O Amigo da Onça

“O fantasma é um exibicionista póstumo.” Mario Quintana

Nem que a vaca tussa existe país no mundo mais pródigo em ditados do que esta terra de cego aonde quem tem um olho é rei. Dizem que este ouro em pó, tal diamante de sangue, como madeira de lei, é herança dos escravos trazidos da África, que não tomavam manga com leite e para tirar leite de pedra se comunicavam uns com os outros dessa maneira sem ter de engolir o sapo. Se quem veio antes, o ovo ou a galinha, não convém reclamar de barriga cheia, porque quem pega no pé ainda lhe puxam a orelha. São ossos do ofício, e dá pano pra manga tentar dar um nó em pingo d’água, coisa de quem tem um parafuso a menos. É muita cara de pau fazer um negócio da China a preço de banana. Segura que lá vem chuva de canivete. Já vi gente ficar tanto tempo com uma pulga atrás da orelha que acabou soltando os cachorros. Tinha o diabo no corpo. É como dizem, quem cedo madruga, Deus ajuda. Quem tarde se deita, o diabo aceita. Força de expressão, ou fraqueza do espírito de porco. Cada macaco no seu galho é a receita ensinada para não ter de pagar o pato.

E antes que a memória traia, ou que tudo termine em pizza, um tiro dado no pé sai sempre pela culatra. Aqui neste Brasil há de tudo e mais um do pouco. Cão que chupa manga. Gente que assovia e chupa manga ao mesmo tempo. Malandro que quebra o galho e ancião com lenha pra queimar. Em solo de biguás e caraminguás não é bom vir com caraminholas. Podem te mandar para as cucuias ou exigir o seu pirão primeiro. Afinal o cão que ladra não morde e quem desdenha há de querer comprar. Sendo assim, mudando de pato pra ganso, não troque gato por lebre, um gato tem sete vidas, isso é trocar os pés pelas mãos. Depois que você pegue no sono, vou lhe dizer, ele tem asas de anjo, pode ter som de gnomo, mas uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa, só termina o jogo quando ele acaba, como dizia o santo, a quem derrubam a cachaça. São Longuinho dá três pulinhos. Onde fica a chave do cadeado? Ria da minha cara, que meu sorriso amarelo ri por debaixo do pano. Deus não dá asa à cobra, já quem rasteja por demais fica é com dor na coluna.

Pois bem, um dia uma mãe coruja me disse que o seu filho não tinha cabeça. Coisa para inglês ver. Mais uma dessas histórias para boi dormir. Mas do seu papo furado eu retirei uma língua, e era bem afiada, e, além disso, não tinha papas. Ela me olhava com o seu olho de sogra. Fiquei com um nó garganta, a língua e o olho de sogra faziam um casal medonho. Pensei comigo na hora: Deus dá de ombros para a dor de cotovelo do homem. Fui com a cabeça nas nuvens pensar em outras paragens. Deixei aquilo de lado. E eis que antes de tudo, eu já pisava em ovos, eu já raspava o tacho, e até chupava o caroço. Eu era unha e carne, ria de orelha a orelha, foi quando um queixo caído me relembrou de onde estava. Eu, sem olhar para os dentes, de um cavalo bem dado, me amotinei nesta hora. O dia estava uma arara. Caía então um pé d’água. E só a mãe descascava o pepino e o abacaxi! Larguei a história lá trás. Vim firme na corda bamba. Pintei o sete e de lua foi que eu fiz os meus sóis. Só mencionei neste instante que é melhor ser ditado do que o amigo da onça.

Raphael Vidigal

Imagens: charges de Renato Aroeira.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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