Entrevista: Tito Marcelo, um nome para se prestar atenção

“Aqui, zona de tato e calor, margem do ser
Larga periferia, olha teu corpo de carne
Tua medida de amor, o que amaste em verdade.” Hilda Hilst

Apesar de já ter lançado dois discos, "O Futuro Ligeiro da Demora" tem sabor de estreia para o artista

O passado, como analista de sistemas, vai ficando cada vez mais para trás. O chamado da música soou mais forte e Tito Marcelo resolveu não se opor ao que parecia inevitável. “Hoje me aceito como artista”, diz o moço. Atualmente com 41 anos, ele dá sua cara a tapa lançado um álbum de título instigante – “O Futuro Ligeiro da Demora” -, e para o qual convidou uma pá de gente boa, como o percussionista Marcos Suzano. A produção foi entregue ao baixista André Vasconcellos. Apresentado à imprensa por Mauro Ferreira (que ressalta influências de gente como Bob Marley, Gonzagão, Legião Urbana, Lenine e até Michael Jackson e Titãs), o disco traz 11 faixas de vieses distintos. Nascido no Recife em dezembro de 1974, Tito Marcelo mora hoje no Rio de Janeiro, embora confesse que tenha sido criado musicalmente em Brasília.

Em seu currículo, constam dois discos anteriores, que o fizeram conhecido em duas das cidades citadas: a capital federal e a sua terra natal. Com o novo petardo, ele visa ampliar o espectro de seu público. E a vontade se reverbera no número de faixas que ele chegou a compor para o novo trabalho: nada menos que 31! Claro, junto ao produtor, o artista submeteu o material a uma peneira, e as 11 que compõem o álbum foram, pois, selecionadas. Em entrevista à Esquina Musical, Tito falou mais sobre o trabalho, que também agrega o trompetista Jessé Sadoc, o baterista João Viana e o guitarrista Torcuato Mariano. Confira!

1) Você partiu de um universo de 31 canções. As 11 que estão no CD foram selecionadas por você junto ao produtor. Percebe algum fio a conduzir este grupo (das 11 canções), um denominador comum? Digo, as faixas dialogam entre si estabelecendo, ao fim, um conceito?
Eu não costumo fazer músicas para um disco, um álbum. Digo, pensar num conceito primeiro, e depois criar as músicas dentro dele. Não. Normalmente, vou compondo, criando, e cada música, separadamente, tem seu universo próprio, único. Quando eu e o André decidimos fazer um novo disco, comecei a mostrar as músicas que já tinha prontas, mas não gravadas. Resolvemos parar em 31 canções – tinha mais! (risos, porque já tínhamos material suficiente pra escolher o repertório). André já tinha em mente a estética e as sonoridades que gostaria de usar. Com isso, fomos escolhendo as músicas partindo, além deste critério “sonoro-estético”, também do que as letras das músicas diziam, para chegarmos num sentido poético para o disco, como um todo. Na verdade, o próprio processo de escolha fez com que encontrássemos, nas músicas, um conceito comum do álbum.

2) O material de divulgação que acompanha o trabalho, assinado pelo crítico de música Mauro Ferreira, fala sobre as suas “quatro estações”, ou seja, divide o disco em climas que são linkados às estações do ano. Neste espírito, cabe perguntar: qual é a sua estação  preferida?
Dissertar sobre o álbum como estações surgiu mesmo a partir da leitura e interpretação do Mauro (Ferreira). Achei super legal essa ideia, porque, dentre outras possibilidades, dá para passear bem pela diversidade das músicas e de seus arranjos. Bom, mas eu curto muito o verão. Gosto do Sol, do calor. Deve ser porque nasci em Recife que, normalmente, é bem quente (risos).

3) Como é seu processo de criação? Letra e música vêm simultaneamente?
Varia de música para música. Às vezes, faço primeiro uma melodia, depois coloco a letra. Às vezes penso e escrevo uns versos, umas ideias, e depois vou procurando alguma musicalidade nas palavras. E algumas músicas surgem já “completas”, ou seja, na mesma hora em que estou fazendo a melodia, a letra já “aparece” junta. Gosto mais dessas. Mas independente do processo, costumo dizer que, raramente, paro para fazer uma música. Na verdade, a música me pede para fazê-la. Quase tudo vem na mente, de repente, e não tenho muita escolha, a não ser escrever a música (risos).

4) O título é poético até a medula. Poderia falar da escolha dele, e o que ele assinala? Sim, vi que foi pinçado da letra de “Bombai”, portanto, queria que você falasse tanto da faixa quanto do motivo de ter seu olhar voltado para essa frase ao bater o martelo pelo título do CD. Ah, sim. E por que, aliás, a faixa leva o nome “Bombai”?
“Até a medula” foi ótimo! (risos). Acho que “O futuro ligeiro da demora” é o próprio tempo. A música que tem essa frase na letra fala sobre o tempo. E dentre as inúmeras – e infinitas, né?! (risos) – maneiras de se falar sobre o tempo, me surgiu mais essa. Meio filosófica, meio brincalhona, meio antagônica, parecendo um título de cordel. Achei que seria um título legal para o disco. Não só pelo significado do tempo, que inevitavelmente está em tudo, mas também pela poesia que a frase remete. Achei que podia despertar o interesse e a imaginação das pessoas. A música se chama “Bombai” porque, quando mostrei essa música para o André, ela já tinha um arranjo inicial (com uns sons indianos, ou algo parecido), que fez com que a gente ficasse se referindo a ela como a música “bombay sounds”. Aí a música ganhou de presente esse nome: “Bombai”. Depois a gente até ficou viajando e brincando com o nome, tipo “bombai” no sentido de estourar, bombar, ou de bater o bombo, “bombai-vos”. Acho que ficou bem original. (risos).

5) Poderia se deter em particular na faixa “A Cor de Sermos Nós”,  falar sobre a gênese, o impacto do filme “12 anos de Escravidão” sobre você e destrinchar a proposta de abordar esse tema?
Eu vi esse filme e fiquei muito pensativo sobre a atrocidade que a escravidão não só representou, mas representa até hoje com suas consequências. Pouco tempo depois de eu ter visto o filme, ocorreu um episódio racista num jogo de futebol, que despertou inúmeras opiniões nas redes sociais. Numa dessas discussões, já refletindo muito e também sobre o filme, fiz um comentário que dizia, mais ou menos, que o problema não era sermos diferentes, e sim indiferentes àquilo que nos tornava iguais. Um amigo leu aquilo e disse que eu podia fazer uma música…

Músico Tito Marcelo lança novo álbum

Patrícia Cassese – Convidada especial do blog Esquina Musical

Fotos: Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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