*por Raphael Vidigal
“É evidente que quando eu disse que ia deixar de beber estava bêbado.” Millôr Fernandes
Literalmente mascarada, Joyce Cândido, 37, aparece sambando em uma sequência de imagens do videoclipe “Queria Morar Num Boteco”, onde ela alterna looks variados. O adereço que se tornou peça obrigatória durante a pandemia do novo coronavírus, responsável pela morte de mais de 100 mil brasileiros, é uma das peças presentes que, como as demais, não dispensa o charme e entra no ritmo do gênero mais popular do Brasil. Ao invés de impedir, a doença transformou a canção em um hino ainda mais atual. “Com a chegada da pandemia, ela passou a fazer mais sentido! Nossa vontade de ir para a rua, sentar num boteco e ver os amigos só cresce a cada dia”, exclama Joyce.
“O fato é que eu moro num apartamento/ Mas queria mesmo é morar num boteco”, diz o refrão da música de Roger Resende, mineirinho bom de Juiz de Fora que não nega a adoração local pela cultura boêmia. O samba já havia sido escolhido como single antes da Covid-19 chegar o Brasil. Com os obstáculos impostos pela enfermidade, a trupe decidiu adaptar a ideia do clipe e gravar remotamente, com a participação de amigos que enviaram vídeos de suas próprias casas, incluindo o português António Zambujo, que canta em dueto com a anfitriã. “O que mais ouvimos são as pessoas dizerem que o refrão dessa música diz tudo o que estão pensando no momento”, garante Joyce.
Espalhar. A pérola integra “Samba Nômade”, sexto álbum de carreira da cantora, previsto para ser lançado este ano. “O título ‘Samba Nômade’ vem da ideia de o samba estar se espalhando cada vez mais pelo Brasil e pelo mundo, da ideia de agregar compositores de diferentes partes do país e de viajar para o mundo todo levando essa música que nos representa”, explica. No repertório, são contemplados compositores do Amazonas, casos de Flavio Pascarelli e Paulo Onça; de Belém do Pará, com André da Mata; a já citada Minas Gerais, na figura de Roger Resende; Rio de Janeiro, por Guilherme Sá; além de São Paulo, terra natal da entrevistada, que nasceu em Assis, no interior do Estado.
Para dar conta dessa diversidade, ela convocou quatro produtores musicais: Rodrigo Campello, Alceu Maia, Fernando Merlino e Leonardo Bessa, “cada um trazendo suas características de arranjo e instrumentação”, pontua. As participações especiais, que começaram com Zambujo, continuam, mas, por enquanto, permanecem em segredo. “Vai ser uma produção miscigenada como o Brasil”, alinhava Joyce. Ela mesma tem experiência em percorrer o planeta e levar a arte de suas origens. Em 2008, morou em Nova York, onde recebeu o prêmio de melhor intérprete do Brasil nos Estados Unidos, ao lado de Marcos Valle. Dez anos depois, sagrou-se embaixadora da música brasileira no Japão.
Movimento. Joyce, que já excursionou por Japão, Alemanha, Portugal, Itália, França, Espanha e Estados Unidos, concorda com Nelson Sargento: “O samba agoniza, mas não morre”. “E digo mais, o samba está se espalhando. No interior do país, as rodas de samba aumentaram e os jovens têm frequentando e consumido mais o samba. Fora do Brasil, me apresento constantemente com músicos locais e vejo esse movimento ganhando força, tive a oportunidade de ver de perto essa popularização do nosso samba”, orgulha-se. Com essa bandeira hasteada em forma de canção, ela pretende “conhecer mais artistas, músicos e compositores espalhados pelo mundo”, como uma nômade do samba.
Atualmente, ela concilia a carreira solo com a direção da escola de teatro musical Broadway Rio. As atividades têm ocorrido online, o que, segundo Joyce, faz o trabalho “aumentar muito!”. “Estou procurando me adaptar e fazer o possível neste momento. Tenho produzido muito na quarentena”, diz a sambista, que entrega uma novidade: em breve, ela coloca na praça o próximo videoclipe e a finalização do aguardado disco. Fã de Clara Nunes, Beth Carvalho, Elis Regina e Maria Bethânia, “as cantoras que mais ouvi na vida, desde cedo”, Joyce cresceu estudando piano, cantando em coral e praticando aulas de dança. “A música é muito presente em minha vida”. Presente que ela oferece aos ouvintes.
Foto: Roberto Pontes/Divulgação.