Oswaldo Montenegro uniu música e teatro em clássicos da MPB

cantor brasileiro

*por Raphael Vidigal

“Quando todos os telhados
eram já sulcos na terra,
a aurora moveu seus ombros
em longo perfil de pedra.” García Lorca

Homem do teatro ou da melodia? Cabelos ao vento ou de cimento? Filho de Brasília ou pai da interpretação? Nenhuma delas, Oswaldo Montenegro, querelas à parte, faz arte. Brinca com as palavras, brinda com vinho-canção. Ode à melancolia ou trote à alegria barata, tudo pode, sem nada gasta, insurge a graça feito garça no horizonte anil da popular música brasileira.

Duas metades. Dois nomes grandes. Oswaldo. Montenegro. Centopéia cheia com credos calombos carbonos juízes? Oras, somos todos lumes seja na igreja ou na pradaria. Cada um ilumina o que enxerga, atenta, escapa ou aliança de dedo na mão agora é aliança de dedo na mão? Depende. Varia. Verte.

“Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade”

Varinha serve pra mágica como serve pra coisa alguma. São João existe Del Rei como carpinteiro, pedreiro, frases batidas no liquidificador. Lenhas, violões, automóveis, ‘poeta maldito, moleque vadio’. Bandolins, bordões e traves: bailarina se equilibra na corda bamba, corda estática é pra ludibriar cão de guarda.

O condor voa baixo, a Dança dos Signos se instaura, Léo e Bia são como Lua e Flor, e na intuição o Chato acha ter Vida de Artista e como Estrela se manda junto aos Filhos Hippie no Celeiro chamado motivação musical. Chama para alguns, crista azulada para outros. Uns atendem, outros não. Mera filosofia, a outra agonia.

“Ela valsando
Só na madrugada
Se julgando amada
Ao som dos bandolins…”

compositor bandolins

Oswaldo Montenegro nasceu no Rio de Janeiro, no dia 15 de março de 1956, mas iniciou o interesse pela música em terras mineiras, ao mudar-se com a família para São João Del-Rei, com apenas oito anos de idade, onde tomou contato com a boemia e a música barroca. A carreira profissional propriamente dita começou em Brasília, onde ele participou de grupos de dança e teatro. “Bandolins”, de 1979, rendeu a Oswaldo Montenegro o terceiro lugar no festival da TV Tupi. Mas a consagração veio com “Lua e Flor” lançada no ano de 1984.

“Sem Mandamentos” (MPB, 1975) – Oswaldo Montenegro
Em 1975, Oswaldo Montenegro colocou na praça o seu primeiro EP, contendo a música “Sem Mandamentos”, que emanava ternura e bons presságios de um futuro próspero, em que a singeleza das ações e das emoções seria a palavra de ordem. Embora bem arquitetada musicalmente e com uma letra inspiradora, a canção não surtiu o sucesso esperado, até ser regravada posteriormente. Nesse ínterim, Oswaldo estreou em disco com “Trilhas” (1977), e “Poeta Maldito… Moleque Vadio” (1979), até ser descoberto e consagrado em festivais.

“Bandolins” (MPB, 1979) – Oswaldo Montenegro
Em ritmo de choro e com a fina pena de um menestrel, Oswaldo Montenegro compôs a música “Bandolins”, em 1979, e convidou, para interpreta-la com ele, o instrumentista Zé Alexandre. O dueto alcançou tanto sucesso que catapultou imediatamente a carreira do compositor vindo de Brasília, até então pouco conhecido em sua terra natal, o Rio de Janeiro. A partir de então, aclamado no Festival da TV Tupi, se tornou figurinha carimbada nas gravadoras, e registrou o primeiro sucesso em disco lançado no ano de 1980, batizado com seu nome.

“Léo e Bia” (MPB, 1979) – Oswaldo Montenegro
Envolvido com o teatro, Oswaldo Montenegro concebeu, em 1979, a peça “Léo e Bia”, para a qual também escreveu a trilha, incluindo o tema principal, de título homônimo. Ambientada na cidade de Brasília, a trama aborda as paixões e sofrimentos do casal de jovens sonhadores, envolvidos com problemas externos e íntimos. Os primeiros versos da canção revelam de cara essa conexão: “No centro de um planalto vazio/ Como se fosse em qualquer lugar/ Como se a vida fosse um perigo/ Como se houvesse facas no ar”. Um outro hit!

