15 duetos imperdíveis de Cazuza com astros da música brasileira

*por Raphael Vidigal

“Amizade é o encontro de duas solidões. Quando duas solidões se encontram acontece a comunhão.” Rubem Alves

“Eu sou letrista de rock por acaso. Se houvesse pintado um grupo de samba, em vez do Barão Vermelho, eu estaria compondo sambas. De qualquer forma, sou muito latino, muito passional, e minha poesia reflete isso. Posso tentar caminhar no estilo Joy Division, mas quando vou ver o resultado, está muito Cartola”. A declaração de Cazuza, dada em 1987 para o jornal “O Globo”, reflete a personalidade do cantor, que o permitiu transitar pelos mais variados gêneros da música brasileira e tecer encontros com nomes de todas as vertentes. Cazuza embalou duetos com Gilberto Gil, Simone, Gal Costa, Leo Jaime e Elza Soares.

“Milagres” (rock, 1984) – Cazuza, Denise Barroso e Frejat
Não existem limites para os passos atrevidos de Elza Soares, única “Dama do Samba” a atravessar as barreiras do rock e do blues para cantar com Angela Ro Ro, Lobão, Cássia Eller e Cazuza. “Adoro todos os loucos, me identifico”, garante Elza, que gravou com o autor de “Exagerado”, em 1984, uma versão para “Milagres”, lançada no terceiro disco do Barão Vermelho e mais tarde revisitada por Adriana Calcanhotto na estreia fonográfica da gaúcha “Cazuza era uma pessoa maravilhosa, tão divertida e alegre que Papai do Céu levou para seu lado”, afirma Elza. Parceria de Cazuza, Denise Barroso e Frejat, “Milagres” ganhou clipe exibido no “Fantástico”, em que a dupla de intérpretes contracena em meio aos entulhos.

“Hot Dog” (rock, 1984) – Leiber e Stoller em versão de Leo Jaime
Cazuza e Leo Jaime sempre foram amigos de longa data. Foi Leo, inclusive, que indicou Cazuza para ser vocalista da banda Barão Vermelho, recusando ele mesmo o posto por considerar o estilo “pesado demais”, já que estava mais ligado ao rockabilly do grupo João Penca e Seus Miquinhos Amestrados. Para compensar o fato de nunca terem composto uma canção juntos, exceção feita à debochada e brincalhona “me chamam pobre, mas meu nome é pobreza”, jamais registrada em disco; os dois celebraram a amizade nesta versão de Leo para “Hot Dock”, com a participação de Wanderley, o cachorro de Cazuza. A música também foi gravada por Angela Ro Ro.

“Amor, Amor” (balada, 1984) – Cazuza, Frejat e George Israel
Depois da música “Pro Dia Nascer Feliz” ser lançada por Ney Matogrosso o “Barão Vermelho” experimenta, pela primeira vez, o sucesso. Mas começa a se acostumar com ele a partir de “Beth Balanço”, música criada para filme dirigido por Lael Rodrigues e protagonizado por Débora Bloch, em que os integrantes da banda fazem uma participação. No lado B do compacto estava, escondida, “Amor, Amor”, balada de Cazuza, Frejat e George Israel também interpretada no longa-metragem. O discreto acolhimento deve-se, certamente, ao estouro da canção-título. Apesar de Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, preferir “Amor, Amor”.

“Contramão” (MPB, 1985) – Fagner e Belchior
Cazuza foi criado em casa com os Novos Baianos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee e “Os Mutantes”. Essas presenças não eram impalpáveis, em discos, mas reais, lá estavam eles dividindo o sofá e a casa com seu pai, João Araújo, dono da gravadora “Som Livre”. Por isso não espanta que as influências do compositor passeiem pelo blues e a música nordestina. Ele mesmo dizia que era cantor de rock por acaso, e se caísse numa banda de pagode estaria compondo do mesmo jeito. Amigo de Fagner, os dois lançaram juntos a música “Contramão”, em 1985, composição do cearense com Belchior.

“Codinome Beija-Flor” (balada, 1985) – Cazuza, Ezequiel Neves e Reinaldo Arias
Ao lado de Cazuza, considerado o “Rei do baixo Leblon”, Luiz Melodia era visto com frequência na badalada noite do Rio de Janeiro. A capacidade como cantor rendeu um elogio inédito de Lucinha Araújo, mãe de Cazuza (1958-1990), que considerou o registro de Melodia para “Codinome Beija-Flor” melhor do que a do próprio rebento. “Ele se apropriava das canções”, garante Toninho Vaz, autor da biografia “Meu Nome É Ébano: A Vida e a Obra de Luiz Melodia”, lançada em 2020. Cazuza compôs os versos de “Codinome Beija-Flor” deitado em uma cama de hospital, numa das internações para tratar a Aids que o levou aos 32 anos, enquanto observava beija-flores na janela. Depois, a letra recebeu acréscimos do amigo Ezequiel Neves e de Reinaldo Arias, até ser incluída em “Exagerado”. No especial “Uma Prova de Amor”, Cazuza e Simone a interpretaram em dueto.

