Zeca Baleiro (Cantores brasileiros)

Telegrama Música

A Prosa:

José de Ribamar é um santo. Zeca Baleiro, o artista, portanto, um diabo. Descendente de árabes, provido no Maranhão, nordeste brasileiro, veio ao mundo para homenagear a crença de sua mãe, o que realizou em partes. Destreza de um rápido gatilho já o acompanhava garoto, assim como a malícia com que embalaria suas cantigas de roda, mas o apelido veio não por estilingue de arma, e sim mania de chupar doces durante a aula, o que lhe garantiu a primeira idéia artístico-literária: fundar loja de quitutes. Explico, o batismo do estabelecimento veio em virtude de sua intuição de menino-músico, “Fazdocinhá”, tradicional re-canto dos habitantes locais.

Mas quando e por que o comércio deixou de ser a habilidade pessoal principal e o profissional tornou-se autor de canções, cantor de bordéis, boates e corações, ninguém explica, garoto. Embora a arte seja assim tão leviana, desvela e prolixa, que há um quê de incorreção, incoerência e prospecção em teus versos, Zeca Baleiro, o menino arredio, hoje abre cortinas de teatro como quem empurra o vidro de rodinhas do box para tomar banho. Pudera, também, sua estréia em gran style foi com Gal Costa (mais encorpado, mãos dadas, vozes calcadas), e assim fica fácil: ainda mais com “a flor da pele” colada ao “vapor barato”, de Jards Macalé e Wally Salomão, magos eclesiásticos.

Da França ao manguezal (influência de tambores, samba, folclore e eletrônicos) percorre o ritmo dos ladrilhos, quadrinhos, prosódias com a língua afiada salivando de creme bucal, espumando como um cão sem dono, abanando o rabo como um gato mimoso, coisas irreais e no entanto verídicas na obra deste desbravador de verdades inalteráveis, mulheres complexas, homens chacoalhados, relações cotidianas. Meio Almodóvar escandaloso, um pouco Woody Allen mais intimista e igualmente neurótico e debochado. Tanto que quanto, seu cordel ária farta transcorre o seio de Hilda Hilst, na “Ode descontínua e remota para flauta e oboé – De Ariana para Dionísio”, musicando bem à vontade obra alheia, à virilidade machucada de Luiz Ayrão, em “Bola Dividida”.

A cronologia se mede se perde com a saudade, nada mais. Por isso o encontro com Fagner e o “Fanatismo” de ambos torcendo pelo mesmo time. O das poesias disfarces de Florbela Espanca, que cavalgas nos cavalos nas velas perdidas de Cecília Meireles, e num rompante deságua o belo “Cantor de Bolero”, invadindo a área, a vertente e a praia de Reginaldo Rossi, Wando, Waldick Soriano, tantos outros, combalidos e adorados, pelo povo, por isso somente homenageados com toda a coroa de louro que merecem, bico de papagaio, de bojuda ave, condão de estrela e mímica palhoça de palhaço.

O blues de Sérgio Sampaio, de trapos e tripas e tipos, relegado ao esquecimento por uma indústria ‘cruel’, revolta com o mesmo emblema, em produção requintada, mostrando todo o talento do compositor para também soerguer dos altos índices de abandono outro autor tão nobre, conflituoso, colega de viagem, estrada e transporte de Raul Seixas. Para completar o figurino, Zeca Baleiro incorpora ao mesmo tempo agora os ternos, os traços, as tintas de Eduardo Dussek, com seu brega-chique de dar dó às dondocas da primeira fila, de dar inveja aos jovens adolescentes mascando chiclete, lambendo pirulito. Mistura de liquidificador aonde vai guaxe, guaxinim, preto no branco together. Delícia!

A Voz urgida com blefes, bafo e blasfêmia vem do “Coração do homem-bomba” (que bate-bate), uma sonoridade grave, redundante, capaz de sentenciar como carrasco (algoz) e conquistar a donzela na cruz (veloz). Encontrado, o tom, a satisfação, não? Zeca sempre atrás de algo novo. É o coelho e a lebre? É a cólera e a febre? Protegido por Oxalá, orixás, meu rei. Queima na “Lenha” “Babylon” e o “Último Pau de Arara”. Promessas, de cidades fantásticas, repentinas, de repente uma Pasárgada de Manuel Bandeira. Rima poesia com sombreiro. Novela mexicana com literatura anglo-saxônica. Voa pra onde haja o onde. Mal e disse o ócio. Costura as altas linhas do tamanco amarelo.

