10 Músicas Do Brasil Sobre Futebol

*por Raphael Vidigal

“é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.” João Cabral de Melo Neto

Música e futebol, no Brasil, têm vocabulário próprio. Não por acaso algumas expressões podem ser usadas para se referir tanto a uma quanto ao outro. Por exemplo: ginga, suingue, ritmo, harmonia, direção. Outras ainda mais inusitadas provam o poder de criação e improviso nos dois campos. Só no Brasil cabe dentro de uma partida de futebol a pelada, o drible da vaca, a bicicleta, a folha seca e alguns cachorros que vez em quando invadem. É que o brasileiro joga como se fosse música, e toca como se fosse futebol.

Um a zero (choro, 1946) – Pixinguinha e Benedito Lacerda
Gravado pela primeira vez em 1946, o choro “Um a zero” de Benedito Lacerda e Pixinguinha, foi composto em 1919, com o intuito de celebrar a conquista da Seleção Brasileira sobre o Uruguai no campeonato sul-americano de futebol. Quatro anos depois viria o primeiro capítulo marcante da história brasileira em Copas do Mundo e a vingança dos uruguaios, ao conquistarem o Bicampeonato Mundial sobre os brasileiros no Maracanã lotado, e de virada. Mas o que ficaria para a música, além da primorosa execução instrumental de Pixinguinha e da letra colocada por Nelson Ângelo, violonista do Clube da Esquina, e registrada por diversos intérpretes, sendo a mais famosa delas feita pelo grupo “Arranco de Varsóvia”, seria o poder de encantamento destes sons e da poesia. Um gol de placa de Pixinguinha. “Vai começar o futebol, pois é/ Com muita garra e emoção…”.

Aqui é o país do futebol (samba, 1970) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Convidados pelos diretores Paulo Laender e Ricardo Gomes Leite para compor a trilha sonora do filme “Tostão, a Fera de Ouro”, Milton Nascimento e Fernando Brant escreveram canções que ultrapassaram aquele período específico. “Aqui é o país do futebol”, samba moderníssimo em sua estrutura e com letra que exalta o poder de atenção do esporte sobre os brasileiros, embalou não só a Seleção Brasileira em 1970, quando conquistou o Tricampeonato Mundial no México com uma equipe considera das melhores de todos os tempos, como seguiu emocionando e contagiando plateias mesmo após o encerramento da competição. Além do registro de Milton Nascimento no disco “Milton” a música também foi gravada por Elis Regina, no álbum ao vivo “Trem Azul” e Wilson Simonal, um dos embaixadores daquela seleção, amigo íntimo de Pelé e outras estrelas do escrete canarinho.

Balada Número 7: Mané Garrincha (balada, 1971) – Alberto Luiz
Garrincha pendurou as chuteiras em 1972, ao defender o seu último clube profissional, o Olaria. O “Anjo Das Pernas Tortas” inebriou durante décadas os corações brasileiros, com jogadas geniais e impensadas, zombeteiras, lúdicas. Bicampeão do Mundo com a Seleção Brasileira em 1958 e 1962, foi considerado o melhor jogador da Copa no Chile, principalmente após a contusão de Pelé. A música “Balada Número 7: Mané Garrincha” foi composta em alusão ao número histórico usado às costas pelo ídolo. No ritmo e na letra Alberto Luiz destrincha a trajetória irregular e dramática, principalmente nos últimos anos, do jogador, que entre glórias, dribles e alegrias, acabou sucumbindo ao alcoolismo. Mas a irreverência de Garrincha é sem dúvida a sua contribuição mais eterna e mais bonita na história brasileira. A canção é cantada, emotivamente, por Moacyr Franco.

Fio Maravilha (samba-rock, 1972) – Jorge Benjor
Jorge Benjor é talvez o compositor brasileiro que mais escreveu sobre futebol. Porém, entre seus inúmeros sucessos no tema o maior deles é, sem dúvida, “Fio Maravilha”, lançado pela mineira Maria Alcina no Festival da Canção da TV Globo em 1972. A interpretação esfuziante de Alcina e os versos simples e bem harmonizados ao ritmo por Benjor certamente contribuíram para o êxito. Outro fato importante relacionado à música é a polêmica envolvendo o homenageado. João Batista de Sales, o Fio Maravilha, atacante do Flamengo famoso pela aparência exótica e por marcar gols esquisitos, acionou o compositor na Justiça exigindo o pagamento de direitos autorais pelo uso do apelido, o que levou Benjor a cantar “Filho” em versões posteriores. Fio acabou voltando atrás e permitindo que Jorge cantasse a música como no original. Mas o que ficou pra história, sobretudo, é o grito de gol dos fãs e da torcida brasileira.

Meio-de-campo (MPB, 1973) – Gilberto Gil
Em 1973 Gilberto Gil homenageia o jogador Afonsinho, habilidoso meia do Fluminense que tinha uma combativa postura contra a ditadura militar instaurada no Brasil desde 1964. Voltando do exílio imposto pelos militares em Londres no ano de 1972, Gil mistura, com a habitual inteligência versos que fazem referência tanto ao esporte como ao momento político vivido, além de reflexões existenciais. Lançada com sucesso por Elis Regina no álbum “Elis”, a bordo de um instrumental de primeira, a música faz referência a outros ídolos dos gramados, como o Rei Pelé, atacante do Santos, e Tostão, do Cruzeiro, dois importantes nomes na conquista, pela Seleção Brasileira, do Tricampeonato Mundial no México três anos antes, em 1970. Também foi regravada pelo autor em seu álbum de 1973, “Cidade do Salvador”, e anos depois, com o acompanhamento de Dominguinhos.

