“eu quero/ser o janeiro/a chegar
em fevereiro/fazendo o frevo
que eu quero/chegar na frente
em primeiro” Paulo Leminski
Paulo Leminski (1944-1989) escreveu: “desmontando o brinquedo/ eu descobri que o frevo/ tem muito a ver/ com certo jeito/ mestiço de ser/ um jeito misto/ de querer/ isto e aquilo/ sem nunca estar tranquilo/ com aquilo/ nem com isto”. Os versos do poeta curitibano, publicados em 1983, no livro “Caprichos e Relaxos”, captam a inquietação do centenário estilo musical, declarado Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade em 2012 pela Unesco, cujo aniversário é celebrado no dia 14 de setembro.
A data coincide com o nascimento do jornalista Oswaldo Oliveira que, em 1907, grafou a palavra pela primeira vez nas páginas do semanário recifense “Pequeno”, ao dar uma nota sobre o ensaio do Clube de Empalhadores do Feitosa, que tocou, entre outas, músicas como “Amorosa”, “Entre Delícias” e “O Sol”. Dois anos depois, o termo ressurgiria no mesmo vespertino, desta vez na seção “Cavaco”, assinada por Mario Jota, que dizia: “Frevo, palavra magnética, capaz de pôr em vibração contínua o universo inteiro”.
HISTÓRIA
O frevo surgiu no Recife, capital de Pernambuco, entre o final do século XIX e início do século XX, como um ritmo carnavalesco nascido a partir das marchinhas de Carnaval, com influência da polca russa, de alguns passos do balé clássico e de outras danças afro-brasileiras populares, como o maxixe e a capoeira. O nome “frevo” se originou a partir da palavra “ferver”, que popularmente se pronunciava “frever”. Ou seja, o significado é o mesmo de fervura, que conota a agitação e o rebuliço dos dançarinos.
TRADIÇÃO
O frevo se divide em três sub-gêneros, sendo o primeiro deles de rua, que é exclusivamente instrumental, com uso de pistões, trombones, trompetes e notas agudas. O frevo de bloco surgiu a partir das serenatas de Carnaval, com o uso de banjos, cavaquinhos, violões e outros instrumentos de corda e de sopro, como o clarinete. Por fim, o frevo canção é aquele cantado, que exige um ritmo mais lento. Capiba foi um dos maiores compositores de frevo canção de todos os tempos, autor de “É de Amargar”, “A Pisada É Essa” e “Cala a Boca Menino”. Luís Bandeira também se destacou no gênero, compondo a irresistível “Voltei Recife”.
SOMBRINHA
Usados como armas de ataque e defesa durante os blocos de rua que saíam pelas ruas de Recife, os porretes foram os precursores das graciosas sombrinhas que passaram a se associar indistintamente ao frevo. Com a proibição policial, os porretes foram substituídos por guarda-chuvas, também chamados de chapéu-de-sol, em tamanho natural. De acordo com o historiador Junior Viegas, foi o aumento da presença das mulheres no Carnaval que levou as sombrinhas a diminuírem de tamanho e se tornarem adereços da folia, pintadas com as cores da bandeira de Pernambuco. Logo, a presença das sombrinhas também se incorporou à dança.
DANÇA
Da junção da capoeira com o ritmo do frevo, nasceu o passo. Embora pareça simples, a dança do frevo é marcada pela sua complexidade, com o uso de malabarismos, rodopios, gingados, passos curtos e ritmo frenético. Atualmente, estão catalogados mais de 120 passos diferentes na dança do frevo. Nascimento do Passo talvez tenha sido o maior representante do estilo, influenciando nomes como o cantor e dançarino Antônio Nóbrega.
GRAVAÇÕES
O “Frevo Pernambucano”, de Luperce Miranda e Osvaldo Santiago, lançado por Francisco Alves, em 1930, foi a primeira gravação a receber o nome do gênero. Um ano depois, “Vamo Se Acabá”, de Nelson Ferreira, foi registrada pela Orquestra Guanabara com a mesma classificação. Dois anos antes, ainda com o codinome de marcha nortista, saía do forno o pioneiro “Não Puxa Maroca”, também de Ferreira, frevo gravado pela orquestra Victor Brasileira, comandada por Pixinguinha.
CARNAVAL
No Carnaval de 1950, a pedido de Otávio Mangabeira, então governador da Bahia, o bloco Vassourinhas, de Pernambucano, desfilou pelas ruas do centro de Salvador e causou uma grande animação na população. A presença do clube carnavalesco pernambucano insipirou os baianos Dodô e Osmar a tocarem o frevo num instrumento inventado por eles, o pau elétrico, que viria a ser batizado de guitarra baiana. O ritmo logo ficou conhecido como frevo elétrico ou frevo baiano, reunindo adeptos como Pepeu Gomes, Gal Costa, Moraes Moreira, Caetano Veloso e, recentemente, a banda BaianaSystem. Em Recife, o bloco Galo da Madrugada é responsável por preservar as tradições e executa todos os anos o frevo “Vassourinhas”, de Matias da Rocha e Joana Batista.
INTÉRPRETES
Cantores como Claudionor Germano e Expedito Baracho se transformaram em especialistas no ramo. Gal Costa misturou frevo, dobrado e tintura funk num de seus maiores sucessos, “Festa do Interior”, de Moraes Moreira e Abel Silva. Gal repetiu a dose com “Bloco do Prazer”, de Fausto Nilo e Moraes. Carlos Fernando, autor do explosivo “Banho de Cheiro”, sucesso de Elba Ramalho, organizou uma série de discos intitulada “Asas da América”, com uma seleção de estrelas do porte de Chico Buarque, Alcione, Lulu Santos, Gilberto Gil, Jackson do Pandeiro, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Fagner e Alceu Valença.
PRESENTE
Atualmente, o frevo passa por uma nova transformação. O pianista Amaro Freitas tem tocado o ritmo com influências do jazz. Romero Ferro criou o Frevália, movimento que traz novos arranjos para frevos clássicos. Cantora, compositora e dançarina, Flaira Ferro une os passos do frevo à dança contemporânea.
Raphael Vidigal
Imagens: Pintura de Heitor dos Prazeres; e foto de Antônio Nóbrega por Walter Carvalho, respectivamente.