Peça com Denise Fraga provoca riso quase lágrima
Chuva cai morna em nossos lares. Enquanto espectros esparsos esperam graças, quatro personagens rodeados. Denise nos espera na porta. Sorriso franco. Sorriso oco. Camaleônico. Inspeciona o palco com os tamancos da representação. O ar e a pausa são inevitáveis para a comédia dramática.
Preciso me aquietar, aconchegar na cadeira. Mas aquela sobrancelha lagartixa me penteia. Perde o rabo, e segue à espreita, língua de fora gruda na asa do mosquito.
Papo do dia: Meninas brincando como gente grande: ou gente grande brincando de ser boneca? Júlia Novaes, Isabel Wolfenson, Verônica Sarno, Paula Ravache, ferro em touca de sino, a aspiração da adolescência ferve à fumaça de xícara de café borbulhando.
“Porque
este amor ao cais
se o que espero não viaja?”
Parecem dizer os casais em uníssono com o poeta Roldão Mendes Rosa, soneca de imagens inglesas aparentadas em cenário vazado, crasso. Vazam as fímbrias e algas alagas e cruzes dentro do lodo frutífero de Frida Kahlo, na pintura “Raízes”. A autora Anya Reiss escreveu a peça inerte em seu quarto. O verme, o perdão, o teatro, tudo voa.
E pós algo espaços flutuantes a regozijamos na nossa sala de TV (assistindo Batman), nossa festa de aniversário (choro convulsivo escracho), crosta de união selvagem (escravo basto). Um prazer em ridicularizar o outro, ‘imagem e semelhança’, dança Deus, bem diz Nietzsche. “E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.”
Vicky e Nick, síndrome de traições, chicotes, taças de vinho em corpos de plástico, aço, (tudo ilusão): carne e osso. Kiko Marques, um monstro andrógino, mito sagrado, camufla intencionalidade à desfaçatez irritante. Sulforosa expectativa quebrada por Nelson Rodrigues, quando a mãe passa ao quarto e ignora a cena ao lado. Kauê Telloli, juventude James Dean, cinismo Humphrey Bogart.
Delilah, uma Júlia Novaes delirante, auspiciosa, concentra em ti o âmbito dos problemas seculares de solidão, convivência e humilhações. Virgínia Buckowski imita de esgueira o quase xará em seu isolamento absoluto e ingênuo, perdida em frases de parede pichadas na madrugada, no açoite: almeja o conforto, cava o buraco.
Que encerra e enterra a voracidade com que pés e mãos e ombros e olhos e algarismos romanos soturnos diurnos gregos debatem-se. O miolo universal do pão descascado em cena com bom agouro e humor sórdido, inteligente, petulante. A gente se amesquinhando e apequenando frente à essa vida gruta que se impõe a nós (cordas, mulheres e homens). Através dessa loucura poder dizer coisas concretas: “que é como se as coisas mesmas se aproximassem e se oferecessem como metáforas…” Nietzsche
‘A Parábola do Rico Insensato’ de Rembrandt e a efeméride de Jorge Luis Borges soerguem o arado da vertigem molestada: “descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem do seu rosto”.
Raphael Vidigal
10 Comentários
Muito bom!!!!
Texto sempre leve, mas pesado de sensações!
Muito obrigado pela análise e elogio, Alessandra! Volte sempre =)
texto foda! poético e cheios de referenciais inteligentemente colocados….
Muito obrigado, Andressa!!! =)
Valeu Raphael, bem bacana, abs! Vou encaminhar pro pessoal!
Eu que agradeço, Kauê! Grande abraço
Com um pouco de atraso (apesar de ter lido seu texto há algum tempo): Adorei a crítica poética!!
beijos!
Agradeço a sua participação, Júlia. Sua presença no espetáculo motivou boa parte da inspiração. Volte sempre à BH e ao site! Beijos
a denise é engraçada até falando sério.
gostaria de ideias para como fazer uma peça teatral sobre a parábola do rico insensato .