Dona Ivone Lara. Ah, Dona Ivone Lara, quanta força de menina há no respeito com que te tratam. Pois conquistou essa alcunha brincando, bulindo travessuras, esquentando na xícara de café o leite adormecido da manhã, ao que chamaram essa diversão de samba-enredo, você aceitou, porque não? Afinal contava a história da sua vida, os sonhos, as fantasias, de bonecos que desfilariam nas avenidas do Rio, com toda a elegância imaginada, no coração verde e branco do Império Serrano.
“Carnaval
Doce ilusão
Dê-me um pouco de magia
De perfume e fantasia
E também de sedução
Quero sentir nas asas do infinito
Minha imaginação”
Nascida em berço esplêndido, sim, a pobreza também ensina, colhe sabedoria, Jesus Cristo veio ao mundo sob um telhado de feno, iluminado pela luz das estrelas, presenteado pelos Três Reis Magos, com ouro, mirra e incenso. Por que esta fatia de luz qual manteiga fresca na mesa, ilumina Dona Ivone Lara e seus passos sambados, e os presentes que recebeu foram três: vocação, cavaquinho e cadência.
Com a vocação, encaminhou-se para a música. Usou a pena sensível para escrever através das ruelas que via as mazelas de um povo, auxiliada por cavaquinho e as lições líricas aprendidas com a primeira esposa de Villa-Lobos, sem contar a escola da vida, onde exerceu as profissões de enfermeira e assistente social.
“Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe
Sonho meu
Vai mostrar esta saudade
Sonho meu
Com a sua liberdade
Sonho meu
No meu céu a estrela guia se perdeu
A madrugada fria só me traz melancolia
Sonho meu”
A cadência veio no ritmo, toda dengosa, verso e prosa, a rechaçar a derrota, e cantar a vitória da plebéia, rainha nobre maior do samba, tantas e tantas conquistas: “Sonho Meu” (parceria com Délcio Carvalho, cantada por Maria Bethânia e Gal Costa), “Os Cinco Bailes da História do Rio” (com Silas de Oliveira e Bacalhau, primeiro número do gênero composto por uma mulher), “Alguém me avisou” (gravada, entre outros, por Gilberto Gil), “Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço” (com Hermínio Bello de Carvalho, imortalizada por Paulinho da Viola), “Força da Imaginação” (com Caetano Veloso, alçada ao sucesso por Beth Carvalho), e outras.
Raízes africanas, romances leves, exaltação à beleza. E o mais bonito de tudo, todas dadas de mão beijada a todos, com carinho, de Dona Ivone Lara.
“Saudade amor, que saudade
Que me vira pelo avesso, e revira meu avesso
Puseram uma faca em meu peito
Mas quem disse que eu te esqueço
Mas quem disse que eu mereço”
Raphael Vidigal
Lido na Rádio Itatiaia por Acir Antão dia 15/04/2012.
3 Comentários
Como Arlindo Cruz escreveu e contou nesse carnaval, Ivone Lara é “a rainha da casa, mãe esposa de fé
diz que o dom de compor é coisa de mulher”
Grande…. Obrigada!
Dona Ivone Lara merece todas as homenagens. Agradeço a todos que comentaram. Abraços!