, em sua mistura ilimitada de samba, reggae, bolero, que cativou Adriana Calcanhotto e Arnaldo Antunes. A música de Péricles Cavalcanti sempre aponta para o amplo e novo.

“Quem Nasceu” (foxtrote, 1974) – Péricles Cavalcanti
Péricles Cavalcanti não pensava em ingressar na música, até ele ser incentivado pelos amigos Gilberto Gil e Caetano Veloso, com quem convivia desde a juventude. A estreia, por assim dizer, foi em grande estilo. Ele já se considerava “velho” aos 27 anos quando Gal Costa colocou voz em “Quem Nasceu”, uma das mais delicadas e perspicazes canções de seu repertório. A canção, que versa sobre o existencialismo sem perder o caráter lírico, com uma melodia tão simples quanto envolvente, acabou registrada no álbum “Temporada de Verão: Ao Vivo na Bahia”, de 1974, que uniu Gal, Caetano e Gil. Péricles só gravou a sua versão em 1991, quando lançou seu primeiro LP.

“Negro Amor” (blues, 1977) – versão de Péricles Cavalcanti e Caetano Veloso
Novamente coube a Gal Costa colocar voz em uma canção de Péricles Cavalcanti. Desta vez tratava-se de uma versão dele e de Caetano Veloso para o blues de Bob Dylan, rebatizado de “Negro Amor”. A canção foi lançada em 1977, no LP “Caras & Bocas”, de Gal, e mereceu uma regravação de Zé Ramalho, décadas mais tarde. Péricles e Caetano são habilidosos em traduzir os versos do bardo norte-americano, sem perder de vista a força da canção, introduzindo um palavreado propício ao desafio proposto. Já Péricles Cavalcanti a regravou em 1999, no álbum “Baião Metafísico”, logo após uma infinidade de regravações, abrangendo artistas como Toni Platão e Engenheiros do Hawaii.

“Elegia” (bolero, 1979) – Augusto de Campos e Péricles Cavalcanti
Caetano Veloso também foi importante no lançamento de outra canção que contou com a assinatura de Péricles Cavalcanti. Em 1979, ambos estavam envolvidos com a poesia dos concretistas, irmã literária dos tropicalistas, quando Péricles musicou e adaptou versos de Augusto de Campos que se converteram na canção “Elegia”, lançada por Caetano no disco “Cinema Transcendental”, que ele gravou com A Outra Banda da Terra. Misto de erotismo com urdimento poético, a música cria uma arquitetura peculiar em sua forma ao mesmo tempo simples e profunda, complexa e acessível. O ritmo escolhido foi o bolero, que induz a um tom de contenção passional, bem único.

“Quem Parte Quem Fica” (pop rock, 1983) – Péricles Cavalcanti
Uma batucada feroz e emocionante embalava os versos que levaram a Portela a ser campeã no Carnaval de 1980, na contramão da Vieira Souto, vindo pela Praça da Paz até o Arpoador, onde seria inaugurado o Circo Voador, enquanto o sol se punha no horizonte cálido do Rio de Janeiro. “A brisa me levou/ Para um reino encantado/ Onde eu me fiz menino-rei/ E era o circo/ O meu palácio dourado”, cantava a trupe, que, naquele entusiasmo mágico, transformava as alas da escola de samba nos grupos de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone e Manhas e Manias e no coletivo de dança Coringa. Em 1983, o Asdrúbal gravou “Quem Parte Quem Fica”, de Péricles Cavalcanti, no espetáculo “A Farra da Terra”. Evandro Mesquita, Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães cantavam.

“Dos Prazeres, Das Canções” (samba, 1991) – Péricles Cavalcanti
Péricles Cavalcanti finalmente estreou em disco em 1991, quase duas décadas depois de ter sido cantado pela primeira vez por Gal Costa. No repertório, canções autorais com o urdimento conhecido, sofisticadas na medida de suas referências, sem pretensão ou preciosismo. Para abrir os trabalhos, Péricles atacou com o samba “Dos Prazeres, Das Canções”, em que justamente prestava homenagem aos que vieram antes, citando nominalmente Heitor dos Prazeres, Herivelto Martins, Assis Valente, Wilson Batista, Noel Rosa, Dorival Caymmi e Sinhô. A canção mereceu uma regravação de Adriana Calcanhotto.

