Brasil aproxima-se da África em projeto inspirado da dupla
Descontraídos e afiados, Arnaldo Antunes e Edgar Scandurra conduzem o mastro do navio que leva o Brasil até Mali. Com a baixa do escriba africano Toumani Diabaté a curva acentuada da cintura que se avista ao longe suspende o movimento por breves momentos, a fé a desembocar ferozmente num açoite intencional.
Percalços sugeridos na travessia pela falta que um homem faz são logo repudiados com doses cavalares de adrenalina imanada por ecos, senhas, guitarra e tambor. O chão do convés é terremoto. As velas aglutinam-se em vulcões. Uma agitada tempestade resoluta abrange o cosmos do Sesc Palladium.
São vistos macacos nos galhos, siris no assoalho, crianças brincando na lama em harmonia e devassidão. Um menino cruzando facas no horizonte e mastigando-as com os dentes, caminha rente ao fiel escudeiro, que por vezes toma a cena de assalto e rouba a tensão dos marinheiros aportados em terra firme.
Rabos de sereias acenam do maçante mar. Bocas de peixes grudam bochechas em anzóis. Quem puxar a linha receberá um quadrilátero de presente, ou cubo mágico, ou pentágono. O olho de ver é o fosso radiante. A palma de escutar soterra imagens. O palmo na cara da cara da farta mesa. Sirva-se. Ou servo a nós.
Concernir ao diamante malogrado a convergência, filha e mãe. Não pérola, nem cristal. Areia, pedra, unha suja da menina Elisa a bagunçar meus cabelos. E eu não ligo. Porque danço no ritmo da inocência. Tão bonito. Apurando os espetos moles, firmo os ossos em ondulatórios chocalhos de pau. O braço esticado pega banana no pé, ir, mão.
Pegadas dos rapazes escondem a guerra assolada em lares destruídos por revoluções. Chaminés imitem o sino de fogo, fogão. Tudo só pó e Cia. Crava crendo camufla as penas os panos e as piras do pergaminho. Solicitude ao rock’n’roll de espinho e espinha dorsal. Cabeça dinossauro, coração leão. Robusta menina flama os calos com energia vagarosa vagando vagões. Gelatina um perfume de ostras noir. Com a elegância do mito irado e transversal, tribalista, tribal.
Pausa para reflexão. Luis de Camões. Rimbaud a Haroldo de Campos. Pessoas de campos e Álvaro, alvo, mármore. Heranças luso-afro-brasilis. Inflexão: transmite o mel das acácias, luneta, acrobatas, abelha para beber: “Se ando cheio, me dilua. Se estou no meio, conclua. Se perco o freio, me obstrua. Se me arruinei, reconstrua.” Distribuo honrarias em cada parte. Extrapolo convenções e declaro, plágio: “Sou o intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim…”
Açudes conservam muito além do jardim, da TV, da basílica de Santo Antônio, crismas, cantos gregorianos do cisne que passeia ignóbil no vaivém da lagoa pintada com aquarela de quermesse barata. Que delícia. Sol e fuligem a crepuscular o que faltava. Lupicínio, bandeira branca, Dalva. Suores retornam às cabanas. Sacolejando o tronco, com o saco de ouro cheio, o Senhor agrura o Aleluia final.
Ritual proscrito, velo-me atenda, Atenas, a fenda, à tenda cristã.
Raphael Vidigal
8 Comentários
“O chão do convés é terremoto. As velas aglutinam-se em vulcões. Uma agitada tempestade resoluta abrange o cosmos do Sesc Palladium.”
Também tive a mesma sensação, hehe.
Ótimo texto, abraço.
Muito bom, meu caro!!! Arnaldo Antunes tem uns trocadilhos bacanas! Vc soube usá-los bem!
ahhh!!! e nao posso deixar para trás o q tem de mais presente no seu texto: Um show de sensações!
muito bonita raphael, parabens!
abç
Agradeço Rodrigo Aroeira, Alessandra Prado e Livia Salles pelas análises e atenção! ^^
Olá, Raphael
Obrigada pela informação.
beijos e obrigada
Eu que agradeço, Carina. Beijos
Já fui num show deles no sesc palladium. Foi uma sensação estranha, mas valeu a experiência. Como sempre, belo texto!
Muito bom!!!!!