Leila Pinheiro participa de homenagem a compositores paraenses

*por Raphael Vidigal

“se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” Tolstoi

Aconteceu com o dramaturgo William Shakespeare, a poetisa Florbela Espanca e o cineasta Yasujiro Ozu. Nesta lista de clássicos, agora se inscreve o nome de Paulo André Barata, representando o Estado do Pará. O compositor nascido há 77 anos morreu nesta segunda (25), na mesma data de seu aniversário.

Há menos de uma semana, chegou ao mercado fonográfico, pela gravadora Biscoito Fino, o álbum “A Música de Paulo André e Ruy Barata”, homenagem a pai e filho que, juntos, compuseram sucessos da música popular brasileira do porte de “Foi Assim”, “Pauapixuna”, “Este Rio É Minha Rua”, dentre outras, quase todas eternizadas no canto quente da conterrânea Fafá de Belém.

Foi através do LP de estreia de Fafá, “Tamba-Tajá”, lançado em 1976, que Leila Pinheiro, outra paraense que também participa do tributo, ouviu “com grande impacto e tomou pé da música da dupla pela força e pujança” do canto da amiga. No repertório, além da faixa de abertura, “Indauê Tupã”, Paulo André e Ruy Barata (1920-1990) compareciam com “Este Rio É Minha Rua”, que logo estourou nas rádios. “Foi aquela explosão mesmo”, rememora Leila.

Encontro. Nascida em 1960, a cantora morou durante os dez primeiros anos de sua vida na avenida Generalíssimo Deodoro Nº 579, a duas casas da residência de Paulo André e Ruy Barata. “Tivemos uma relação de frequentar a casa um do outro, mas eu ainda era muito garota. Eles me viam na rua pegando manga no quintal. Eu ainda não tinha muita noção de música”, conta.

Leila não havia estreado em disco quando, em 1973, a cantora Carmen Costa (1920-2007), famosa pelas versões da marchinha carnavalesca “Cachaça” e da valsa mexicana “Está Chegando a Hora”, lançou o bolero “Mesa de Bar”, que posteriormente recebeu regravações do próprio Paulo André e de Fafá de Belém. Na homenagem de agora, cabe a Leila interpretar a canção, uma raridade na trajetória de Paulo André e Ruy Barata, que se habituaram a criar em conjunto. Enquanto o patriarca Ruy se dedicava à letra, Paulo, usualmente, dava conta da melodia. Mas “Mesa de Bar” é assinada somente pelo filho.

“Adoro boleros e acho ‘Mesa de Bar’ uma grande canção. Paulo e Ruy eram bons de copo, e essa música traz toda essa vivência de duas pessoas que se reúnem para beber e conversar sobre a vida”, destaca. Leila gravou a faixa sozinha, no estúdio de sua casa no Rio de Janeiro, após receber a base com o trabalho dos instrumentistas, captada em Belém. “É uma faixa forte que fala sobre essa coisa sofrida dos amores, a tal da ‘sofrência’ está toda aí dentro dessa canção que a Fafá também imortalizou”, enaltece.

Origens. O lançamento ainda traz as presenças de Zeca Pagodinho, Maria Rita, Zeca Baleiro, Mônica Salmaso, Joyce, Pinduca, Dona Onete e do padre Fábio de Melo, numa diversidade que abarca tanto paraenses quanto músicos de outras partes do Brasil. Esta, aliás, é uma questão contra a qual Leila, identificada com o universo da bossa nova e da MPB, há décadas se vê obrigada a se debater. “Sempre tem essa conversinha de que não sou paraense. Minhas raízes mais profundas estão em Belém, onde morei durante vinte anos. Posso estar no Rio, em São Paulo, nos Estados Unidos ou em Marte que serei paraense”, contesta.

A artista toma como exemplo o disco “Raiz”, de 2012, em que deu voz a compositores paraenses como Nilson Chaves, Vital Lima (que canta no atual tributo a música “Nativo”, com Jane Duboc) e Pajé Zeneida. “Eu talvez não cante com tanta frequência a música regional paraense, mas isso aconteceu por puro acaso, não me sinto mais ou menos paraense por isso e o público não tem esse tipo de preconceito, ele prestigia meu trabalho como uma cantora encantada pela minha cidade e pelos meus queridos conterrâneos. Foi uma questão de contingência, fiquei muitos anos em gravadora e segui outros caminhos”, diz ela, que reputa Paulo André como “um amado amigo pessoal”.

Leila acredita que “a grande noção musical de Paulo André aliada à poesia do Ruy” gerou o diferencial de uma obra “profundamente popular, que a gente cantarola logo de cara”. “São canções emotivas, do coração, que mexem com a gente”, afirma. “Os dois morando num mesmo canto, vivenciando as sensações do país, da cidade, juntos. Cantando seu quintal se canta o mundo, esse que é o lance”, finaliza Leila, resgatando a máxima do escritor russo Leon Tolstói, aparentemente mais próximo do Pará e do Brasil do que se costuma supor.

Foto: Washington Possato/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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