Nora Ney: A tristeza falada

*por Raphael Vidigal

“Que à noite, me vá depor
Na campa em que eu dormitar,
Essa tristeza, essa dor,
Essa amargura, esse amor,
Que eu lia no teu olhar!” Florbela Espanca

Nora Ney, a cantora das trágicas paixões que há no mundo, da dor-de-cotovelo, da fossa, dos “fracassados do amor”. Com sua interpretação certeira, cantou a boemia, o preconceito, o amor e a mágoa e atingiu como ninguém o seu alvo: o coração daqueles que sofrem e que amam.

“Todo boêmio é feliz
porque quanto mais triste
mais se ilude.
Esse é o segredo de quem,
como eu, vive na boemia:
colocar no mesmo barco
realidade e poesia.
Rindo da própria agonia”

Nora Ney é a tristeza falada, amuada, daquele amor que dói lentamente, na medida em que se formam em sua boca as palavras.
“Ninguém me ama, ninguém me quer
Ninguém me chama de meu amor”
“Pela noite tão longa de fracasso em fracasso”

Pelos dias compridos de sucessos nas rádios.
Nora Ney, um facho de luz entre beijos, despedidas e abraços.

A eterna voz do amor cansado, machucado e inabalável.
O amor que sofre é o amor que não cala jamais.
É esse, o verdadeiro amor eterno.
Como é eterna Nora Ney, de cigarro em cigarro, com seus olhos de loucura pela música e pela poesia.
É por isso que dizemos seu nome, por isso que te procuramos.
A gente te ama, a gente te quer!

“Levar você de mim
É muito fácil
Difícil é fazer você feliz”

Nora Ney nos faz feliz, ao deixar em vida uma Obra-prima.

Nora-Ney-Tristeza-Falada

“Ninguém Me Ama” (samba-canção, 1952) – Fernando Lobo e Antônio Maria
Fernando Lobo nasceu em Recife no dia 26 de julho de 1915 e morreu no Rio de Janeiro em 22 de dezembro de 1996, aos 81 anos. Jornalista, radialista e compositor, ele criou clássicos da música brasileira, em parcerias com Antônio Maria, Evaldo Rui, Dorival Caymmi, Paulo Soledade e Manezinho Araújo. “Ninguém Me Ama”, samba-canção de 1952, composto por Fernando Lobo e Antônio Maria, é dono de versos que ninguém esquece: “Ninguém me ama/ Ninguém me quer/ Ninguém me chama/ De ‘meu amor’”. A música foi lançada por Nora Ney, com seu estilo inconfundível de canto falado, que sublinhava ainda mais a dor da canção. Depois, recebeu regravações de Nelson Gonçalves, Nat King Cole, Maria Creuza, Nana Caymmi, Quarteto em Cy, etc.

“Menino Grande” (samba-acalanto, 1952) – Antônio Maria
Antônio Maria costumava dizer que só durante o sono têm-se a mais pura e ingênua condição humana. Conhecido pelo lado extrovertido e debochado, sempre cercado por uma horda de fiéis e incansáveis amigos que aboletavam a madrugada sem direito a bandeira branca, o compositor jorrava nas composições as angústias e medos que carregava. Solidão e cansaço eram temas frequentes. Apontado por críticos, junto de Nora Ney, como um dos nomes do chamado samba-canção ou dor-de-cotovelo, compôs o samba-acalanto “Menino Grande” em 1952. Lançado com enorme sucesso pela companheira de copos e fossa acima citada, a canção exprime a carência de um menino grande implorando colo, proteção e sonho. Outro grande sucesso.

“Bar da Noite” (samba-canção, 1953) – Bidu Reis e Haroldo Barbosa
Edila Luísa Reis, conhecida como Bidu Reis, foi uma pioneira. Nascida no Rio de Janeiro, ela atuou como compositora, poeta, pianista, atriz, escreveu livro infantil, foi presidente da Associação das Donas de Casa da Zona Norte, “Rainha” do Sindicato dos Músicos e integrou o trio As Três Marias, com Marília Batista e Salomé Cotelli, que foi fundado em 1942. Uma mulher extraordinária. Como compositora, o grande sucesso de Bidu Reis foi o samba-canção “Bar da Noite”, parceria com Haroldo Barbosa, lançado em 1953 por Creusa Cunha na boate Mocambo, mas que se eternizou no canto de Nora Ney. Em 2021, Maria Bethânia o regravou: “Garçom, apague esta luz/ Que eu quero ficar sozinha…”.