“Meu Bolero” (MPB, 1991) – Péricles Cavalcanti
Nesse disco de estreia, Péricles Cavalcanti contou com uma participação mais do que especial, que veio bem a calhar. O amigo, parceiro de longa data, Caetano Veloso, dividiu com ele os vocais de “Meu Bolero”, uma canção de tessitura romântica, quase balada, mas ao estilo de Péricles, que insere as suas ironias e desalentos entre uma frase e outra, por exemplo, lançando mão da palavra “crânio” – esse invólucro do corpo humano tão físico quanto pouco romântico – num dicionário que tende a preferir os simbolismos do “coração”. O álbum teve outras participações especiais, como Lulu Santos e Márcio Montarroyos. “Meu Bolero” ainda é canção de destaque do repertório do cantor.

“Música Por quê?” (MPB, 1991) – Péricles Cavalcanti
Quase fechando esse primeiro trabalho, Péricles Cavalcanti arrumou uma canção para se justificar, ou quase isso. “Música Por quê?” enumera uma série de motivos para continuar nessa profissão por vezes tão ingrata. Na linha do texto do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, que Adriana Calcanhotto musicou como “Por Que Você Faz Cinema?”, em 1996, Péricles procura responder a essa questão que tem matizes variados e um desejo incontrolável. “Eu faço música por amor e por esporte/ Música por acaso e pela sorte/ Eu faço música pelo som e por vaidade/ Música pra vender pela cidade/ Eu faço música por que não, por que sim”, filosofa e poetiza o compositor desta música.

“Intimidade” (MPB, 1995) – Péricles Cavalcanti
A verve poética de Péricles Cavalcanti se revela na plenitude em “Intimidade”, tanto melódica quanto poeticamente. Com uma linha suave, bem executada ao violão, ele tece considerações, com voz macia e confidente, acerca das várias faces que uma pessoa é capaz de assumir durante um relacionamento. E, ali, não há concessões para a moral burguesa. Péricles se traveste de Hitler, palhaço e Peter Pan, dentre várias outras personas. “Intimidade” foi lançada no disco “Sobre as Ondas”, de 1995, que na estrutura e também no desenho da capa, trazia novamente a influência dos concretistas. Adriana Calcanhotto a regravou em 2002, no CD “Cantada”, em uma versão bem acertada e diferente.

“Dançando” (MPB, 1998) – Péricles Cavalcanti
Em 1996, Péricles Cavalcanti compôs a trilha sonora do filme “Mil E Uma”, de Susana Moraes, filha de Vinicius de Moraes e esposa de Adriana Calcanhotto. Além da cantora, a trilha trouxe as participações de Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé e do próprio Péricles. Três anos depois, Péricles colocou na praça o disco “Baião Metafísico”. Nesse ínterim, sempre atenta à produção do compositor, Adriana descobriu a empolgante canção “Dançando”, que ela lançou no disco “MARITMO”, de 1998, como parte de sua trilogia marítima. Péricles registrou a sua versão para a canção em 2004, já no álbum “Blues 55”.

“Eu Queria Ser Cássia Eller” (rock, 1998) – Péricles Cavalcanti
O poeta Wally Salomão, compositor de preciosidades da MPB como “Mel” (parceria com Caetano Veloso que rendeu a Maria Bethânia o eterno apelido de “Abelha-Rainha” da música brasileira), dirigia o espetáculo “Veneno Antimonotonia”, em que Cássia Eller interpretava canções de Cazuza, quando pediu a Péricles Cavalcanti uma canção feita sob a medida para a gravação ao vivo, no que ele se saiu com o rock “Eu Queria Ser Cássia Eller”, lançado em 1998, no disco “Veneno Vivo”. Péricles até confessa que achou que Cássia poderia se sentir constrangida ao dizer que gostaria de ser ela mesma, mas o resultado foi muito acima do esperado. A cantora fez da canção um hino de fé.