“Gatinha de Rua” (rock, 1985) – Cazuza e Frejat
A dor-de-cotovelo foi o grande referencial na formação de Cazuza como letrista. Não por acaso tocavam em sua vitrola regularmente os discos de Lupicínio Rodrigues, inventor do termo, mas também Dalva de Oliveira, Dolores Duran, Maysa e outras divas. Dessa mistura com o rock brasileiro da década de 1980, Cazuza criou um jeito próprio, único, facilmente identificável de composição. Seu estilo situa-se entre a ironia, a crítica, o distanciamento, e a total entrega aos sentimentos mais comuns, perenes e mundanos. “Gatinha de rua” desliza nesse ínterim, nesse terreno escorregadio das paixões que não deram certo e seguem torturando os donos de seus corações. Nesse caso, a gatinha de rua “agora já trocou de dono, abandonou o meu sonho…”, canta com Marcelo neste dueto lançado em 1985, uma parceria com Roberto Frejat.

“Marginal” (rock, 1986) – Celso Blues Boy
Para dar vazão a seu lado mais transgressor e subversivo Cazuza aceitou, em 1986, o convite do amigo Celso Blues Boy para gravar com ele a música “Marginal”. Nome melhor não haveria. Cazuza afirmava “ser marginal por uma decisão poética. Os marginais amam mais, odeiam mais, sentem tudo mais intensamente. Toda ovelha desgarrada está mais perto de Deus”. Cazuza aparece menos nessa gravação que em outras parcerias, mas o suficiente para que sua interpretação escandalosa e rascante marque esse encontro entre ícones ao mesmo tempo tão próximos e distantes no cenário do rock brasileiro.

“Tudo É Mais” (MPB, 1986) – Aldo Meolla
A gravação “Tudo é Mais”, música de Aldo Meolla lançada por Cazuza e Dulce Quental no disco da cantora de 1986, guarda o seu segredo pro final. Com influências do rock e da música popular brasileira assim denominada por sua sigla, a canção dá pistas de seu desfecho, com máximas que bem representam a personalidade do poeta exagerado e da cantora egressa da banda “Sempre Livre”. Além de tudo fica nítida a amizade e simpatia entre os intérpretes, o que amplia a sensação de acolhimento ao ouvinte. “Por que ser contra ou a favor? Pra mim tanto fez, tanto faz, eu escolho pelo sabor, e hoje tudo é mais…”. A banda Os Ronaldos também participou da gravação.

“Dia dos Namorados” (balada, 1987) – Cazuza e Perinho Albuquerque
Composta em 1986 a música “Dia dos Namorados” ficou fora de “Só Se For a Dois”, disco lançado por Cazuza um ano mais tarde. Parceria do “poeta exagerado” com Perinho Albuquerque, a música foi então oferecida para Zezé Motta, que a cantou em shows, mas não chegou a registrá-la por falta de gravadora na época. Trinta anos depois, com o intermédio do produtor e baixista Nilo Romero a gravação feita com a voz de Cazuza foi recuperada e mais: passou a contar com a adesão de Ney Matogrosso. Não por acaso, o dueto bisa relação protagonizada pelos dois, que foram namorados. É, no entanto, o único registro musical com a voz dos dois juntos.

“Fora da Lei” (rock, 1987) – Cazuza e Nico Rezende
“Dia dos Namorados” foi um presente de Cazuza para Zezé Motta, que a registrou em uma fita cassete, porque estava sem gravadora na época. Os dois se conheceram em um aniversário de Sandra de Sá, comadre do autor de “Exagerado”. A versão com a voz de Cazuza foi recuperada por Nilo Romero entre as sobras do álbum “Ideologia” (1988), que ele ajudou a produzir. Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, conta que, recentemente, foi procurada pelo músico Nico Rezende para autorizar o lançamento de outra canção com a voz de Cazuza. Nico é o produtor de “Exagerado” (1985), primeiro disco solo de Cazuza. Em 1987, a dupla cantou junto a faixa “Fora da Lei”, que reflete angústias sociais.

