Entrevista: Angela Ro Ro segue ‘Feliz da Vida’ a trilha musical de samba e blues

Amor meu grande amor

*por Raphael Vidigal

“Não, eu não sirvo de exemplo para ninguém. Troco até os acentos: digo amem ao invés de amém!” Angela Ro Ro

 

Angela Ro Ro desmente logo de cara que o novo álbum, gravado no Teatro Net Rio no último dia 15 de outubro, a ser lançado em 2013, seja comemorativo ao seus 30 anos de carreira: “Isso foi um equívoco de assessoria, pode riscar daí, me ajuda a desfazer esse engano, comecei a gravar em1979 e não estou celebrando nenhuma data específica, só a vida!”

“Feliz da Vida” dá nome ao disco que contém 13 canções inéditas, das 15 do repertório, e conta com a participação de Sandra de Sá (em “Beijos na Boca”), Jorge Vercilo (“Capital do Amor”), Diogo Nogueira (“Salve Jorge”), Ana Carolina (“Canto Livre”), Paulinho Moska (na canção título) e Roberto Frejat revisando os sucessos “Amor, Meu Grande Amor” e “Malandragem”.

TUDO UM POUCO
Sobre os convidados, Ro Ro é só elogios: “Sandra de Sá é um barato! Uma festa! A música é cheia de suingue. Com o Vercilo é uma bossa nova em homenagem ao Rio de Janeiro, fizemos uma brincadeira com a plateia e eles cantaram o refrão inteiro. Paulinho Moska é um amigo querido, conheci quando apresentava o programa de entrevistas ‘Escândalo’ no Canal Brasil, a canção está muito bem feita, bonita, e tem o verso que resume como estou no momento!” conclui.

A diversidade do repertório da cantora é percebida não só pelo leque de participações, como também pelos ritmos: “Minha formação comprova essa maleabilidade. Desde pequenininha ouvia blues, samba, bolero, jazz, Frank Sinatra, Angela Maria, Aracy de Almeida, Ataulfo Alves, Carlos Gardel. Estudei acordeom, piano erudito, valsinhas. Já compus tango, guarânia, rock, de tudo um pouco e de pouco um tudo!” afirma.

FUTURO
O carinho de colegas de variados gêneros atesta essa teoria. Angela já foi gravada por Ney Matogrosso, Maria Bethânia, Luiz Melodia, recebeu os afagos do contumaz crítico Lobão e teve músicas compostas em homenagem à sua figura por Caetano Veloso (“Escândalo”) e Cazuza (“Malandragem”): “A consideração que recebo dessas pessoas é uma alegria! Faz bem para a saúde, minha pele fica melhor com tanta gente carinhosa ao meu redor”, graceja.

Em relação aos projetos, Ro Ro confidencia o desejo de retomar o programa “Nas Ondas da Ro Ro”, passado na internet e no rádio e que deve chegar à televisão no ano que vem: “Só falta o patrocínio. Mas a orgia musical é maravilhosa! Já recebemos gente do calibre de Francis Hime, Elza Soares, Eduardo Dusek, Jards Macalé, um luxo!“. Sobre este último e o tom do programa enfatiza: “O Macalé é um rebelde delicioso, e a atração tinha esse dever de levar algo menos pesado para as pessoas, a vida já é muito séria, por isso lá eu comando a baguncinha” diz.

SAUDADES
Voltando ao passado, Angela Ro Ro relembra alguns amigos que partiram, como o cineasta Glauber Rocha (morto em 1981 de septicemia) e o cantor Cazuza (vítima da AIDS em 1990): “Tive o privilégio de ser namorada do Glauber, um namoro acima do sexo, o melhor que existe, chamado amizade. Por ser bem mais nova, eu era uma espécie de ‘mascote’ do Cinema Novo, e herdei a verborragia que ele tinha. Sou uma modesta discípula” brinca.

Do parceiro na canção “Cobaias de Deus” e “Ajudai, Senhor”, ainda inédita, que a cantora pretende lançar em breve, destaca a coragem: “Cazuza era  ‘cabra macho’, no bom sentido da palavra, um garoto que enfrentou a doença e não parou de trabalhar, mesmo com balão de oxigênio, deitado na maca, da forma que podia e não podia, tenho muito orgulho das nossas parcerias” vaticina.

E rememora ainda os motivos que a levaram a recusar Malandragem: “Estava fechando o disco e não me animei a cantar ‘quem sabe eu ainda sou uma garotinha’, e a Cássia Eller, uma das melhores cantoras do mundo, depois fez aquela gravação maravilhosa, porque a música é linda mesmo, e agora ela caiu no meu colo de novo, é uma delícia de ser levada” conta.

