Golpe contra Dilma e a democracia brasileira é revivido em ‘Alvorada’

*por Raphael Vidigal

“E assim se faz a vida, com desalentos e esperanças, com recordações e saudades, com tolices e coisas sensatas, com baixezas e grandezas, à espera da morte, da doce morte, padroeira dos aflitos e desesperados…” Lima Barreto

É consenso que o segundo governo Dilma nem começou. “Alvorada”, de Anna Muylaert e Lô Politi, mostra como ele terminou. O documentário tem como foco os dias que a presidenta afastada passou no Palácio da Alvorada, após a Câmara dos Deputados autorizar a abertura do processo de impeachment que levou à sua deposição definitiva em setembro de 2016. Dilma está longe de ser uma personagem fluida, flexível, o que transparece em seu próprio andar. Ao contrário, ela renega, inclusive, a alcunha de personagem. Numa das poucas conversas que trava diretamente com as diretoras, dá mostras de seu temperamento, tido muitas vezes como antipático. Define a filmagem como “invasiva e excessiva”. Em uma entrevista a um jornalista argentino, admite: “Tem gente que acha até que eu não sou humana”, fala sobre tango e gargalha.

Há uma atmosfera de tensão entre Dilma e os que a rodeiam que as câmeras conseguem captar. A presidenta garante que não se deprime nem se desequilibra, mesmo nos momentos de maior dor, como a prisão no período da ditadura em que foi torturada. “A gente precisa trabalhar isso, porque senão fica insensível e não consegue ter empatia com o desequilíbrio dos outros”, diz. Ela aparece sempre no controle: dos gestos, das emoções, das falas. Pouco se apreende da personagem. Em uma discussão com o ex-ministro Aloizio Mercadante, rejeita a utilização de um termo que considera impreciso, e o faz sem meias-palavras. As dificuldades de relacionamento ficam explícitas. Dilma comanda o entorno com rigidez, o que contribui para prejudicá-la na trajetória política. Se de Dilma é possível extrair quase nada, o cenário do golpe fica claro.

No discurso após a aprovação pelo Senado de sua derrubada, ela esclarece que sua saída visa à implantação de um neoliberalismo radical que não constava em seu programa de governo, mas que a turma que ascendeu ao poder sem o voto popular não terá escrúpulos em promulgar. “Um bando de ratos, um bando de corruptos!”, desabafa uma apoiadora de Dilma quando ela se dirige aos militantes que a aguardam na entrada do Palácio da Alvorada para saudá-la. De relance, a narrativa vai colhendo pistas que explicam a tramoia político-jurídica que levou ao golpe contra Dilma e a democracia brasileira, com o apoio da chamada grande mídia, empenhada em vender uma ideia sedutora e de fácil entendimento: que a recessão econômica teria sido causada pela corrupção do PT. O tempo descortina a verdade e mostra que a fala de Dilma era mais precisa.

Ao ser lançado em 2021, cinco anos após o fim do governo Dilma, o documentário leva ao espectador a sua narrativa através da sugestão e do silêncio. Não é preciso dizer que há uma revolta na sociedade brasileira contra certo tipo de corrupção, aquela que cada um considera que o prejudica individualmente. A bandeira do combate ao roubo do dinheiro público tem o papel de conceder dignidade a certo egoísmo econômico. O que estarrece é que essa postura avarenta parte, de maneira estratégica, daqueles que promovem a concentração de renda em um país que retornou a patamares brutais de desigualdade. A tese é comprovada pela proteção a caciques da política nacional, como Maluf e ACM, que conjugavam corrupção com avanço econômico. Mesmo Lula foi reeleito no auge das denúncias de mensalão. Dilma, nesse tabuleiro, acaba redimida de seus erros pela injustiça a que é submetida.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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