Brinca. É simples, brinca. É refinado, bronca bota bancarrota de lado. O “Samba do Approach” com Zeca Pagodinho cabe borogodó, balocobaco, palavrão, como salienta o parceiro. Tem peito, pino, sonda. Pepino, cozido, cancha. Vês a intersecção entre a tua cozinha e o universo industrial, mercadológico, capital do mundo? Que lhe abre e enfia o invasor goela abaixo? Pois “Despede o patrão”, sapateia sobre o capitalismo gasto, sujo, ultrapassado. Louva em harpas o próprio “Salão de beleza”, de angelical naturalidade. “Vai de Madureira”, bebe perriér senão aperrear. Gírias daqui e de lá. Entre o Uno e o Duo, Unicórnio de aspirina e Gilette. Loção-corte para a cara e medicação pra cabeça. Místico e atual qual uma propaganda publicitária na TV Globo.

Uma coisa sofisticada com qualitá, non é pra qualquer um, não, mermão. Este rapaz é a finesse do dito popular. O infante terriblé francês cinematográfico comendo pão e beijando o padeiro pela manhã. Mandando um “Telegrama”, vendo a luz bela que lá vem ela na passarela. Um montante de interdisciplinaridades completamente indisciplinadas, soltas, igual aquele bolo de notas e moedas brilhosas guardadas pelo Tio Patinhas. Retorcendo ferro com ferrenha autuação. Meio policial, mais pra bandido, banido, bom moço. Rindo, sério. Seriamente, ria. “Cachorro que vê o reflexo da lua na poça da rua”, serpenteando o infalível Millôr Fernandes. Ácido, sobre a cuca uma boina, bata, bonina, baia, touca. Embaixo há os cachos, cash (dinheiro), caia neste enredo do Zeca, Baleiro.

O Verso:

José de Ribamar é um santo. Zeca Baleiro, o artista, portanto, um diabo. Contrações do parto anunciaram que vinha, não com presentes de Três Reis Magos, mirra, incenso e ouro. Ao invés disso: coroa de louro (papagaio), bico de pena (bojuda ave), condão de estrela (mímica de palhoça, palhaço).

Do alto do Mar, anhão. Com erros, com medos, pecados. Pesados dedos, pirulito cantiga de roda (que bate bate). Fundou loja de doces, entusiasmada, inspirada na musicalidade ao anunciar qual um cantor de bolero! O veto, acerto, sortida, é a vida: vinha ele, noutra, mais encorpado, mãos dadas, vozes coladas, à de Gal Costa.

Cordel ária farta. O vapor barato uma flor da pele jaz jards macalé. Hilda Hilst, antes disso, no meio disso, cronologia se mede se perde com a saudade, nada mais. Fagner e o fanatismo, colega de bola dividida com Luiz Ayrão, poesias disfarces de Flor Bela Espanca, cavalgas nos cavalos nas velas perdidas de Cecília Meireles. Sei que tenho feito coisas muito transcendentais, mas é que o maciço me sufoca um pouco a nuca.

Encontrado o tom, a satisfação, não? Voz urgida com balas o coração do homem bomba (que bate-bate). Protegido por Oxalá, orixás, meu rei. Queima na lenha Babylon e o Último Pau de Arara. Voou pra onde haja onde. Trapos tripas tipos, cruel, Sérgio Sampaio. Ternos, traços, tintas, brega-chique, Eduardo Dussek. Mal e disse o ócio. Costura as altas linhas do tamanco.

Brinca. É simples, brinca. É refinado, bronca bota bancarrota de lado. Liquidificador mistura guaxe guaxinim preto no branco together. Samba do approach. Borogodó, balacobaco, tem peito pino sonda. Pepino, cozido, cancha. Uma coisa sofisticada com qualitá, non é pra qualquer um, não, mermão. Este rapaz é a finesse do dito popular. O infante terriblé. Retorcendo ferro com ferrenha autuação.

Vai de Madureira, bebe perriér senão aperrear. Despede o patrão, sapateia sobre o capitalismo gasto, sujo, ultrapassado. Louva em harpas o próprio salão de beleza, de angelical naturalidade. Entre o Uno e o Duo, Unicórnio de aspirina e Gilette. Rindo, sério. Seriamente, ria. Cachorro que vê o reflexo da lua na poça da rua, serpenteando Millôr Fernandes. Ácido, boina bonina baia touca. Cachos cash caia.

Cantor brasileiro

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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