Crítica: Show de Gal Costa com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais

“Minha voz comovia o coração mais duro,
Fizesse eu o galã ou um lacaio obscuro.” T. S. Eliot

Gal-Costa

Gal não apareceu como deveria. A espera alongou-se por algum tempo. Homens trajando violinos, fagotes, trompas, outros inquietos nos assentos marcados, mãos enfiadas nos bolsos das calças jeans, e mulheres com bolsas a tiracolo, violas e flautas, passavam o tempo com o barulho clássico e habitual, de chicletes, tique-taques do relógio a consagrado instrumento. Todos na esperança de Gal.

Que quando apareceu, não como deveria, trouxe nos cabelos o mormaço, um cheiro, da Bahia, de Djavan, um azul de sal. Os beiços ainda frêmitos escandiam as arrancadas folhas de um calendário Maia, destemperanças de Chico Buarque num folhetim barato: a prostituta, o fogo, a fuga, e os aplausos. A Orquestra Sinfônica de Minas Gerais sob a batuta de Marcelo Ramos sentiu meu bem, meu mal, de Caetano Veloso, em uníssono, cantado em coro.

E se já não era Gal? Mas uma força estranha, calma, dedicada a Roberto Carlos, e tantos desavisados a entoá-la como se para si. Os olhos flamejavam, e a timidez bastava para mirar abaixo, crer em Vinicius e Tom, e chega de saudade, a música: um coração batendo numa pirraça. A moça flutuante, o vestido, preto e longo, deixava à mostra o fato – a luz de Salvador, o dom de iludir, a resposta para Noel Rosa.

Moveu-se um pouco além, sacolejou a saia, as pernas acompanham, os pés tocaram o chão e o samba do grande amor revigorou o espaço. Porém ao lembrar Tim Maia de novo o banzo, a falta, e um dia de domingo, de sono, sonho e fadas. Ary Barroso, o mito, e os carnavais do Rio, adentraram o recinto, dispensam a cerimônia, todos muito bem vestidos, e uma camisa amarela de lado, resgatada, sem vergonha.

O cheiro da Bahia, o azul de Dorival Caymmi, o mar, a imensidão, as raízes de Maria, da Graça, da cozinha. Os ingredientes: um a um, com um toque de Minas, o dedo de Midas. O ouro da voz: incomum, ampla e límpida. O vatapá, a delícia, a festa do interior, de Moraes e Abel Silva. A rotina, a chegada, os rojões, os foguetes, o pedido, o retorno, a partida. Gal Costa tinindo. Inteira, em trechos, fluida, e firme. Admire-se.

Gal-Costa-Orquestra

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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