Um observatório sobre Lobão: cercado de polêmicas políticas e musicais

*por Raphael Vidigal e Iara Oliveira

“Todo bom artista é um criador de problemas!” Lobão

João Luiz Woerdenbag Filho, mais conhecido pelo nome artístico de Lobão (Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1957) é um cantor, compositor, guitarrista e baterista brasileiro. Sua carreira começou aos dezessete anos, depois de sair de casa formou a banda de rock progressivo Vímana, da qual faziam parte Lulu Santos, Ritchie, Luis Paulo e Fernando Gama. Três anos depois, fundou a banda Blitz com Evandro Mesquita, Fernanda Abreu e outros. Foi o baterista do primeiro disco, mas inconformado por não ter suas músicas incluídas no álbum, saiu do grupo antes mesmo do sucesso comercial.

Em 1982 inicia carreira solo com o lançamento do disco Cena de Cinema. Logo em seguida forma nova banda, Lobão e os Ronaldos lançam o disco Ronaldo foi pra Guerra, que tinha no repertório a canção Me Chama, maior sucesso comercial do músico e música mais executada na década de 80, sendo regravada por vários artistas do cenário musical brasileiro, dentre eles o ícone bossa novista João Gilberto.

Depois disso Lobão é expulso da banda por mau comportamento e torna-se novamente um artista solo.Lança de 1986 a 1991 seis discos, dentre eles Vida Bandida em 1987, no período de 1 ano em que ficou preso por porte de drogas. Em 1991 sobe ao palco do Rock in Rio II com a Bateria da Mangueira e se apresenta para uma platéia formada por adeptos do Heavy Metal. Recebe uma vaia histórica, xinga a platéia e se retira do palco. Argumenta que o público não entendeu que não havia nada mais rock´n´roll que misturar carnaval e rock nos anos 90.

Em razão disso se afasta dos holofotes e fica quatro anos sem gravar nenhum disco, dedicando-se a estudar violão clássico. Em 1995 inicia um projeto que tinha como objetivo lançar uma trilogia de discos que dialogariam entre si. Nostalgia da Modernidade é o primeiro dessa trilogia e mistura samba, chorinho e rock. O segundo, Noite, lançado em 1998 mistura rock e música eletrônica, sendo consagrado como o maior fracasso de vendas da carreira do artista. Em 1999 entra em atrito com a sua gravadora, a Universal, após se recusar a participar de uma campanha contra a pirataria de cds. Resolve sair da gravadora e diz: “existe a pirataria paraguaia, essa dos camelôs, e a oficial, feita pelas gravadoras”.

Lança pela primeira vez então um disco que sai apenas nas bancas de jornal, intitulado A Vida é doce, e que dá fim á trilogia, aclamado posteriormente como melhor trabalho da carreira do músico, recebendo vários prêmios e críticas favoráveis. Além disso a outra novidade do disco é a numeração, lei que Lobão juntamente com a deputada Tânia Soares, os cantores Beth Carvalho e Frejat, além de outros artistas que apoiaram, conseguem aprovar no Congresso.

Já estabelecido no mercado da música independente, Lobão lança em 2001 o cd ao vivo, Uma Odisséia no Universo Paralelo, por sua própria gravadora, também chamada de Universo Paralelo, no qual dedica uma canção a Caetano Veloso, Mano Caetano, alfinetando o músico baiano que havia feito anteriormente Rock´n´Raul, onde acusava Raul Seixas de ser subserviente à música dos Estados Unidos.Em 2003, o músico cria a revista cultural OutraCoisa, em parceria da L&C Editora, tornando-se também editor da revista que tem como intuito além de realizar matérias culturais, explorar o ambiente independente da música brasileira e lançar a cada edição um músico novo, através de cd que viria junto pelo preço de R$ 11,90 a R$ 14, 90 em média.

Em 2005 sai o seu último cd lançado por uma gravadora independente, em sua revista OutraCoisa, intitulado Canções dentro da noite escura, onde homenageia Cássia Eller, Júlio Barroso e Cazuza. No ano de 2007 volta ao centro das polêmicas ao abandonar a carreira independente e assinar contrato com sua antiga gravadora, além de fechar acordo para gravar um Acústico MTV.