“Agonia” (balada, 1980) – Mongol
Ironicamente, quando Oswaldo Montenegro finalmente conseguiu vencer um festival de música não foi com uma canção de sua autoria, mas do amigo de infância Mongol, batizado Antônio Carlos da Silva Paixão. Compositor de “Agonia”, Mongol morreu em 2021, aos 64 anos, vítima de Covid-19. A canção rendeu a Oswaldo o primeiro lugar no Festival MPB 80 da Rede Globo, e estourou em todo o país com sua melodia comovente e seus versos tristonhos. “Se fosse resolver/ Iria te dizer/ Foi minha agonia”, canta Oswaldo Montenegro.

“Estrelas” (MPB, 1981) – Oswaldo Montenegro
Após o enorme sucesso alcançado com “Bandolins”, em 1979, Oswaldo Montenegro entregou de presente a Zé Alexandre, que o acompanhou na gravação original do primeiro hit, a música “Estrelas”, mais uma canção prenhe de delicadeza e esperança. Zé Alexandre lançou a canção em 1981 e foi bem recebido pela crítica. Décadas depois, já em 2021, Oswaldo voltou a essa canção e, desta vez, acompanhado pela sobrinha Clarissa, em um bonito dueto. “Pela marca que nos deixa/ A ausência de som que emana das estrelas”.

“Lua e Flor” (balada, 1984) – Oswaldo Montenegro
“Lua e Flor”, escrita por Oswaldo Montenegro para a peça (de enorme sucesso) “Brincando em Cima Daquilo”, protagonizada por Marília Pêra em 1984, foi regravada pela atriz e cantora em seu último disco, com menos brilho do que na versão original, mas mantendo a força da melodia e o poder de identificação contido na abertura que entrega suas intenções: “Eu amava como amava um cantor/ De qualquer clichê de cabaré”. A primeira versão traz dueto de Oswaldo com Marília. E Eduardo Costa e José Augusto também regravaram tal sucesso.

“Metade” (MPB, 1988) – Oswaldo Montenegro
Inicialmente concebido como um poema, em 1977, “Metade” só ganhou a forma de música quase dez anos depois, quando Oswaldo Montenegro a gravou pela primeira vez, em 1988, em um registro ao vivo. A canção imediatamente se tornou uma das mais populares de seu repertório, não apenas pelo já conhecido apelo romântico, mas, sobretudo, a construção poética feita de contrastes, sem perder a simplicidade e a envolvência da melodia. Ao fim, Oswaldo determina o amor como a principal força dessa vida.

“A Lista” (MPB, 1999) – Oswaldo Montenegro
No ano de 1997, o cantor e compositor carioca Oswaldo Montenegro voltou a flertar com as artes cênicas. Criador de trilhas sonoras para filmes, balés e peças teatrais, o músico foi responsável pelas canções do musical infantil “Vale Encantado”. Já em 1999, Oswaldo compôs o tema-homônimo para a peça “A Lista”, que se transformou em um sucesso maior do que a própria montagem. Na delicada e sensível letra, o compositor reflete sobre a passagem do tempo…

“Eu Canto Meu Blues” (blues, 2001) – Oswaldo Montenegro e Roberto Menescal
Habituado a compor sozinho, Oswaldo Montenegro foi convidado, nos anos 2000, a comandar um programa sobre música brasileira com Roberto Menescal no Canal Brasil. Outro fruto dessa parceria é a composição “Eu Canto Meu Blues”, sobre o fim de um relacionamento. A canção recebeu registros tanto de Oswaldo quanto de Menescal, com a adesão de Wanda Sá, nome importante da chamada segunda safra da bossa nova. A gravação de Oswaldo foi a primeira a ser lançada, em 2001. E o ritmo do blues ainda aparece como trunfo.

“Sonho de Natal” (canção, 2021) – Oswaldo Montenegro
O Natal se aventura à meia-noite com o som que vem do choro do Menino Jesus. O som de passos que caminham em direção ao Salvador trazendo-lhe oferendas. Os Três Reis Magos presenteiam como graça, agradecimento. Autor de sucessos como “Lua e Estrela”, “A Lista”, “Bandolins”, “Metade”, “Quando a Gente Ama”, dentre outras, Oswaldo Montenegro resolveu poetizar sobre a sagrada festa natalina em 2021, com a sensível música “Sonho de Natal”, que também ganhou um belo clipe nas plataformas.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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