“… cênicas nuvens com a lua cravada
num fundo azul pedras
cortadas por uivos
de um vento bravo.” Deh Mussulini
Deh Mussulini, “fazer música que não se desvincule do feminino/feminismo e da espiritualidade. Meu desejo: pudera minha música curar as dores da alma.”
Ouvir Varanda Aberta é sermos tomados de assalto como em vigília do sono: melodias que silenciam e ecoam num espaço etéreo de sensações, refazenda de memórias.
A mata sonora quer dançar/ utê utê utê utê andaiaia/ furar o chão igual tatu, todo em terra mergulhar/ topar subir num jatobá e ver o céu se aproximar/
Cada processo criativo desnuda-se de formas sutis e inusitadas na feitura do disco, Deh Mussulini nos diz: um apanhado de músicas que fiz sobre o universo feminino num viés mais existencial: o filho no ventre, campos santos de Dona Música, a paixão e o envelhecimento em Fé Menina.
Varanda Aberta uma união entre o céu e a terra, numa mística fermata executada pelas deusas milenares.
Sob a égide de Hildegard Von Bingen, mulher, poetisa, musicista, teóloga, abadessa, talvez a primeira feminista da história, busquemos um enlace de uma mulher do século XII e Deh Mussulini, mulher do século XXI que do salto não vai mais descer; com as devidas proporções de tempo, espaço e sociedade.
Por vezes temos medo de fazer tais comparações, aqui, me vejo em primeira pessoa:
Ao conhecer a música de Deh Mussulini, imediatamente veio a visão em estado lúcido: a comparação com Hildegard Von Bingen, foi um arrepio musical, daqueles assombrados de quintessências, um aparato de sensações e ao ouvi-la cantando para uma plateia quase toda masculina no Centro Cultural da Pampulha ocorreu-me novamente a visão, desta feita, vendo Hildegard Von Bingen lá no século XII, sair a pregar suas visões e revelações.
Voltemos às varandas: padronizar Varanda Aberta em um estilo musical é prender a mística da música que cura, alivia, sensibiliza e criado-ra de mudança.
Grita a mudança que a libertação se aproxima/ escondida Pros olhos não vê/ Que aí o coração não sente/
Gálbano: assim é a composição musical do disco que percorre entre pedregulhos modernos de sentenças e padrões.
Oxalá todos pudessem inebriar-se abertos aos ventos, aos girassóis, amar sem pudores, olhar sem pecados, explodirem em furacões de sonhos.
Sou ainda uma menina/ com a mesma sina de querer o tempo/ o bom de antigamente/
De uma mulher que se sabe, de uma música que se movimenta, de uma mística moderna, uma essência musical que escorre pelos ouvidos perfazendo o caminho mais longo: da mente ao coração.
Elisa de Jesus – Convidada especial do blog Esquina Musical
(Poeta e escritora, natural de Ubá, cidade da Zona da Mata Mineira, terras de Ary Barroso).
Fotos: Henrique Bocelli; e Paula Huven, respectivamente.