Camisa 10 (samba, 1974) – Hélio Matheus e Luís Vagner
Zagallo esteve presente em quatro conquistas de Copa do Mundo defendendo o Brasil, duas como jogador, em 1958 e 1962, uma como treinador, em 1970, e outra como coordenador técnico, em 1994, além de um vice-campeonato em 1998, comandando a Seleção Brasileira contra a anfitriã França. Apesar disso, o cantor Luiz Américo bem que pede desculpas, mas não perdoa o “Velho Lobo” quando da composição do samba “Camisa 10”, sucesso imediato em 1974 justamente por ir ao encontro dos anseios do povo que fazia as mesmas reclamações. A letra, de autoria de Hélio Matheus e Luís Vagner, brinca de forma espirituosa e bem humorada com situações vividas pelo escrete carinho e lança mão de referências implícitas a jogadores do time, como o goleiro Emerson Leão. O fracasso da equipe naquele mundial disputado na Alemanha corroborou para o sucesso da canção, eternizada no repertório de Luiz Américo.

Replay [O meu time é a alegria da cidade] (samba-rock, 1974) – João Lemos e Roberto Corrêa
O “Trio Esperança” foi um conjunto vocal formado no Rio de Janeiro por uma família. Composto pelos irmãos Mário, Regina e Evinha despontou para o sucesso no programa de calouros de Hélio Ricardo em 1961, e seguiu a toada com apresentações no programa “Jovem Guarda”. Com a saída de Evinha para carreira-solo em 1968, o grupo recebeu outra irmã, Marisa, e continua ativo com apresentações principalmente na Europa, onde residem. Mas foi no ano de 1974 que talvez o “Trio” tenha lançado o seu maior sucesso, e justamente com uma canção tematizando o futebol. “Replay”, que ficou mais conhecida por um dos versos que se tornou epígrafe, “O meu time é a alegria da cidade”, imita uma narração de jogo em tempo real, vocalizada pelos integrantes, e que culmina com o momento máximo deste esporte tão apaixonante. “É Goool! Que felicidade…!”.

Geraldinos e Arquibaldos (samba, 1975) – Gonzaguinha
No ano de 1975, Gonzaguinha se esquiva das garras da censura imposta no Brasil em razão da ditadura militar, com um samba irônico e divertido, cuja sinuosidade da letra é acompanhada de perto pelo ritmo. “Geraldinos e Arquibaldos” traz ainda uma homenagem às pessoas humildes que frequentam os estádios nos lugares mais simples, a “geral” e a arquibancada, além de lançar mão de expressões típicas do esporte mais popular do país, como “cama de gato”, e outros ditos populares, como “angu que tem caroço”. Lançada num dos primeiros álbuns de Gonzaguinha, “Plano de Voo”, já mostrava o poder de crítica e a acidez construtiva dos versos de Gonzaguinha, além da inventividade formal. Foi regravada, com sucesso, por uma de suas grandes admiradoras, a cantora Simone. “No campo do adversário/É bom jogar com muita calma/Procurando pela brecha/Pra poder ganhar…”.

O futebol (MPB, 1989) – Chico Buarque
Não é segredo para ninguém a paixão do compositor Chico Buarque por futebol, torcedor assumido do tricolor carioca, o Fluminense. Tanto que se permitiu, até, rimar a palavra com rock’n’roll, numa clara sonoridade de inversão. Outro momento sagrado para o compositor são as peladas de final de semana, e para isso ele possui o próprio campo, time, uniforme, tudo como manda o figurino. Para expressar esse amor através de letras e da poesia não foi difícil para Chico, que resolveu fazê-lo em música de 1989, lançada no disco com o seu nome. Além de referências ao universo particular do esporte Chico não deixar de homenagear seus ídolos, e os cita nominalmente: Didi, Mané, Pelé e Canhoteiro, numa tabela que certamente teria um único desfecho. Gol, alegria e gritos. Salve o futebol. Salve Chico. “Para estufar esse filó como eu sonhei/Só se eu fosse um Rei…”.

Canhoteiro (MPB, 2003) – Fagner, Zeca Baleiro, Fausto Nilo e Celso Borges
Um verdadeiro time é o responsável pela canção “Canhoteiro”, lançada por Fagner e Zeca Baleiro no disco da dupla de 2003, e que conta ainda na composição com Celso Borges e Fausto Nilo. A música homenageia um ídolo em comum dos dois cantores, o jogador José da Ribamar de Oliveira, conhecido como “Canhoteiro”, nascido no Maranhão, terra de Zeca Baleiro, que ainda é xará do atleta. Como se não bastasse, foi revelado no Ceará, terra de Fagner, e fez sucesso defendendo as cores do São Paulo e da Seleção Brasileira. É para Pelé um de seus maiores ídolos, ao lado de Zizinho. A canção homenageia o jeito malandro e irreverente de Canhoteiro, famoso pelos dribles, e o compara, em dado momento a Garrincha. Nada mal para um time: de música e futebol, tanto ritmo.

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Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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