Entrevista: Artistas de Minas exaltam rebeldia da música de Janis Joplin

*por Raphael Vidigal

“pensávamos os mesmos pensamentos da alma, chapados e de olhos tristes, cercados pelas retorcidas raízes de aço das árvores da maquinaria,” Allen Ginsberg

Ela nasceu há 80 anos, mas se é verdade que, na música, o tempo é fundamental, também o é que, através dela, os limites se expandem. Ao menos no caso de Janis Joplin, que morreu aos 27 anos, vítima de overdose, em 1970. Cantora de rock e blues, a norte-americana despontou junto à geração de Jimi Hendrix e Jim Morrison, influenciada por nomes como Billie Holiday, Aretha Franklin e Etta James.

A voz rascante e os excessos dentro e fora do palco foram algumas de suas marcas, além das canções carregadas de desvios amorosos e hinos à libertação. Kícila Sá, multiartista, atriz e cantora, acredita que Janis se diferenciou de seus pares pela “interpretação e atitude”. “Só não digo que ela era uma atriz por que realmente sinto que ela viveu cada palavra que cantou, cada lágrima que derramou, cada grito que berrou. Janis tirava do útero uma voz difícil de ser comparada com qualquer outra cantora da época. Além de tudo, ela foi uma mulher à frente do seu tempo”, observa.

De fato, é difícil dissociar Janis de sua obra, como acontece, em via de regra, com os grandes artistas, seja de qual área forem. Imersa no universo hippie, Janis viveu como queria e se permitiu todo tipo de experiências, tanto com drogas alucinógenas quanto sexuais. Por essa postura livre e altiva ela é hoje considerada um dos símbolos da luta feminista, sem ter necessariamente levantado bandeiras ideológicas além de sua música e sua arte, onde tudo estava.

André Albernaz, músico e tecladista da banda belo-horizontina Djalma Não Entende de Política, destaca o “timbre e dinamismo de voz e a carga emocional das interpretações muito intensa” de Janis Joplin. É razoável atribuir a essa entrega e intensidade muito da identificação dos jovens com a música de Janis Joplin e a sua permanência. Afinal de contas, embora os tempos sejam outros e mudem constantemente, a rebeldia continua sendo uma das atitudes preferidas da juventude, seja dos anos 2020 ou da década de 1960.

Legado. É possível perceber a influência, direta ou indireta, de Janis Joplin sobre diversos artistas da música brasileira, desde a postura no palco de Cássia Eller, até citações efetivas. Por exemplo, Cazuza refere-se a ela na música “Garota de Bauru”, enquanto Elis Regina declarou que “queria morrer como a Janis Joplin”. Como se vê, mais uma vez, música e vida andam juntas.

Para Kícila, “Janis conseguiu uma proeza incrível ao unir o estilo de uma ‘garota country’, com a profundidade de uma ‘diva do blues’, e uma atitude ‘rock’n’roll’. Ela praticamente criou um estilo. O estilo Janis Joplin de ser e de cantar”, enfatiza. Por outro lado, Albernaz atribui à cantora o papel fundamental de incentivar “para o rock, principalmente, diversas novas mulheres a se tornarem líderes de bandas”, avalia.

E cita Joss Stone como uma das discípulas, além de prováveis fontes de inspiração bebidas por Janis: “blues, jazz, soul, R&B, gospel, funk – não o carioca –, folk”, enumera. Kícila Sá é mais enfática, e conclui que, “depois de Janis Joplin o mundo nunca mais foi o mesmo. Cantoras como Joan Jett, Tina Turner e a nossa brasileira Rita Lee são influências visíveis e declaradas de Janis. Joplin teve um berço musical muito interessante. Cresceu ouvindo blues e folk e se inspirou muito em Etta James, Aretha Franklin e BiG Mama Thorton, mas desenvolveu um estilo único e incomparável”, explica.

Ícone máximo de sua geração, Janis acumulou envolvimentos em episódios folclóricos, inclusive no Brasil, como o famoso caso, repetido pelo próprio, com o cantor Serguei, e o fato de ter nadado pelada na piscina do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, onde estava hospedada.

Albernaz, porém, relativiza a presença de Janis no contexto da época. “Média importância. Mais, às vezes, para um nicho restrito do público. Acho que Jimi Hendrix, que morreu mais ou menos na mesma época, teve muito mais influência do que ela. Sua importância só aumentou e ainda aumenta desde a sua morte. Às vezes um pouco da influência da ‘necrofilia da arte’”, detecta.

Mulher. Kícila Sá atesta a influência de Janis Joplin sobre “a geração do rock psicodélico de sua época, graças a seus amigos poetas, cercada pela rebeldia dos anos 1960 e 1970”, e dá, como exemplo, seu envolvimento com “os hippies e a banda ‘Big Brother & The Holding Company’”.

Para ela, Janis carrega outra característica fundamental para o mundo da arte, além da originalidade, o pioneirismo. “Acredito que, por ter sido uma das primeiras mulheres a entrarem no mundo masculino do rock, Janis simbolizou uma nova era para as mulheres, para os artistas e para toda uma geração que viveu e que começava a quebrar tabus e padrões na sociedade. Questões como a legalização da maconha, do aborto e da liberdade de expressão se misturavam com música e a arte”, exalta.

Talvez por conta disso André Albernaz escolha as mesmas palavras, que parecem se grudar à personalidade da artista: “Jovialidade e intensidade!”.

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1 Comentário

  • Muito bom! Sou fã da Janis há 15 anos. Li muito e ouvi muito Janis…Nunca mais apareceu uma mulher como ela,por isso ela é eternizada por tudo o que foi! Salve Janis…

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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