Viver sem pressa, nem urgência de nada

“Em arte, só os preguiçosos são capazes de fazer alguma coisa.” Jagoda Buić

Obra do impressionista francês Renoir

Viver sem pressa, nem urgência de nada. Ouve o cortejo para Tadeu enquanto caminha. Estende a mão a Adílson. Chama-lhe pelo nome do falecido. Hesita, corrige o erro, despista. Manto de velório não serve para o altar. Odete pergunta com medo. Das Neves rejeita com uma expressão séria, em seguida cede. O manto está velho, mas o estado ainda é pleno, portanto da igreja, que cace um feio, furado, amarelo, para o enterro, Odete.

Que traz outro e mostra, à ranzinza Das Neves. De novo faz troça: está bem bonita, enterros são tristes. Então Odete passa um pano na velha, furada, horrorosa, Das Neves com orgulho, diz-lhe em segredo: está perfeita. Tadeu nem na vida, nem Adílson, na morte teria, uma melhor sorte. O homem passou. E passa o concreto. Por sobre os pilares da terra que é bege, gananciosa de tornar-se amálgama do progresso: Das Neves.

Derrama o balde de leite em dégradé. Perseguido por uma abelha, essa espécie instintiva de paz, a mão do homem se assemelha à rachadura da lama na janela. Indo para lá e para cá a revolta mesma: e disse apenas uma, mas mortal palavra: ainda nas fraldas: sem peito a chorar. Derrama de leite: o balde em dégradé: há que virá-lo. A areia incomoda a abelha ao redor. Na banha do porco: borbulha o amarelo.

Mergulha nas águas lodosas e pretas. A pega pela mão para levar até onde pouse a quietude. Como um mosaico aos pedaços que aos poucos se cola. Desmorona à medida que os passos avançam. O sol abafado a cegar os olhos não a impede de ver o brilho: azul, amarelo, vermelho. As bochechas trazem beleza às paredes: abrem sorrisos largos: dentes de leite.

Com simplicidade, de nome único, repete o discurso que é grande por ser: voz do povo. Erma falta. Mergulha nas águas lodosas e pretas. Grita socorro: Tânia, a tabeliã, na manchete. Três codornas a ciscarem rápidas. E não menos aleluias e agonias lhe são tiradas. Apenas aceita feito pedra ante a onda do mar.

Pintura de Pierre-Auguste Renoir

Raphael Vidigal

Pinturas: Obras de Renoir.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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