Entrevista: Agatha Almeida lança “Amordaça” para ninar gente grande

“Minha personagem me chama pelos corredores das folhas de papel
Ergue os dedos delicados
E é apenas quando ouço a voz de Vânia que permito-me escrever sem pensar que estou prestes a morrer

ou que hei de enlouquecer
e ceder a cada ruído ou aceno dissimulado” Agatha Almeida

agatha-almeida

Logo que teve o primeiro poema publicado, no jornal de Passos, cidade do interior de Minas Gerais, Agatha se sentiu picada pelo “bichinho literário”, pois, como nos lembra Ferreira Gullar, “a poesia nasce de repente e não faz barulho. Pode acontecer no meio da rua e ninguém vai perceber”. Passados 20 anos desde a estreia inevitável, ela reuniu coragem e recursos para lançar “Amordaça”, pela editora Benvinda, que virá oficialmente à luz no próximo dia 14 de maio no Café do Carmo, no bairro Sion, a partir das 16h. A escritora, porém, não nega as origens, e pensa no futuro de olho no passado. “Ainda muito jovem, por volta dos sete anos, escrevi uma poesia em comemoração ao ‘Dia do Soldado’. O texto foi escolhido por colegas e professores para ser publicado na Folha da Manhã, jornal passense, na época o principal jornal do município e região. Me lembro vividamente do prazer sentido em poder dividir a escrita com leitores do periódico na cidade. Desde então dedico muito do meu tempo a leitura e à escrita, e tenho muito prazer em fazê-lo”, sublinha Agatha.

Muito diferente da temática relativa à primeira experiência “Amordaça” traz, já no título, uma provocação. Enquanto no dicionário o sentido da palavra é descrito como “impedir de falar, de opinar, de manifestar-se”, é claro e confesso que Agatha Almeida tem intenção contrária. “Paradoxalmente, ‘Amordaça’ foi escrito para escancarar, berrar, esganiçar, escandalizar, ser lido”, explica em consonância com o espírito rebelde dos melhores poetas. Como se não bastasse, o livro, composto por poemas e minicontos, envereda por questões polêmicas da atualidade, especificamente a de gênero e dos relacionamentos. “Foi preciso escolher e reunir poesias previamente escritas e organizá-las para construir uma história maior, com direito a linearidade e personagens. Além disso, a criação de capítulos também fez parte do processo de criação. Falar sobre questões de gênero através das de autoria e relacionamentos me pareceu uma forma de unir os temas de meu interesse e que, enquanto autora, tenho prazer e facilidade em abordar”, conclui a poetisa.

PERSONAGENS
Outra expressão cunhada por Agatha Almeida que sintetiza a intenção desta aventura encontra-se na descrição da obra. Segundo ela “são histórias infantis de ninar gente grande”, pois logo nas primeiras páginas o leitor irá se deparar com o “tom adulto, principalmente pelo ímpeto de escancarar os desejos dos personagens”. E continua: “Na primeira parte está ELA: criativa, histérica, curiosa, libertina e resiliente. Em seguida, somos apresentados a ELE: apaixonado, sensível, com um quê de paranóico, de egocêntrico e boêmio. Já ELES – elos, laços e nós – conversam, dialogam e fundem-se abarcando relacionamentos, desejos (os contidos e os inconstantes), intimidade e intervalo. Entre ELES quase não há meio-termos, conversam aos berros ou sussurram. Ora no ouvido, ora no coração. Um livro de personagens com almas ‘desamordaçadas’. Doce e obsceno”; esta breve demonstração já é o suficiente para deixar os mais curiosos com água na boca em relação ao coquetel completo que se oferece, demoradamente, e em gotas, pelas páginas.

“A experiência de criação e publicação tem sido tão positiva que o projeto do próximo livro, apesar de estar na fase embrionária, já existe”, promete Agatha. Quem a vê assim tão confiante se engana ao pensar que não houve obstáculos, a coragem não é a ausência de medos, mas a decisão de enfrentá-los. Ela destaca os aspectos positivos e negativos da cena cultural em Belo Horizonte. “O que tenho visto são autores independentes investindo nos próprios livros e editoras locais interessadas em abrir espaço para novos talentos da literatura. O processo não é simples. Mas também não é um bicho de sete cabeças. Existem alternativas de publicação como o financiamento colaborativo ou coletivo, por exemplo. A minha experiência em torno do livro tem sido muito positiva e a curiosidade de muitos amigos a respeito de como é o processo de publicação no Brasil me fez pensar sobre o quanto muitos jovens escritores por receio de se lançarem autores não procuram saber o quão exequível é publicar no país”, constada lastreada na própria experiência.

DESAFIOS
Ainda a respeito da publicação, Agatha se debruça sobre as dificuldades. “Os desafios estão principalmente vinculados a distribuição e ao incentivo à leitura. Nós brasileiros não somos grandes leitores e consumidores literários se comparados a países mais desenvolvidos educacionalmente”, aposta. Mais uma vez impõe-se a questão da formação de público, intimamente ligada ao modelo de educação brasileiro e à facilidade de acesso a ela e objetos culturais além dos oferecidos pelas mídias tradicionais às grandes massas, preocupados em criar um “público de espetáculo” ao invés de um “cidadão pensante”, e como diria aquela outra banda, instigado. É por isso que Agatha acredita na função de sua arte e procura fazer sua parte. “O papel da arte é de transformação. Acredito piamente no papel contribuinte social da arte – poesia, literatura e demais formas – como coloquei, é uma força transformadora, capaz sim de entreter, divertir, tocar, levar a reflexão, tudo ao mesmo tempo”, garante. Poder com o qual ela teve a possibilidade de ter contato desde jovem.

“Livros são presentes e vastamente disponíveis na minha casa. Meus pais sempre incentivaram a leitura e o gosto pelas palavras, desde a minha alfabetização”, recorda. E ao voltar para o começo da história Agatha Almeida completa o círculo feito em torno de “Amordaça”. “Esta primeira publicação começou a tomar forma em 2013 quando iniciei uma pós-graduação em processos criativos pela PUC Minas. Infelizmente deixei de lado a vontade de publicar pela dita ‘falta de tempo’. A coragem de tirar o projeto da gaveta e dar vida ao tão desejado livro veio à tona no começo deste ano após o fim de um relacionamento e uma demissão inesperada. Ambos já não estavam tão satisfatórios quanto deveriam, e então o fim que para muitos poderia parecer um infortúnio, para mim serviu de combustível criativo e força empreendedora”. Está dado o recado, pois a poesia, como as demais artes, é mestra em revolver luz das trevas, extrair a purpurina da lágrima, e desmentir lógicas. “O livro ‘Amordaça’ me revela apenas enquanto jovem escritora e poeta. Não esconde nem revela a Agatha. E não precisa da autora para revelar-se”. Que dizer mais? Está à mão dos incautos retirar o dedo da boca e as camadas de panos.

agatha

Raphael Vidigal

Fotos: Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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