É muito criticado por público e imprensa e acusado dentre outras coisas de oportunista e incoerente. Argumenta que foi responsável pela decadência de tamanho e poder das gravadoras, e que sua experiência no mundo independente já havia chegado ao fim, sendo o retorno ao main stream da música brasileira o caminho natural a ser feito. Diz também que “no país do mensalão não dá pra ficar lutando contra o jabá”, causa antiga do cantor, que se refere ao dinheiro pago por artistas para terem suas músicas tocadas no rádio e aparecerem em programas de TV.

O álbum ganha o Grammy Latino como melhor do ano, mas fracassa nas vendas. Além disso Lobão se envereda também como apresentador de TV, primeiro em 2005 na PlayTV, apresentando o programa de entrevistas Saca-Rolha, com Marcelo Tas e Mariana Weickert. Já em 2007 assina com a MTV, onde apresenta o Debate e o Código, onde os artistas novos aos quais ele deu voz em 2003 com a OutraCoisa, agora cantam suas músicas na TV. E em 2008 Caetano Veloso lança a irônica “Lobão tem razão”, em homenagem e resposta ao cantor.

“Amo e detesto o Caetano. Um sentimento ambíguo, mas fui influenciado por ele e não nego a minha história.”

“O grito é o mantra do condenado.”

“Eu acho a música brasileira frouxa, vítima, católica. Já ouviram aquela ´O que será?´ de Milton Nascimento? É uma vergonha”

“Imagine se eu fosse ficar preso a cobranças do tipo “O Lobão fez isso ou aquilo”. As pessoas não entendem que não sou medíocre.”

“Você junta a filosofia de vida que vivemos com toda a inoperância desse sistema com a flacidez comportamental da classe artística, da maioria dos pensadores, dessa intelectualidade de esquerda que fica com namoro embevecido pela singeleza da pobreza e temos o que temos. Chega de “Caminhando e cantando”, “sou coitado”, vamos ser ricos!”

Perguntas:

1- Analisando-se a carreira de Lobão, percebemos que a força motriz de seu trabalho é a de um movimento contra a sacralização do que já está consagrado e em direção ao que representa o novo e de qualidade. Dentro disso ataca figuras como Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, João Gilberto, entre outros, como, por exemplo, nessa frase: “Eu acho o Chico Buarque um horror, um equívoco, um chato, um parnasiano. O Olavo Bilac é muito mais moderno que ele. Ele faz uma música anêmica, sem energia, sem vivacidade, parece que precisa tomar soro. A Bossa Nova é a mesma coisa, uma música easy listening, que toca em loja de departamento quando a gente vai comprar uma meia.” Diante disso fica a pergunta, qual o papel e qual a importância desse tipo de discurso na sociedade? O que ele gera nas pessoas?

O discurso de Lobão representa um movimento anti-comodista, que procura desestruturar a ordem de um ambiente viciado e fechado, o mercado artístico brasileiro. Suas declarações geram polêmicas principalmente pelas frases de efeito que emprega, e com isso se faz ser ouvido por grande parte do público que pretende atingir. Sua importância se dá em razão do poder de gerar alguma reação por parte de todos, tanto os que se posicionam contra quanto os que se posicionam a favor das causas do artista, pois seu objetivo maior é justamente o de gerar movimento e desestabilizar algo que já está acomodado e pronto.

Esse discurso provoca em geral um certo desconforto por parte daqueles que já estão habituados com o consagrado e velho, e se assustam quando a possibilidade de uma mudança acena. Além disso imprime à imagem do cantor um ar de antipatia e arrogância, muito em razão da forma ora agressiva, ora irreverente com que se expressa, da mesma forma com que congrega adeptos e simpatizantes. Também não podemos nos esquecer da demanda do mercado de show business em definir e limitar o perfil das personalidades.

2- As ações pró-independentes de Lobão e sua volta à grande mídia em seguida têm alguma representatividade ou significam apenas oportunismo do cantor?

