Verônica Sabino homenageia Martinho da Vila em novo disco

*por Raphael Vidigal

“Mas o talento está em fazer de assuntos velhos assuntos novos, – ou pelas ideias ou pela forma” Machado de Assis

Verônica Sabino tem uma máxima. Ela acredita que, se você é brasileiro, “sabe cantar pelo menos uma ou duas canções de Martinho da Vila”. “E isso mesmo não sabendo ligado ao samba”, esclarece. A cantora carioca, filha de ninguém menos que o cronista belo-horizontino Fernando Sabino (1923-2004), acaba de colocar na praça “Meu Laiaraiá: O Samba de Martinho da Vila”, disco homenagem ao autor de “Disritmia”, “Pra Quê Dinheiro?” e “Canta, Canta, Minha Gente”, todas presentes no repertório que ela divide com o violonista Luís Filipe de Lima, craque do gênero que, entre outros feitos igualmente notáveis, produziu em 2010 o excelente “Breque Moderno”, com Marcos Sacramento e Soraya Ravenle. “Martinho da Vila é patrimônio da nossa cultura, faz parte da nossa memória musical”, vaticina Verônica, que, durante a pandemia, realizou uma live.

O que te impulsionou a gravar um disco em homenagem a Martinho da Vila?
Costumo dizer que não sou eu que escolho as canções, são as canções que me escolhem. Com Martinho da Vila foi exatamente o que aconteceu. Uma espécie de encantamento, ao assistir uma apresentação intimista do Martinho, acompanhado apenas de violão e pandeiro. Daí surge o desejo de dar esse mergulho em seu repertório.

Como foi contar com o Luís Filipe de Lima nesse trabalho?
O processo musical de criação desta homenagem ao Martinho da Vila teve a marca do encontro. Do encontro com um repertório que vai muito além do samba e de canções belíssimas. E do encontro com Luís Filipe de Lima, que sempre admirei. Dar este mergulho de mãos dadas com o Luís Filipe fez toda diferença. Ele sabe tudo de samba, além de termos em comum esse encantamento por nossa música e suas histórias, uma super sintonia mesmo. E na mesma medida em que fui apresentada ao repertório maior do Martinho numa curadoria nota dez, pude contar com um artista brilhante executando as canções no violão de 7 cordas. Luís Filipe toca muito, com sensibilidade e elegância. Um luxo de parceria.

Que critérios guiaram a escolha do repertório e o arranjo das releituras?
No princípio houve a dificuldade em abrir mão de canções, o que é mais do que natural num repertório como o do Martinho. Queria fazer “tudo ao mesmo tempo agora!”. Mas o processo vai naturalmente estabelecendo critérios, o coração vai apontando os caminhos, a identidade com as letras, as melodias, as histórias sendo contadas nas canções. O desejo por um recorte mais pessoal, afetivo foi ficando claro nas escolhas. E essa vontade de apresentar as canções desnudadas, suas nuances e delicadezas num formato duo de voz e violão, que Luís Filipe soube tão bem perceber e traduzir. É o nosso “Meu Laiaraiá” em homenagem ao Martinho da Vila.

Na sua opinião, qual a principal marca da obra do Martinho da Vila? O que a diferencia das demais e a torna identificável logo na primeira audição?
Mestre de brasilidades e ancestralidades através de suas canções, de sua literatura e de sua trajetória, para mim Martinho da Vila é um ídolo. Sua obra nos dá acesso a um Brasil de nobreza de valores, da solidariedade, de união. Nos apresenta histórias de amor, de amizade, de alegria, trazendo o Carnaval, a avenida e o samba como cenário. Tudo isso junto e misturado com muito suingue, batuque e belezas. Em melodias belíssimas, sofisticadas, num jeito de cantar que é único. Martinho é Brasil na veia e Rio de Janeiro no coração.

Como tem sido trabalhar esse disco em meio a uma pandemia?
Trabalhar este disco, assim como os shows que temos feito em formato live, sem público presencial, tem sido um grande desafio profissional, dentre tantos desafios impostos por este momento. É sair do conhecido, da zona de conforto. Mas como tudo na vida tem dois lados, existe uma reconfiguração positiva também, nas novas possibilidades de interação, de viabilização, de parcerias, de compartilhamento. É o momento de ousar, arriscar, de se reinventar mesmo. E, dentro deste cenário, “Meu Laiaraiá: Ao Vivo” tem sido muito bem recebido, isso é maravilhoso, e tem ainda mais valor pelo contexto do momento. A verdade é que nós somos como a água, vamos encontrando um caminho, não é mesmo? O importante é estarmos em movimento…

O que esse álbum tem a dizer de mais importante para o momento que o Brasil vive?
Atravessar este momento pandêmico, onde perdas humanas são imensas, diárias, sem uma política coesa, direcionada, inteligente e humanitária, potencializa um senso de instabilidade, um desnorteamento mesmo… Tanto no individual como no coletivo. Dentro deste cenário, os movimentos culturais em andamento atuam não só como expressões artísticas propriamente, mas também como ações de resistência e sustentação. A arte sempre teve esse papel, o de preservar a nossa unidade, nossos valores, nossas alegrias, a saúde de nossas almas. Nesse sentido, lançar “Meu Laiaraiá: Ao Vivo” neste momento é precioso demais. Passear por este repertório neste momento é um ativador dessa força, dessa resiliência, dessa resistência mesmo. É como diz a canção: “Vamos renascer das cinzas”.

Pretende homenagear outros compositores em disco?
Sem dúvida, ainda mais depois dessa experiência com o repertório do Martinho da Vila. Eu e Luís Filipe andamos tendo pensamentos, ideias é que não faltam para um próximo trabalho, mas ainda estamos muito envolvidos com o “Meu Laiaraiá”. Mas, quem sabe? O Brasil tem artistas maravilhosos, compositores absolutamente geniais… Vontade não falta!

Foto: Canal Brasil/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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