“Brasil” (samba-rock, 1988) – Cazuza, Nilo Romero e George Israel
A partir de uma composição feita sob encomenda, Cazuza criou um dos hinos da música brasileira, e não apenas de sua geração. “Brasil” foi um pedido do cineasta Lael Rodrigues para a trilha sonora do filme “Rádio Pirata”, e surgiu exuberante na voz de Gal Costa na abertura da novela global “Vale Tudo”, em 1988. Cazuza e Gal a interpretaram em um dueto descontraído no especial da Rede Globo dedicado ao compositor. A música é pródiga em imagens impactantes e encontra Cazuza na plenitude de sua criatividade. “Brasil é um deboche sem autocompaixão, em que eu peço à pátria que me conte todas as suas sacanagens, que eu não vou espalhar para ninguém. Os problemas do Brasil parecem os mesmos desde o descobrimento: renda concentrada, a maioria da população sem acesso a nada. O problema todo do Brasil é a classe dominante, mais nada”, disse Cazuza. Cássia Eller a regravou.

“Blues da Piedade” (blues, 1988) – Cazuza e Roberto Frejat
A letra impiedosa e implacável de “Blues da Piedade” oferece uma espécie de paradoxo com o título dessa canção, lançada em 1988 no álbum “Ideologia”, e cantada por Cazuza em dueto com Sandra de Sá em show. Em outras palavras, Cazuza pede piedade a todos aqueles que são dignos de dó: “Agora eu vou cantar pros miseráveis/ Que vagam pelo mundo derrotados/ Pra essas sementes mal plantadas/ Que já nascem com cara de abortadas/ (…) Pra quem não sabe amar/ Fica esperando alguém que caiba no seu sonho/ Como varizes que vão aumentando/ Como insetos em volta da lâmpada”. Com metáforas poderosas, Cazuza enfia uma estaca no peito dos hipócritas e medíocres. Como era comum na parceria dos dois, Frejat criou a melodia depois de receber a letra de Cazuza.

“Preciso Dizer Que Te Amo” (balada, 1988) – Cazuza, Dé Palmeira e Bebel Gilberto
Interpretada por Cazuza no especial “Uma Prova de Amor”, exibido pela Rede Globo em 1989, a música teve o seu primeiro registro revelado no ano de 2004, quando o produtor Ezequiel Neves recuperou a fita cassete original. Lançada na coletânea “Preciso Dizer Que Te Amo”, a versão apresenta as vozes de Bebel Gilberto e Cazuza sob o acompanhamento do violão de Dé Palmeira. “E até o tempo passa arrastado/ Só pra eu ficar do teu lado”, sublinham os versos prenhes de paixão. Inicialmente, o refrão dizia: “É que eu preciso dizer que te amo/ Desentalar esse osso da minha garganta”, mas Dé Palmeira o achou muito “punk”, e Cazuza substituiu a expressão por “te ganhar ou perder sem engano”. A canção recebeu inúmeras regravações, com diferentes arranjos, mas mantendo o poder de identificação entre os românticos e apaixonados. Marina Lima, Leo Jaime, Bebel Gilberto e Cássia Eller foram alguns dos que deram voz a essa balada.

“Um Trem Para as Estrelas” (MPB, 1988) – Cazuza e Gilberto Gil
Cazuza idolatrava Gilberto Gil desde antes de adentrar oficialmente o mundo da música. Na verdade, esse universo sempre esteve presente em sua vida. Filho de João Araújo, fundador e presidente da gravadora Som Livre, Cazuza se habituou a receber em sua casa nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão e toda a trupe dos Novos Baianos, como Moraes Moreira, Baby do Brasil e Pepeu Gomes. No disco “Ideologia”, Cazuza atingiu o auge da maturidade artística, e a parceria com Gilberto Gil dá uma das provas. “Um Trem Para as Estrelas” reflete sobre a realidade social do Brasil, ao mesmo tempo em que guarda espaço para as meditações de foro íntimo de Cazuza, um poeta peculiar.

“Preciso Tanto!!!” (blues, 1980) –Angela Ro Ro
Especialista em unir a lamentação amorosa ao deboche desinibido, Angela Ro Ro sempre se destacou entre as compositoras nacionais, sobretudo, pela postura aguerrida, caracterizada por um senso de humor inteligente. Em 1980, no álbum “Só Nos Resta Viver”, Ro Ro distribuiu mais algumas dessas pérolas, dentre elas “Preciso Tanto!!!”, com todas as exclamações a que tinha direito, em que, sem ser totalmente explícita, convida a companheira ao sexo, certa de lhe tirar os bodes da cabeça com promessas do tipo: “Eu faço gostoso e com jeito, pra você não botar defeito, no meu amar…”. A música foi interpretada num dueto descontraído por Cazuza e Angela Ro Ro, no Morro da Urca, em 1989. Já debilitado pela Aids, Cazuza invadiu o show de Ro Ro e soltou a voz com gana.

Foto: Site oficial/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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