Literatura: Hilda Hilst

“Ah, fui sempre
A das visões tardias!
Desde sempre caminho entre dois mundos

Mas a tua face é aquela onde me via
Onde me sei agora desdobrada.” Hilda Hilst

Sete cantos do poeta para o anjo

É difícil decifrar-se, ainda mais se tratando de Hilda Hilst. A escritora nascida em Jaú, no interior de São Paulo, que passou boa parte da vida na ‘Casa do Sol’ em Campinas, sítio construído para inspirar-se em meio aos astros, cachorros e terras que tanto admirava, foi uma das mais provocativas e líricas de seu tempo.

Qual o tempo de Hilda Hilst? Talvez o passado, arrisco o presente, o certo é que sua obra tramita numa confluência entre o douro do trigo, ainda tenro, e a madurez do pão na boca dos filhos aflitos, sozinhos, extremos.

Toda a poesia a jorrar dos poros, purulentos inclusive, de Hilda, era abalizada por um rigor estilístico, fraterno, desses de se perceber ao primeiro contato, empurrão, trombada. Num susto o bichinho da obstinação pica-nos na referida bochecha, tanto para o beijo ledo quanto para um beliscão invicto.

Hilda procurou durante muito uma repercussão, acesso, reverência por parte de público e crítica jamais alcançada em vida, mesmo após suspeito de que não a veja, pois é preciso avisar, a escritora comunicava-se com os mortos.

Depois de se rebelar contra a seriedade, resolveu contar em prosa as desventuras sexuais de Lory Lamby, somente por brincadeira, e deu início à sua “obra pornográfica”, nas próprias palavras, seguindo o conselho de Albert Camus, que dizia: “Quando tudo estiver acabado: escrever sem preocupação de ordem. Tudo o que me passar pela cabeça.”

No entanto, foi antes disso, em 1962, que a escritora se comunicou de fato com os anjos, e escreveu a estes os sete cantos do poeta. No caso, a poetisa. Ou seria Hilda híbrida, ambígua, hermafrodita, ser?

Desconhecemos. Incerto mas é que a literatura nada deve ao homem. A literatura nada deve a Hilda. Nem o sucesso, ou reconhecimento, essas esmolas pedidas…

Pois que Hilda agraciou-nos com letras. Famintas. Seguimos.

Poemas do “Sete Cantos do Poeta para o Anjo”
“O homem é só. Mas constelar na essência.
Seu sangue em ouro se transmuta.
Na pedra ressuscita.
No mercúrio se eleva.
E sua verdade é póstuma e secreta.

Ah, vaidade e penumbra no meu canto!
Meu dizer é de bronze
E essa teia de prata
A mim mesma me espanta.”

“Elaborei em vão todos meus sonhos.
E súbito me tomas e me ordenas
A solidão mais funda:
Estes cantos agora, alguns poemas
Um amor tão perfeito e indizível
Porque não é tumulto nem tormento.
(E se o homem na carne foi punido
O verbo diz melhor do sofrimento).

Que nome te darei se em mim te fazes?
Se o teu batismo é o meu e eu só te soube
Quando soube de mim?”

Hilda Hilst Poesia

Raphael Vidigal

Publicado no jornal “Hoje em Dia” em 03/12/2012.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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