“De Cigarro em Cigarro” (samba-canção, 1953) – Luiz Bonfá
A cantora Márcia especializou-se em canções lancinantes de dor de cotovelo, e recebeu os aplausos do exigente Paulo Vanzolini quando gravou “Ronda”, que deu título a seu LP de 1977. Na capa, uma ilustração com o traço inconfundível do craque Elifas Andreato mostrava uma mulher abatida, de cigarro na mão, derramado lágrimas e acariciando uma rosa que se despetala. Outra imagem marcante relacionada a cigarro na música brasileira comparece no samba-canção “De Cigarro em Cigarro”, um dos maiores sucessos da cantora Nora Ney. A música, de Luiz Bonfá, foi lançada por ela, em 1953, e abalou as rádios.

“É Tão Gostoso, Seu Moço” (samba-canção, 1953) – Chocolate e Mário Lago
Não à toa chamam Mário Lago de poeta. Além da função literária, ele desempenhava os serviços de ator, compositor, radialista e teatrólogo. Tudo com poesia. Sem mencionar que, por desvios dessa vida que a gente não imagina, formou-se em advocacia, embora procurasse, algumas vezes, esconder o diploma adquirido. Fonte de suas escritas eram as mulheres, Auroras e Amélias. E também o fracasso, condição existencial do homem. Em 1953, compôs com o comediante e melodista de fino-trato Chocolate, o samba-canção “É Tão Gostoso, Seu Moço”, belamente gravado por Nora Ney. A música obteve regravações das cantoras Áurea Martins e Tânia Maria, depois.

“Preconceito” (samba, 1953) – Antônio Maria e Fernando Lobo
Nem sempre o compositor tem autoridade para definir os rumos que sua canção irá tomar. Pois este é um ótimo indício. Como disse Mario Quintana, “a poesia não se entrega a quem a define”. Escrito com Fernando Lobo, o samba “Preconceito”, de 1953 foi lançado pela musa da dor-de-cotovelo Nora Ney, que pelo atrevimento da letra denominou a partir de então outro fã clube para si. Tomada nos braços dos homossexuais como hino, foi também regravada por Maria Bethânia e Cazuza. Antônio Maria, mesmo sem querer, colocou outra pedra filosofal no centro da música brasileira. E emplacou outro baita clássico.

“Se Eu Morresse Amanhã de Manhã” (samba-canção, 1953) – Antônio Maria
Autor de lindas poesias publicadas em forma de crônica, criador de jingles inesquecíveis, Antônio Maria aprontava das suas fora das quatro linhas da arte. Conhecido pelas tiradas sarcásticas e bem humoradas, conta o escritor Carlos Heitor Cony da vez em que o compositor e amigo fez-se passar por ele a fim de levar para a cama uma mulher que paquerava no avião e que lia o livro de Cony. O que ocorreu de fato, só que Maria completava o caso para o amigo às gargalhadas: “Acontece que você broxou, Cony!”. Sem meio-termo, arrematava com a triste “Se Eu Morresse Amanhã de Manhã”, lançada por Dircinha Batista. Tal canção foi regravada com a categoria de sempre pela sofisticada Nora Ney.

“Onde Anda Você?” (samba-canção, 1953) – Antônio Maria e Reinaldo Dias Leme
Cantarolando, Antônio Maria fazia suas músicas. Melodia e letra, num único gesto. Era questão de sentir o gosto, e tatear no escuro o clima apropriado ao sentimento que se queria dizer. Mesmo assim, sem executar com exatidão nenhum instrumento musical, era tido por “o homem de sete instrumentos”, devido à habilidade assustadora de se impor em várias funções da imprensa e, principalmente, da escrita. No entanto, mesmo em vista de enormes sucessos provocados por sua incursão solitária no mundo da composição, não foram raras as vezes em que foi ao encontro da companhia de um amigo. Como no caso de “Onde Anda Você?”, parceria com Reinaldo Dias Leme, lançada em 1953. E a música recebeu a voz solene e sofredora da cantora-musa Nora Ney.

“Aves Daninhas” (samba-canção, 1954) – Lupicínio Rodrigues
Em 2017, o pesquisador e jornalista Zuza Homem de Mello lançou o livro “Copacabana: A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958)”, que, em mais de 500 páginas, discorre sobre a formação e a influência do gênero no qual se consagraram Maysa, Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran, Nora Ney, Angela Maria, Dalva de Oliveira e tantos outros. “O samba-canção é a música dos fracassados do amor, é sobre as várias maneiras sobre como o romance fracassa”, constata Zuza, que define o papel dos principais artífices do gênero. “Lupicínio é o grande letrista, e, Nora Ney, a grande voz feminina”. Em 1954, Nora Ney lançou “Aves Daninhas”, de Lupicínio, e alcançou outro grande feito.