DOR DE COTOVELO
Ro Ro discorda ferozmente dos que a associam à ‘dor de cotovelo’ das geniosas Dolores Duran e Maysa: “Fico muito lisonjeada em ser comparada a elas, mas não consigo ver em mim a grandeza melancólica nem a profundidade de harmonia e letra. Sou mais uma carioca brincando de tirar um som, descontraída. Tenho no máximo os olhos claros de Maysa, como mamãe dizia” ri e canta um trechinho de “Capital do Amor”, feita com Jorge Vercilo.

A intérprete, que tem registros entoando os idiomas inglês (“Opium”, do próximo álbum, entre outras) e francês (“Ne Me Quite Pas”, de Jacques Brell e “Joana Francesa” de Chico Buarque), assume falar com certa fluência a primeira língua, em virtude dos três anos que morou na Inglaterra, e arranhar a segunda: “Não sou louca de cantar uma música sem entender a letra, mas não consigo compor, por exemplo, em francês. Agora, o papel que me imponho ao cantar é de atriz, aí é que está o mistério da arte, adentrar em caminhos aparentemente desconhecidos e desbravá-los. Posso cantar até em japonês, italiano, como fiz recentemente em ‘Senza Fine'”, reflete.

AUTODIDATA
A literatura também apoia a carreira de Angela, que cantou faixa de disco com os poemas de Hilda Hilst, idealizado por Zeca Baleiro em 2006, embora ela afirme ser “pura experiência. Não sou erudita, uma intelectual, nem teórica. Considero-me autodidata. Leio pouco, mas quando o faço misturo Agatha Christie com física quântica, Nietzsche com Proust, geografia e espaço sideral, (sou) doidinha” diverte-se.

Incitada a escolher o verso mais bonito da canção brasileira, diverge: “Não existe um único. Toda a obra de Chico Buarque, de Caetano Veloso, de Gilberto Gil, ficaria honradíssima em assinar qualquer uma delas, mas se tiver de ficar com uma só escolho a letra de ‘O Que Será, Que Será’, do Chico” decide.

CASAMENTO GAY
No que diz respeito a assuntos que tem afligido a sociedade, como legalização da maconha e casamento gay, Ro Ro tem postura definida: “Deveriam liberar a cannabis ativa para usos medicinais. É uma planta, Jesus! Não serve apenas para ser fumada” e prossegue: “A questão da união entre pessoas do mesmo sexo eu olho com muita seriedade, não gosto daquelas bagunças de passeata. Sou a favor que ocorra em prol da adoção de crianças que necessitam de cuidado e carinho e são rejeitadas. Se forem duas girafas, dois homens, duas mulheres, não interessa, o importante é o amor em volta dessa pessoa” considera.

Mas Angela também não foge dos próprios preconceitos: “Tenho. Contra a violência, covardia, má índole, caráter duvidoso, maldade. Não sou a dona da verdade, implico com essas posturas todas” alicerça, e antes de se despedir manda um voto para o mundo: “Paz e brincadeira, para a canção sair bonita.”

DISCOGRAFIA:
1- Angela Ro Ro (1979)
2- Só Nos Resta Viver (1980)
3- Escândalo! (1981)
4- Simples Carinho (1982)
5- A Vida é Mesmo Assim (1984)
6- Eu Desatino (1985)
7- Prova de Amor (1988)
8- Nosso Amor ao Armagedon – Ao Vivo (1993)
9- Acertei no Milênio (2000)
10- Compasso (2006)
11- Angela Ro Ro – Ao Vivo (2007) – CD & DVD
12- Escândalo (2009)
13- Feliz da Vida (2013) *previsto

Malandragem

Publicado no jornal “Hoje em Dia” em 29/10/2012.

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17 Comentários

  • Adoro esta minha amiga Angela RoRo… Esta num plano que eu considero das minhas musas .. E ainda por cima Ela faz o favor de gostar de mim .. Bjos

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  • “Não, eu não sirvo de exemplo para ninguém. Troco até os acentos: digo amem ao invés de amém!” Angela Ro Ro ?

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  • Como não se identificar com Ro Ro? Ainda tenho seus discos de vinil que guardo com todo carinho…foi escutando seus discos que reuni forças na adolescência para lutar contra o preconceito…deu certo…valeu Ro Ro.

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  • Nos anos 80 nunca perdia shows de Ângela aqui ou onde eu tivesse oportunidade de vê-la. Eram dois shows à parte. Momento música/momento casos (espirituosíssimos e inteligentes). Vi um show de RoRo no Rio bem naquela sua fase obesa de inchaço por conta do vício. Saí do show muito triste ao vê-la sair também, escorando nas paredes sem condições de caminhar, devido tamanha embriagues. Hoje tenho a alegria de ter a Angela feliz e de bem com a vida. Além da grande compositora, uma intérprete única. No cd duplo em homenagem ao centenário do Ataulfo Alves, sem dúvida, Fim de Comédia, foi uma das melhores interpretações do álbum. Angela é demaaaaais!

    Resposta
  • Demais!!!
    Parabéns, Rô Rô! Tudo de bom! Vc é alegria que contagia.

    Resposta

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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