“Será o Amor?” (balada, 2004) – Péricles Cavalcanti
Péricles Cavalcanti desconfia do amor, mas é tentado a se entregar a ele em “Será o Amor?”, badalada lançada pelo próprio em 2004, no disco duplo “Blues 55”. Como ensina o escritor britânico Oscar Wilde, num de seus mais conhecidos aforismos, “deve-se resistir a tudo, menos a uma tentação”. Com uma melodia inspirada e versos talhados para a ocasião, Péricles destrincha as muitas nuances desse sentimento capaz de causar revoadas e revoluções. “Será uma flor, terá jardim?/ Será quintal, terá capim?/ Fará calor, será verão?/ Ou muito frio noutra estação?/ Será canção de Ary Barroso?/ Ou um refrão burro e meloso?”. A canção foi regravada por Juliana Kehl no disco “Mulheres de Péricles: As Canções de Péricles Cavalcanti”, que o homenageou em 2013.

“Nossa Bagdá” (MPB, 2004) – Péricles Cavalcanti
Os mistérios orientais da literatura indiana, sua cultura e sua música, também fascinam Péricles Cavalcanti e se fazem notar, de alguma maneira, em sua obra aberta e cosmopolita, sedenta pelo contemporâneo. Desta forma, ele une as pontas entre presente e passado para conceber uma canção que mantém os olhos abertos sobre o futuro. “Nossa Bagdá” tem pegada romântica, mas não se atém a ela, indo muito além. A canção foi lançada por Péricles Cavalcanti em 2004, e chamou a atenção de Arnaldo Antunes, que a regravou em 2006, no disco “Qualquer”. Já Iara Rennó voltou a essa pérola no ano 2013.

“Príncipe das Marés” (MPB, 2013) – Péricles Cavalcanti
Péricles Cavalcanti é autor recorrente na obra de Adriana Calcanhotto. Em “Margem”, ele comparece com “Príncipe das Marés”. Apesar disso, a história da música data de muito antes. “Eu a encomendei para o Péricles, em 2008 e, após 40 minutos, ele me mandou essa pérola. Eu cheguei a gravá-la na época, mas percebia tantas camadas e sutilezas dentro dela que achava o meu jeito de cantar ainda meio verde, não tinha criado a intimidade necessária”, revela Adriana Calcanhotto. “Agora ela veio para o ‘Margem’, e tinha mais a ver com esse trabalho mesmo”, completa. Péricles a lançou em 2013, no disco “Frevox”.

“Se For Um Samba” (samba, 2013) – Péricles Cavalcanti
Péricles Cavalcanti convocou um time de peso para acompanha-lo na entusiasmante “Se For Um Samba”, composto por Rômulo Fróes, Luísa Maita e Roberta Campos, nomes da nova geração que têm dado o que falar na música brasileira. O próprio Péricles nunca foi de ficar parado e, por isso, não espanta que ele tenha se cercado daqueles que seguem colocando fogo no coreto, abalando as estruturas e rompendo com as expectativas. Essa canção comparece em “Frevox”, disco lançado por Péricles em 2013, que, como explica – ou confunde –, o título e a sua própria carreira, prima pela mistura livre. Por essas e outras, Péricles merece capítulo à parte na música brasileira.

“Dionísio, Deus do Vinho e do Prazer” (marcha, 2014) – Péricles Cavalcanti
Após um período de ostracismo na carreira, com longos intervalos sem gravadora, a intrépida Maria Alcina voltou a gozar de prestígio nos últimos anos junto à crítica e ao público e também entre seus colegas. O álbum “De Normal Bastam os Outros” é uma iniciativa do produtor Thiago Marques Luiz para comemorar os 40 anos de carreira da intérprete. “É engraçado ver que as pessoas não esquecem você, e receber esse carinho dos colegas de profissão foi fantástico, fiquei emocionadíssima”, declara. No disco, além de protagonizar dueto com Ney Matogrosso, Alcina recebeu canções feitas especialmente para ela por Zeca Baleiro, Arnaldo Antunes, Péricles Cavalcanti e Anastácia, cujos títulos são autoexplicativos, como nos casos de “Eu Sou Alcina” e “Dionísio, Deus do Vinho e do Prazer”, onde ela afirma: “Pode me chamar de Carnaval!”.

Foto: Caroline Bittencourt/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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