Crítica: história de Stephen Hawking se impõe em “A Teoria de Tudo”

“uma única, simples e elegante equação que explique todo o funcionamento do universo.” Stephen Hawking

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Algumas pessoas entram para os almanaques ao superar os limites físicos; outras, da mente. Embora haja vozes discordantes dessa divisão de camadas, o certo é que o astrofísico (denominação que atende a todas as atividades que pratica) Stephen Hawking é um fenômeno pouco comparável, por ter se destacado nas duas frentes. “A Teoria de Tudo”, baseado no livro da sua ex-mulher, carrega todos os elementos e vícios do cinemão americano, apesar de produzido no Reino Unido, mas tem por mérito deixar mais perguntas do que respostas, direção oposta ao modelo afirmativo de produção cultural hollywoodiana. Isso porque a história de Stephen se impõe, sendo daqueles casos onde a existência consegue ser um milhão de vezes mais inacreditável, comovente e fantástica do que a fantasia. O próprio título é uma incógnita, afinal a fórmula matemática que explicaria o universo por completo jamais foi encontrada por Hawking.

Pelo fato de ser uma biografia não surpreende que os desafios da carreira e do amor caminhem em paralelo, situação bem explorada por James Marsh. A direção une esses pontos e extrai deles sequências capazes de alterar em alta-voltagem os sentimentos do espectador. Não são raras as passagens a permitir aquele nó na garganta, o arrepio, e até o choro incontido. A tendência a tratar o drama de forma melódica e a romantizada típica estão lá, mas não atrapalham em nada a apreciação do filme, ou seja, não chegam ao ponto do enfado nem do enjoo, muito ao contrário. Do ponto de vista narrativo a opção é clássica. O primordial é a ação, o desenvolvimento dos fatos, a sucessão de acontecimentos, o aspecto externo, porém esse tempo cronológico sofre um movimento de retroação a partir dos pensamentos do físico, que sugere, em dado momento da trama, essa possibilidade. Afinal poderíamos voltar no tempo? O modo como o interesse de Stephen é incorporado amplia ainda mais esse impacto. O tom da película varia, como aquela que é imitada passa pelo humor, o drama e o lirismo.

A trilha sonora torna-se relevante quando se insere Wagner, compositor preferido de Stephen Hawking, por sua natural potência ela sublinha instantes de tensão. Os efeitos visuais agregam beleza e conteúdo, ao criar metáforas que possibilitam o trânsito entre o corpóreo e o impalpável, passando ao largo de firulas a exibir o preciosismo técnico dessas produções, mas que quase nunca acrescentam. Toda vez que a escolha é por uma imagem, em tese, de filmadoras antigas, a fotografia da atração ganha em estética, e aumenta-se a comoção: pela nostalgia; em outras palavras, a sublimação do passado onde somente as boas lembranças permanecem, sensação bastante comum na nossa espécie. O desempenho dos atores engrandece o filme. Além de dar conta das dificuldades técnicas inerentes a interpretar um homem que tem o corpo afetado por uma doença motora, Eddie Redmayne invoca toda a intensidade do interior da personagem: as emoções, os conflitos, a maneira como é capaz de enxergar o lado menos dramático, em resumo, a personalidade complexa e irreverente de Stephen Hawking. Felicity Jones é tão protagonista quanto, por conseguir evocar todo o peso e as malhas mais profundas das contradições de Jane Wilde, uma mulher cuja devoção ao marido impressiona.

Não bastasse isso, a dupla é escorada por outros dois ótimos coadjuvantes, soberbos na difícil contenção dos papéis que lhes são atribuídos: David Thewlis, figura representativa do professor, e Simon McBurney, o pai. A concepção de figurinos, cenários, e todos os aparatos da superfície mantém a exigência de qualidade característica. Mas o que realmente toca o coração e provoca o cérebro é o enredo. Afinal este homem tão capaz de compreender o mundo e agir sobre o funcionamento dele não está imune às forças da natureza. Esse homem é tão refém dos efeitos do universo e do tempo quanto todos os outros ou o supera? Afinal ele escapa da morte precoce à qual a ciência o condena. A mesma ciência que o consagra e lhe fornece a tecnologia que possibilita a vida. Afinal de contas Stephen sobrevive por um milagre ou pela capacidade de adaptação? Questões que só poderiam ser escritas pela mente de um Deus ou o corpo de um macaco evoluído.

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Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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