“Obra-Prima” (samba-canção, 1969) – Lúcio Cardim e Norberto Pereira
Pode-se dizer que o maior sucesso do compositor Lúcio Cardim é “Matriz ou Filial”, o suntuoso samba-canção lançado pela voz potente de Jamelão, em 1964, regravado com igual imponência por Nelson Gonçalves. Também pela voz de Jamelão, Lúcio obteve outro êxito, desta vez em parceria com Norberto Pereira. “Obra-Prima” foi lançada em 1969, e recebeu uma preciosa regravação de Nora Ney, já em 1972, que, com seu estilo característico, baseado no canto falado e a dicção perfeita, exibiu as nuanças dessa canção. “Levar você de mim/ É muito fácil/ Difícil é fazer você feliz”, introduz a abertura.

“Quando Eu Me Chamar Saudade” (samba, 1972) – Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito compuseram “Quando Eu Me Chamar Saudade” anos antes de a música ser lançada no disco solo de Nelson, em 1972. A típica canção de despedida do compositor tinha outros versos, que depois foram modificados por aqueles que passaram à posteridade. O instinto de efemeridade era delineado ao final do samba, que pedia “flores em vida”. A canção recebeu regravações de Nelson Gonçalves, Nora Ney, Noite Ilustrada e se tornou uma das mais conhecidas do repertório da dupla. E “Quando Eu Me Chamar Saudade” traz o exemplo perfeito da capacidade de transformar a dor.

“Me Dá a Penúltima” (samba-canção, 1977) – Aldir Blanc e João Bosco
Aldir Blanc nasceu no Rio de Janeiro, no dia 2 de setembro de 1946, e morreu no dia 4 de maio de 2020, aos 73 anos. Infelizmente, o letrista, compositor, cantor e cronista brasileiro foi uma das vítimas da Covid-19 no Brasil. Formado em Medicina com especialização em Psiquiatria, ele logo abandonou essas profissões para se dedicar à música e ao ofício de escrever. Ao longo de uma extensa e bem-sucedida carreira, Aldir Blanc se consagrou ao lado de parceiros como João Bosco, Moacyr Luz, Maurício Tapajós, Guinga, entre outros, e teve músicas gravadas por Elis Regina, Nana Caymmi e Zizi Possi. “Me Dá a Penúltima”, parceria com João Bosco, de 1977, foi gravada por Nora Ney, no disco “Jubileu de Prata”, dividido com o marido e cantor Jorge Goulart.

Lido na Rádio Itatiaia por Acir Antão no dia 29/11/2009.

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15 Comentários

  • FABULOSA NORA NEY ! UMA DAS INTÉRPRETES DA NOSSA MPB QUE SURGIU NA ERA DE OURO DO NOSSO RÁDIO BRASILEIRO; REVOLUCIONOU NA ARTE DE INTERPRETAR UMA CANÇÃO COM SUA VOZ GRAVE E SUAVE SEU GÊNERO MUSICAL SEMPRE FOI A DOR- DE- COTOVELO A FOSSA, AS CANÇÕES DE DOR DE AMOR E ABANDONO. RAINHA ABSOLUTA NESTE GÊNERO MUSICAL POR MUITAS DÉCADAS !!! UM MITO DA NOSSA MPB !!!!

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  • sempre empenhado com grande nomes, parabéns pelo trabalhos grandiosos .
    Abraços e Boa Noite!

    Resposta
  • Ph na Itatiaia, parabéns cara.

    Nora Ney, não conheço, mas se vc falou que é bom, porque realmente se trata de algo grandioso.

    Abraço Ph, te mais

    Resposta
  • chatooOoOoOoOo to sofrenu de amor sabia?e oc ainda fica me mandanu esses trem ah nem viu num ajuda mto nao ta?haahahahahahhaa
    to brava to triste nao qro postar hj entao aki oh pro c oh…
    aahahahaaahaah
    to zuanu
    te adoro mto mto mto
    beijos

    Resposta
  • Depois dela, acho que a Maysa ficou como a representante da fossa…E bota fossa nisso ..Abrs

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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