O Susto do Fantasma

“Há noite? Há vida? Há vozes?
Que espanto nos consome,
de repente, mirando-nos?
(Alma, como é teu nome?)” Cecília Meireles

thirst-1886

Urros de dentro colocam uma questão de desordem. Quanto de distorção há na percepção da história? Quando escapole o último degrau da escada, o silêncio instaura. A dúvida se sempre houve o silêncio ou se em algum momento urros partiram não do peito, mas de rostos grosseiros e machucados a agora olharem. Uma mulher magoada por traições do marido. Duas crianças brincam, correm, seguram o coração no palito. O sabor amargo, já a enganadora superfície: vermelha: doce. Melhor uma ilusão à verdade e o desastre. Como se pode ocorrer vez ou outra um esboço de lucidez, um borrão, um ensaio. Apesar da intenção de respeito, o cenário endiabrado.

Patuscada e carnaval dançam o enredo sobre mesas cuidadosamente recortadas por toalhas brancas e copos de plástico. Ainda há de se ver ali uma suntuosa e provocativa caixa de salgados. Como há de se ver sobre o manto de Santa Maria – amarelo, trapo, no correr dos anos – um novo, desta feita azul, a encobrir o verde – já se vê bege – na paisagem de pasto, eucalipto e fuligem em abundância. Então há de se vê-la pela última vez e todo seu atrevimento: de se enfiar feito rato na ratoeira: e sair com o pescoço intacto: ainda com o queijo entre as garrinhas espertas: o queijo que ela procura naquela terra: já tão amarelada, difícil de identificar: justamente pela cor, a mesma: claro, existem tonalidades de amarelo: assim a ironia é uma tonalidade: um jeito de dizer as mesmas ofensas entre amantes: sem o carinho de antes: restando apenas o desejo mórbido do ser humano em ferir e machucar-se vez ou outra se regozijando com o sofrimento alheio.

A última lembrança de se tentar fazer ouvir entre os insultos da platéia. O padre Homero, colérico, enervado, profere desacatos e peripécias outras. Esterco atirado na direção a trilhar o caminho do ouro para alguns. Ouro para alguns ouro para algum ouro para alguns – até quando a proposição amarelo condena esta terra? Despede à revelia, maneira, falta de modos. Fuga para o hotel: que a noite desce morna como chá, servido horas antes. Que o travesseiro aprisiona em sonhos perenes e inocentes como os da infância. Que o terremoto acaba e se pode logo voltar a casa ainda há de lá a marca indelével e indecifrável. Era uma era ou praga? Uma mulher aflita se assemelha ao susto a olhar da janela, alva. Pensa o que passaria na sua cabeça…

william-adolphe-bouguereau

Raphael Vidigal

Pinturas: Obras de William-Adolphe Bouguereau.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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