Um telegrama musical para Waldir Silva

“Como um veludo que passa, acalenta e amacia
É a vida da gente, e o que tem de melhor
É nesse amigo se espelhar, com devoção” 

Waldir-Silva

Conheci Waldir Silva no programa “A Hora do Coroa”, transmitido aos domingos de manhã na rádio Itatiaia, sob o comando de Acir Antão. Estava in loco no estúdio, e o admirei pessoalmente. Como de costume carregava ao colo o inseparável cavaquinho. Poucos segundos de atenção foram suficientes para perceber o laço de afeto e necessidade a unir o homem ao instrumento. Mal me dei conta que sempre o ouvia no momento exato do sol de quase meio-dia obrigar o relógio a marcar as onze badaladas e “Zíngara”, uma canção-rumba de Joubert de Carvalho e Olegário Mariano lançada por Gastão Formenti, aparecer deslumbrante na execução do mestre. Não a toa serve de prefixo musical do atrativo há mais de quatro décadas.

O nosso próximo encontro seria ainda mais decisivo na relação a se estabelecer dali por diante. Ouvindo no rádio o mesmo programa no qual o acompanhei de perto não consegui negligenciar a história sobre uma melodia carente de letra após a morte do jornalista incumbido de tal tarefa. O locutor, ainda por cima, convocava os aspirantes ao gesto. Ao que me candidatei. Então a tarefa árdua tornou-se gratificante ao tomar corpo na voz de Lígia Jacques, a cantar os versos propostos por mim para o chorinho “Apenas duas lágrimas”, em espetáculo no Conservatório da Universidade Federal de Minas Gerais, através do projeto “Pizindin – Choro no Palco”, com a produção de Lilian Macedo e o acompanhamento de diversos compadres.

Não muito depois, em outro show no mesmo local, Waldir me encomendou a feitura de mais duas letras, para as melodias de “Veludo”, dedicada ao amigo acordeonista, e outra em louvor ao ídolo Waldir Azevedo, intitulada espertamente por ele de “Uma Saudade (Ao Meu Xará)”. Ao contrário da outra letra, estas exigiram um tempo maior para o nascimento, e chamei para participar comigo do processo o meu chapa André Figueiredo, cuja contribuição injetou musicalidade e precisão aos temas. Então embalamos e passamos nós a requisitar melodias ao mestre. Ao final de seis meses tínhamos prontas quinze letras colocadas sobre chorinhos, valsas, mambos, samba, baião e um dobrado de Waldir Silva.

O projeto cresceu e requisitou a presença de músicos talentosos e aclamados no cenário brasileiro, sem nunca receber uma negativa, pelo contrário. Lucas Telles prontificou-se a conceber os arranjos e tocar com a tua banda, “Toca de Tatu”, formada ainda por Luísa Mitre, Lucas Ladeia e Abel Borges. Os cantores Mauro Zockratto, Lígia Jacques, Carla Villar, Giselle Couto, Natália Sandim, Violeta Lara, Luana Aires e Acir Antão, além do produtor musical Geraldo Vianna e de Ricardo Cheib, engenheiro de som do estúdio Bemol, compraram de imediato a idéia de dar a luz ao ambicioso e sentimental “Waldir Silva em Música & Letra”. A notícia foi levada ao mestre que, com o hábito dos gênios da raça, sentiu-se humilde e lisonjeado.

Nada além do mínimo para quem tanto deu à música de Bom Despacho, Pitangui, Belo Horizonte e todo o mundo onde ressoou tua obra de qualidade técnica e sentimento raro. Numa das idas à tua casa, quando a intimidade já nos permitia tais contatos, mostrei-lhe uma a uma as letras, ao que se emocionou e apontou melhoras a serem postas em prática, como a diminuição do andamento para o “choro cantado”. De outra, estava empenhado em gravar as marchinhas para um trabalho a ser lançado na internet, e me mostrou ao cavaquinho, em uma sessão particular e especial, algumas delas. Evidentemente não pude disfarçar a alegria do privilégio, e o cumprimentei seguidas vezes como um ousado tiete.

Da última vez que nos falamos, pelo telefone, era para estender o convite, feito por Lucas Telles, para cantar uma música do projeto à sua escolha. Waldir rejeitou, disse que preferia ficar “apenas admirando os cantores de verdade”, e tocando com muito agrado o amado cavaco. Ainda deu tempo de Waldir ouvir a execução da música “Veludo”, com letra, cantada por Mauro Zockratto e o acompanhamento dos violões de Lucas Telles, registrada no estúdio Bemol, numa homenagem prestada na data de seu último aniversário, justamente onde o conheci, no programa “A Hora do Coroa”. Ele se emocionou e agradeceu. No dia seguinte, me ligou para agradecer de novo. Infelizmente não pôde ver a conclusão do trabalho com inscrição prevista para o final deste ano na lei de incentivo à cultura, a ficar pronto em 2014. Mas há de ver ainda. Lá de cima, a bordo de seu cavaquinho. Quem agradece sou eu. Obrigado, Waldir Silva!

(28/05/1931 – 01/09/2013)

Waldir-Silva-Telegrama-Musical

Raphael Vidigal

Lido na rádio Itatiaia por Acir Antão em 08/09/2013.

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15 Comentários

  • Muito lindo Raphael. Sua mensagem e interpretação da Lígia Jacques me emocionaram muito. Feliz de um homem igual o Waldir cuja matéria se vai mas a obra permanece para sempre na história. Gratíssimo pela amizade dedicada a ele. Um grande abraço….

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  • Raphael querido, acabei de saber, agora à tarde, da passagem do nosso querido Mestre Waldir…Estou muito triste…Grande perda para a música brasileira e pra todos nós que tivemos o privilégio de conviver de perto com ele! Uma pessoa extremamente humana e generosa! Ele viverá pra sempre nos nossos corações! VIVA WALDIR SILVA!!!

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  • Lindo seu texto,! Raphael Vidigal, fiquei emocionada. Com certeza, Waldir merece essa homenagem…

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  • De emocionar!!! É bom saber como o projeto começou: a passos curtos e delicados… tateando de leve cada estrofe e gesto.

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  • Lindamente linda sua reportagem… Que texto!!! Me emocionei muito! Só tenho a agradecer pela ótima leitura!!! Parabéns mais uma vez! Obrigado… <3

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  • Obrigado Raphael. Ouvi com muita atenção e carinho. Como já manifestei anteriormente estou gostando muito do trabalho e torço que haja continuidade. Meu querido irmão Waldir Silva merece todas as homenagens do mundo. Sou um privilegiado por que sei quantas pessoas desejariam ter a felicidade de ser irmão de verdade do Waldir como eu….. grande abraço

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  • Hoje o Acir Antão, no seu programa de domingo A Hora do Coroa, prestou uma bela homenagem ao Waldir Silva. Inclusive com a reprodução de uma entrevista gravada com o Waldir dia 09/06/13, com a participação do Raphael Vidigal.Eu estava lá. Muita emoção.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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