A aventura de Lobão no mercado da música independente foi o prenúncio da mudança maior que viria a seguir, com a diminuição considerável do poder das gravadoras.
Fora isso representou um caminho nunca antes traçado nesse meio, a de um artista que após assinar com uma grande gravadora e se tornar sucesso radiofônico traça o caminho inverso, migra para o universo independente e se exila das rádios e mídias tradicionais.

Além do pioneirismo esse movimento foi representativo pelas ações que vieram a seguir, como a lei de numeração de CDs aprovada no Congresso pelo cantor, a criação de sua própria gravadora independente e de sua revista com CDs a preços acessíveis.

A volta do músico à grande mídia tem sim um viés de vaidade e ego do cantor, como ele mesmo declarou em entrevistas, mas mais do que isso, significa a invasão cada vez mais forte de músicos independentes e novos no mercado da mídia tradicional, famoso por seus vícios e estruturas fechadas, caminho aberto pelo próprio músico com seus programas de TV que fazem propagandas desses e suas declarações em defesa dos mesmos.

3- A aventura de Lobão no mercado da música independente mostra que ele antecipou uma tendência que vem se tornando cada vez mais forte com a decadência das grandes gravadoras e o surgimento de bandas e artistas novos via web. Diante disso fica a pergunta, o mercado independente já consegue sobreviver sozinho? Sem a necessidade da existência das grandes gravadoras?

Embora a web ratifique sim a tendência dos artistas se tornarem cada vez mais independentes com relação às grandes gravadoras e mídias tradicionais, ainda é muito cedo para se decretar o fim delas ou a independência total com relação a elas, tendo em vista que embora haja um embrião de coisas novas surgindo, o que se destaca mercadologicamente ainda é em grande parte em função da aparição nessas mídias tradicionais, e quando não, é inevitável a inserção também nelas desse novo produto de forte valor no mercado.

Assim como só é possível a Off Broadway em razão da existência da Broadway, só é possível que haja um mercado de música independente se houver também um mercado da música tradicional. A tendência é que a música independente se torne mais representativa e forte, mas não que ela decrete o fim das grandes gravadoras e grandes mídias.

4- Ao mesmo tempo em que Lobão critica mitos consagrados da MPB e se põe à margem de um movimento de homogeneidade da identidade cultural e musical brasileira, se apresenta com a Bateria da Mangueira em um show de rock, canta chorinho e samba. Defende o cenário musical independente e trabalha como apresentador de uma grande rede de televisão de música (MTV). Diante dessas atitudes, que parecem lhe conferir um ar de incoerência, podemos defini-lo como um artista marginal ou pop?

Como muitos poetas já disseram, ser coerente nem sempre é a questão, as convicções que temos podem ser mais ricas se forem volúveis. Lobão não adota suas posições em função da maré, pelo contrário, na maior parte do tempo contra ela, e não apenas em função de construir uma imagem de bad boy, mas sim de argumentos bem definidos.

Está claro que existe uma questão de ego e vaidade do cantor ao aparecer nas grandes mídias falando mal de celebridades até então intocáveis, mas mais do que isso, representam uma posição de inconformismo e não subserviência àquilo que seria perfeito e irretocável, o que Lobão quer mostrar é que nada é, nem mesmo Chico Buarque. Dentro dessas posições e de suas ações independentes Lobão pode sim ser classificado como marginal ou maldito. No entanto, seus sucessos radiofônicos como músico, assim como de audiência na TV como apresentador e sua imensa vontade de estar sempre aparecendo em todas as mídias, tanto as grandes como as pequenas o transformam em um artista que poderia ser classificado como pop.

Nesse sentido, Lobão é uma figura emblemática, pois, resumindo, ele atende à atual demanda do mercado artístico, sendo um misto entre os dois, rebelde e louco aos 50 anos para uns, decadente e previsível para outros, sendo que o que importa é que ele é um artista que se posiciona de maneira firme, a favor das causas independentes, e que invade e leva essa onda ao mercado tradicional para o qual trabalha.

Produzido para a matéria de Antropologia do curso de Jornalismo da PUC Minas em 2008.

Fotos: Rui Mendes; e apresentação no programa “Som Brasil”, da TV Globo, homenagem a Raul Seixas em 2012, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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