“Nomes em que você pensa –
Campânula-de-abril, Cachimbo-de-índio,
Pequenino
Caule sem espinhos,
Lago em cujas margens, imagens
Pudessem ser clássicas e imensas
Não esse tenso
Torcer de mãos, esse teto
Escuro e sem estrela.” Sylvia Plath
O veludo detém a resposta e impede a passagem. Veludo azul encobre a luz. Veludo grosso, escuro, ondula e mantém-se firme. Como todo ser dotado de expectativa e preconceito surpreende-se. As palhas cobrem os telhados das ocas e também sobre o chão. A erva incinera vermelha no cachimbo de espiga de milho. O lago abundante de peixes e crianças nuas a brincar. Cabelos lisos cobrem toda a testa e chegam a tocar sobrancelha. Mas isso foi no princípio.
Ao clima quente e seco não se acostumaram. Como todo ser dotado de costume é também de saudade. Penas enfeitam pescoços, calcanhares e robustos alargadores de madeira pelas orelhas. A vida que se modifica finda e volta. Como água. O massacre dos jesuítas não os diz nada. Mas a restauração da água. Pelas costas veio o boi bravo. Pela sombra das crianças mortas. Tentaram lhe tocar o chifre, acostumadas com a espécie nova de búfalo.
Mas o boi bravo, acostumado com a espécie humana, que lhe comia a carne, modificara-se. Indócil e turbulento modificara sua visão de mundo. Os chifres nervosos do animal deram o primeiro gesto de brutalidade do alto de oitocentos quilos. O pavor dos gritos, infantis e agudos, começa a ecoar e atingir as tocas, o pajé, o cacique. O perigo: correm rápido. Mas quando chegam…
Não que seja tarde, é que agora tudo se modificara, e era o índio quem ameaçava o boi bravo. Com o penacho em riste e um amuleto verde proferia verdades na língua de casa, há muito extinta desse povoado. O boi bravo, ao entender o recado, curva-se manso, deita na mata, abre um largo sorriso, começa a mastigar pedaço de não sei o quê vindo de nunca se sabe. O boi havia sido domado pela palavra, a raiz, o caule daquele índio bravo. Alvorecia na enseada.
Raphael Vidigal
Pinturas: obras de Frida Kahlo.