Rainha do Xaxado: Marinês E Sua Gente

“Mas são capazes de plantar banana,
Se a noite é das que chove canivete.
Porém se há sol ninguém se afana,
A turma não se mexe nem se mete,
Pois se poupa e prepara-se com gana
Que a Lua um Baile Jericó promete.” T. S. Eliot

marines

Quem disse que acabou-se a monarquia no Brasil é porque nunca ouviu Marinês, autêntica rainha do ritmo e das tradições nordestinas. Nascida em meio à Asa Branca e o pandeiro de ícones do forró, do xaxado e do baião como Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, Marinês deu seus primeiros passos na terra seca e amarelada do sertão pernambucano, mas foi em Campina Grande, no interior da Paraíba, que conheceu seu marido Abdias e formou com ele o “Casal da Alegria”. Logo, os dois se juntaram ao zabumbeiro Cacau, completando o conjunto que começaria excursionando pela região nordeste e em breve ganharia todo o Brasil, toda sua gente. Trazendo a sanfona, a zabumba, o agogô e o triângulo na sacola, Marinês tornou-se a primeira mulher a liderar com coroa de cangaceiro na cabeça um grupo de forró.

Disparada (moda de viola, 1966) – Geraldo Vandré e Theo de Barros
A rainha que cantava com malícia e força ganhou logo de cara delatores e admiradores. O pai, embora fosse seresteiro, não a queria como cantora, e por isso ela resolveu que a partir daquele momento não seria Inês Caetano de Oliveira, seria Maria Inês, que por descuido de um radialista apressado, receberia em seguida novo batismo: Marinês. Além disso, padres católicos pediam aos fiéis que não comprassem seus discos, considerados pecaminosos e de mau gosto, embora sua mãe fosse cantora de igreja. Para completar, a rainha sofria ainda com o preconceito que vinha das outras regiões do país, que reagiam com pudor e desdém à música nordestina. Apesar de tudo, Marinês prosseguiu soberana entre sua gente e foi ao encontro do Rei do Baião. Luiz Gonzaga a coroou de imediato “Rainha do Xaxado”.

“Prepare o seu coração
Pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar”

Gírias do norte (coco, 1961) – Jacinto Silva e Onildo Almeida
Quando desembarcou no Rio de Janeiro, trazendo para a Cidade Maravilhosa o canto arretado que ouvira desde pequena nos alto-falantes da Paraíba, Marinês recebeu de Chacrinha novo complemento ao seu nome, que fazia referência a todos aqueles que a adoravam e gostavam de sua música. Ela era a partir daquele instante o que sempre foi desde que saiu da barriga de sua mãe, era Marinês e sua gente. Porque Marinês é o nordeste por inteiro, na raiz, no caule, e por isso mesmo um pedaço importante e danado de bom do Brasil. E sua gente somos nós, súditos da Rainha do Xaxado, a Rainha do Forró, aquela que trouxe para o país todo as gírias gostosas do norte.

“O Zé-do-Brejo quando se casariou
Ele me convidariou
Pra quadrilha eu marcariá
Marcariei uma quadrilha ritmada
Fui até de madrugada
Todo mundo com seu pariá”

Bate coração (forró, 1980) – Cecéu
Nessa longa caminhada a rainha Marinês, neta de índios Airús, filha legítima do nordeste, participou do filme “Rico ri á toa”, de Roberto Faria, gravou disco “Feito com amor”, todo dedicado às festas juninas, recebeu dois prêmios Euterpe como melhor cantora regional e melhor vendagem, ganhou discos de ouro pelos LP´s “A Dama do Nordeste” e “Bate Coração”, gravou choros e temas românticos como “Carinhoso” de Pixinguinha e “O Amor morreu” de Dominguinhos e Anastácia, além das inesquecíveis e contagiantes “Peba na Pimenta” e “Pisa na fulô”, de João do Vale. Para coroar a trajetória de largo sucesso, a Rainha do Xaxado cantou ao lado de nomes quentes da música brasileira, como Gilberto Gil, Zé Ramalho, Alceu Valença, Genival Lacerda, Dominguinhos e sua principal seguidora, a leoa do norte Elba Ramalho.

“Oi tum, tum bate coração
Oi tum coração pode bater
Oi tum, tum bate coração
Que eu morro de amor com muito prazer”

Tá virando emprego (forró, 1986) – João Silva e Luiz Gonzaga
Após 71 anos entoando seu canto típico e ritmado, Marinês prossegue com aquela voz agitada e dançante que arrasta o pé e acelera o coração, animando quadrilhas e festas, animando qualquer pedaço de terra onde se dance um bom xaxado, um bom forró e um bom baião. Prossegue agora ao lado de São Pedro, Santo Antônio e São João.

“-Andam dizendo que nosso chamego
Nêgo tá virando emprego, nêgo falam pra daná
-Tem nada não nêga, se avexe não
Isso é pra quem canta forró, xote, baião”

marines-sua-gente

Raphael Vidigal

Lido na rádio Itatiaia por Acir Antão em 21/11/2010.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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